António Ponce de Leão
(Lisboa, 25-09-1891 – 11-06-1918)
António Cardoso Ponce de Leão foi autor de uma obra que, embora curta, é significativa para a compreensão dos movimentos modernistas que marcaram o início do século XX português.
Integrando a Sociedade de Amadores Dramáticos, contribuiu para a dramaturgia nacional com textos como Alma (1913, corredigido com Mário de Sá Carneiro), Venda e A onda (1915), que confrontam o pudor estabelecido em torno de temas como a sexualidade e exploram questões psicológicas de forma inovadora.
António Ponce de Leão, s.d, [Colóquio/Letras, nº34, novembro 1976, p.25]. |
Ponce de Leão, poeta e crítico que, com Mário Sá-Carneiro, partilhou a paixão pelo teatro, escreveu aos vinte anos a sua primeira peça, o ato único em verso O relógio do Sr. Cura (1901), “tão ingénuo de concepção como de factura” (REBELLO 1976: 27). Traduziu o texto de François de Curel Os fósseis (Les fossiles, 1892) com aquele poeta sensacionista de Orpheu, e no dia 3 de março de 1912, a Sociedade de Amadores Dramáticos – de que fazia parte – anunciava a montagem do seu drama em quatro atos Mentiras, a subir à cena juntamente com Amizade de Sá-Carneiro e Cabreira Júnior. Dois outros dramas originais O passado e A mãe dos nossos filhos (cujos manuscritos, como no caso de Mentiras, omitem as datas de redação) são fruto de colaborações, respetivamente com o ator Mário Duarte, animador da Sociedade de Amadores Dramáticos, e com Oliveira Moita. Sozinho, escreveu A onda (1915) e Venda (outro drama sem data). À exceção de A onda, redigida entre 25 de fevereiro e 3 de março de 1915, estreada no Teatro do Ginásio poucas semanas depois de a ter acabado (dia 27 de março) e impressa no mesmo ano, nenhuma dessas outras peças chegou a ser publicada ou representada.
Ponce de Leão já tinha escrito Alma (1913) com Sá-Carneiro quando redigiu Venda e A onda. Vários são, do ponto de vista temático e estilístico, os elementos que as aproximam: são todas dominadas por um universo simbólico em que se nota o pressentimento das teorias psicanalíticas freudianas, quer pela força do inconsciente quer pela sexualização das relações afetivas; colidem com as convenções burguesas da época, introduzindo situações e personagens ousadas e, nessa altura, ainda inexploradas no teatro; revelam por vezes um pendor literato que, porém, nunca resvala para um tom declamatório ou banal, nem diminui o valor das intenções que as inspiraram.
As peças Alma, Venda e A onda, mantendo, embora, traços próprios, poderiam ser reunidas num tríptico que retrata uma realidade que vai de um caso geral até se concentrar num caso especial. Alma põe em cena uma relação conjugal contrapondo-a à moral social: ele casou por amor, ela para obedecer ao pai (não obstante amar outro homem) e, apesar de nunca chegar a consumar carnalmente a traição, o desejo da posse física, que domina as personagens apesar das suas palavras de rejeição recíproca, deixa o fim em suspenso e aberto a várias soluções. Venda convoca novamente a relação dum casal atormentado pela razão, pelo sentimento e pelo instinto, que os separam, empurrando-os em direções opostas; também aqui o homem casou por amor, enquanto a mulher de início o aceita por interesse e num segundo tempo corresponde ao amor dele, expondo-se primeiro à possível rejeição do marido e depois à força do desejo sexual dele. O drama tem o seu desenlace com a revelação da lógica que rege o inconsciente. Finalmente, o ato único A onda concentra-se numa personagem feminina de sensualidade mórbida, à volta da qual giram figuras seduzidas pela patologia dela, numa atmosfera rarefeita; como em Alma, o fim fica em aberto, mas não se vislumbram sinais de censura no que diz respeito à protagonista, uma mulher consciente de si própria e que, na auto-aceitação adquirida, reage com desdém perante o desprezo que os outros lhe reservam. O autor mostra assim a sua preocupação em descrever um perfil psicológico, sem sugerir nenhuma moral substitutiva para contrapor à descontração lasciva da sua heroína, pois não pretende julgá-la e, antes pelo contrário, é a autenticidade dela que prevalece sobre a hipocrisia que a rodeia.
Não se conhecem outros textos dramáticos de Ponce de Leão, que, em matéria de teatro, deixou também uma coletânea de crítica fervorosa e documentada, Se Gil Vicente voltasse (1917), “volume que constitui um dos mais severos (e justos) requisitórios contra a resignada mediocridade de Teatro português seu contemporâneo” (REBELLO 1977: 175-176).
* Este texto é a versão revista e em português da ficha bio-bibliográfica de António Ponce de Leão editada in: Sebastiana Fadda (a cura di), Teatro portoghese del XX secolo, Roma, Bulzoni Editore, 2001. Desta antologia faz parte a peça Anima.
Textos de/para teatro
1901: O relógio do Sr. Cura
1915: A onda
Mentiras (s/d)
Venda (s/d)
Textos de/para Teatro
1913: Alma. (col. Mário de Sá Carneiro)
O passado (col. Mário Duarte) (s/d)
A mãe dos nossos filhos (col. Oliveira Moita) (s/d)
Bibliografia
REBELLO, Luiz Francisco (1976). “Um dramaturgo português desconhecido: António Ponce de Leão”, in Colóquio/Letras, n.º 34, novembro, pp. 25-33.
___ (1977). “Uma peça inédita de Mário de Sá Carneiro e um dramaturgo ignorado, António Ponce de Leão”, in AA.VV., Memórias da Academia das Ciências de Lisboa. Classe de Letras, tomo XVIII. Lisboa, pp. 169-179.
___ (1987). “Nota introdutória”, in Mário de Sá-Carneiro / António Ponce de Leão, Alma. Lisboa: Edições Rolim, Colecção Palco.
___ (1997). Teatro português em um acto (1900-1945). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Colecção Temas Portugueses.
SERÔDIO, Maria Helena (2004). “Dramaturgia”, in AA.VV., Literatura portuguesa do século XX. Lisboa: Instituto Camões, Coleção Cadernos Camões, pp. 95-141.
Consultar a ficha de pessoa na CETbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Pessoa&ObjId=22585
Consultar imagens no OPSIS:
Sebastiana Fadda/Centro de Estudos de Teatro