Mário Alberto
(Lubango, Angola, 20-07-1925 – Lisboa, 04-10-2011)
Mário Alberto Rosado Cabral foi pintor e um dos mais proeminentes e produtivos cenógrafos portugueses.
Mário Alberto, IVAngelho II Mário Alberto: Vidas Laicas, p.117 |
É frequentemente referido como o último habitante do Parque Mayer, local onde viveu e trabalhou durante cerca de 30 anos. Apesar de ter trabalhado principalmente em teatro de revista, M.A. colaborou, também, com companhias como o TEP (Teatro Experimental do Porto), o TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra) e A Barraca, tal como em televisão e cinema. Lecionou várias disciplinas, relacionadas com a sua atividade profissional, na Escola de Circo e na Companhia de Teatro de Almada e foi cofundador de companhias como o Teatro Ádoque, A Barraca e o Teatro da Malaposta. A sua estética caracteriza-se principalmente pela forte presença de elementos surrealistas, bem como por um erotismo quase omnipresente e não raro a sua obra revela as suas convicções políticas inabaláveis.
Mário Alberto nasceu em Sá da Bandeira (atual cidade de Lubango), em Angola, onde permaneceu até aos 4 anos de idade, altura em que veio para Portugal, mais precisamente para Elvas, no Alentejo, região da qual os seus pais eram naturais. Partiu, uns anos mais tarde, após o divórcio dos pais, para Coimbra – acompanhado apenas da mãe, do irmão e de uma tia – e por lá viveu grande parte da sua adolescência. Foi na cidade dos estudantes que iniciou cedo – por dificuldades financeiras da família – a sua atividade profissional como operário na fábrica de cerâmica Coimbra Frutuoso, prosseguindo com os seus estudos em regime noturno.
Coimbra foi, também, o local onde descobriu a grande paixão da sua vida: o teatro. Era Mário Alberto ainda uma criança quando começou a conceber e exibir os cartazes promocionais dos espetáculos de teatro de cordel representados por um grupo amador, que ele próprio recordou como sendo “daqueles muito pindéricos do Largo da Feira” (TELES 2002: 21). Mário Alberto encarregava-se, também, da caracterização dos jovens atores desenhando-lhes nas faces uns bigodes com o auxílio de uma rolha de cortiça queimada. A sua paixão pelo teatro intensificou-se quando, já adolescente, Mário Alberto assistiu aos primeiros espetáculos do TEUC e ao trabalho de Paulo Quintela e Manuel Deniz Jacinto, experiência que o marcou profundamente (ibidem: 73).
Um novo agravamento das condições financeiras da família levou-os a instalarem-se em Lisboa. Mário Alberto, então com 17 anos, empregou-se num escritório, mas a sua fixação pela arte do palco falou mais alto quando confrontado, pelo seu patrão, com a escolha entre o trabalho diário ou o trabalho de figuração que havia conseguido a 7$50 por noite, no espetáculo A Casta Susana (estreado a 10 de novembro de 1945, no Teatro Avenida), para o qual também colaborou na realização do cenário (ibidem: 23, 74).
M.A. continuou a mover-se no mundo do espetáculo, fazendo pequenos trabalhos de figuração e de assistência de atores, até que se dedicou, principalmente, à caricatura, trabalho que Maria Adelaide Lima Cruz muito apreciou e que a levou a apresentá-lo ao cenógrafo Pinto de Campos, o seu primeiro mentor. Mário Alberto recorda a importância da presença de Pinto de Campos na sua vida profissional, chegando a considerar-se, de certo modo, um discípulo do grande cenógrafo: "Foi com ele que aprendemos todos, esta última geração. Era o grande mestre. Era genial. […] Aprendi muito com ele, mas é claro depois viajei, arranjei outra linha…” (ibidem: 25).
Seguiu-se a colaboração com os irmãos Hernâni e Rui Martins, com quem trabalhou na concretização de algumas revistas e deu continuidade à sua aprendizagem. Em 1949, realizou a cenografia para alguns espetáculos d' Os Companheiros do Pátio das Comédias, companhia encabeçada por figuras como Jorge de Sena e Luiz Francisco Rebello. Prosseguiu com a sua atividade de cenógrafo até 1955, ano em que, motivado pela instabilidade financeira — mas principalmente pelo seu espírito aventureiro —, decidiu, juntamente com o bailarino Humberto, percorrer a Turquia como Pauliteiro numa digressão de cerca de ano e meio. Ao longo da sua vida teve outras atividades profissionais fugazes que fugiram ao mundo do teatro, entre as quais "músico gestual" (ibidem: 98-99) num conjunto de ritmos tropicais (em que fingia tocar contrabaixo e maracas) dono de um restaurante em Lisboa e empregado de bar na Holanda. Todavia, Mário Alberto acabou sempre por regressar ao teatro, à revista e ao Parque Mayer, que se tornou a sua casa a partir do início dos anos 70.
A sua formação enquanto artista foi marcada, em 1957, por uma breve estadia em Paris — possibilitada pela ajuda financeira de Beatriz Costa — onde estudou pintura, durante um semestre, na Academia La Grande Chaumière. Teve por mestres Yves Brayer e Henri Goetz, conviveu com Vieira da Silva e Arpad Szènes e expôs o seu trabalho na galeria de Raymond Duncan. Contudo, Mