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Luzia Maria Martins

(Lisboa, 27-05-1927 – Lisboa, 13-09-2000)


Luzia Maria Martins foi uma das primeiras mulheres portuguesas do teatro a singrar como encenadora e autora e a ter o seu mérito reconhecido a nível não só artístico, mas também intelectual e político.

  Luzia Maria Martins
  Luzia Maria Martins, s.d. [TRINDADE, António (Coord.) (2004). Luzia Maria Martins, 1927-2000. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa & Comissão Municipal de Toponímia].

Viveu parte da sua vida em Londres, onde estudou e contactou com um meio cultural muito diferente do que então se vivia em Portugal, o que a inspirou a fundar, juntamente com Helena Félix, o TEL – Teatro Estúdio de Lisboa, em 1964. Foi uma das figuras da resistência ao regime do Estado Novo e, através da sua força de vontade, proporcionou ao público português o contacto com autores e textos centrais da dramaturgia europeia – Strindberg, John Osborne, Edward Bond, Marguerite Duras – incluindo no seu repertório autores proibidos pela censura, como foi o caso de Sttau Monteiro e Maxwell Anderson. Terminou a sua carreira teatral, no início dos anos 90, desiludida com o desinteresse do público.

A sua aventura teatral iniciou-se ainda na infância, por intermédio do seu pai, o cenógrafo Reinaldo Martins (ativo desde 1915), que a levou a conhecer os bastidores e os palcos de alguns teatros. Apresentou-se em cena pela primeira vez no Teatro Politeama, com seis anos, numa revista de Lina Demoel.
Estudou no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, em Lisboa, e, no início dos anos 50, trabalhou na rádio e no jornalismo. O seu maior interesse era, porém, estudar teatro, mas, pelo facto de o Conservatório não dar atenção aos estudos teóricos de dramaturgia que lhe interessavam, saiu do país em 1953 com destino a Londres, com pouco mais que 10 libras no bolso, passando aí a viver com a sua irmã. Graças à sua experiência como locutora de rádio, conseguiu trabalho na BBC, escrevendo simultaneamente para a secção literária do Diário Popular. Em Londres seguiu os impulsos quiméricos da juventude e, numa vontade de conhecer tudo, frequentou diversos cursos que lhe abriram as portas para as mais diferentes áreas: encenação de teatro e ballet, cinema, filosofia e luminotecnia. Foi também em Londres que contactou com as novas tendências do teatro, como o teatro narrativo e épico, e conheceu novos autores e encenadores.


Em Londres conheceu também Helena Félix, que aí frequentava um curso de teatro, e, no regresso a Portugal, fundaram, juntas, o Teatro Estúdio de Lisboa, em 1964. O projeto artístico de ambas era divulgar em Portugal novos autores, desenvolver um trabalho de ator com grande contenção de gestos e rigor na elocução, bem como apresentar um teatro mais vivo e empenhado na intervenção social.

O seu gosto pelo teatro épico levou-a a exercitar uma escrita – e encenação – em torno de autores portugueses, procurando refletir sobre o conceito do intelectual e a sua relação – problemática muitas vezes – com os tempos em que viveram: Bocage – alma sem mundo (1967), O homem que se julgava Camões (1981) e Cesário quê? (1986). Seguiu ainda processos do teatro narrativo na adaptação de Romeu e Julieta, de Shakespeare, em Anatomia de uma história de amor (1969), e trabalhou – com finura de análise e compreensão solidária – cenas da vida comum em Lisboa 72-74 (1974), Trapos e rendas (1975), Quando a banda tocar – cenas da vida lisboeta (1979).

Traduziu e encenou textos de Maxwell Anderson, Tchekov, Terence Rattingan, Robert Bolt, Peter Shaffer, Thornton Wilder, Ted Willis, Strindberg, David Storey, John Osborne, Arnold Wesker, Edward Bond, Jean Giraudoux, Roger Vitrac, Marguerite Duras, Rafael Alberti e Vaclav Havel, tendo apresentado antes do 25 de Abril de 1974 alguns textos olhados com desconfiança pela censura fascista, como Joana da Lorena de Maxwell Anderson (1964) e As mãos de Abraão Zacut de Sttau Monteiro (1969). No entanto, como afirmou na entrevista ao jornal Público (23-04-1998), a sua persistência em trabalhar autores e textos olhados com desconfiança pela censura permitia-lhe, por vezes, a apresentação de peças inicialmente proibidas e depois aprovadas com cortes, como foi o caso de As mãos de Abraão Zacut, em 1968.
Mas a sua posição política contra o regime fascista valeu-lhe não apenas dificuldades em levar à cena peças ou autores proibidos, mas também algumas situações caricatas: em 1967, aquando da apresentação, num festival amador em Setúbal, da peça Bocage – alma sem mundo (constantemente alvo de cortes e de proibição de representação), Luzia Maria Martins recebeu uma medalha comemorativa do bicentenário do poeta em cerimónia muda, por ter sido proibida de agradecer publicamente a homenagem. Numa outra ocasião, em 1968, a leitura da carta de Helene Weigel, a propósito do Dia Mundial do Teatro, proibida pela censura, levou Luzia Maria Martins a responder em tribunal. O seu protagonismo político levou também a que em 1973 fosse convidada pela revista internacional Index a prestar o seu depoimento sobre a repressão política nas artes e, em 1975, uma cadeia de televisão dinamarquesa e a BBC entrevistaram-na mostrando excertos do espetáculo Trapos e rendas para reportagens sobre a Revolução dos Cravos. Em 1974, uma das canções do espetáculo Lisboa 72-74 – com letra e música da atriz Ermelinda Duarte, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e atriz do TEL desde 1969 – tornou-se um dos hinos mais vibrantes do 25 de Abril: “Uma gaivota voava voava”.

Nos vários textos que escreveu para os programas dos seus espetáculos, confessou a sua “filiação” no teatro épico e mencionou Brecht, Piscator e Artaud como encenadores e teóricos de referência. As suas encenações foram também exercícios de modernidade, com a integração harmoniosa de outras artes, como o cinema, a dança e a rádio. Pelo seu trabalho no TEL foi galardoada com vários prémios: em 1969 recebeu o Prémio António Pinheiro para Melhor Encenador do Ano com a peça Vítor ou as crianças no poder; em 1970, o Prémio da Crítica pela encenação de Lar; em 1986, Prémio Especial de Teatro: Uma Vida ao Serviço do Teatro; e, em 1987, o Prémio de Dramaturgia pelo júri do 3º Ciclo de Teatro de Autores Portugueses da Amadora. Nesse mesmo ano, foi também homenageada com o Prémio de Personalidade do Ano pelo Festival Internacional de Teatro de Almada.


Em 1981 foi ainda convidada pela RTP – Rádio Televisão Portuguesa para encenar 5 peças.


No entanto, apesar dos prémios, Luzia Maria Martins queixava-se do afastamento do público e do seu desinteresse por um tipo de teatro menos comercial, por falta de uma cultura teatral na sociedade portuguesa. E apesar de – juntamente com Helena Félix – se manter fiel aos seus princípios, o desgaste de uma luta contra a constante falta de apoios financeiros, a dificuldade em manter um elenco estável ou em investir na divulgação promocional levou a que os seus espetáculos fossem perdendo algum vigor. Quando em 1991 o TEL encerrou definitivamente a sua atividade e Helena Félix morreu, Luzia Maria Martins decidiu abandonar o teatro, recusando não só vários trabalhos como encenadora, como deixando igualmente de assistir a espetáculos. Apenas em 1998, a convite de Carlos Avilez e Luísa Ortigoso regressou para encenar o monólogo Frida e a casa azul, de José Jorge Letria, no Teatro Nacional D. Maria II.


Morreu a 13 de setembro de 2000, aos 73 anos, e, 4 anos mais tarde, a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu o seu nome a um largo na freguesia de S. Domingos de Benfica.


Bibliografia
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SERÔDIO, Maria Helena (1988). “Algumas linhas fundadoras da dramaturgia de Luzia Maria Martins” in Vértice, Abril. Lisboa: Editorial Caminho, pp. 107-110.


Consultar a ficha de pessoa na CETbase:
http://www.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Pessoa&ObjId=469

Consultar imagens no OPSIS:
http://opsis.fl.ul.pt/


Marta Rosa/Centro de Estudos de Teatro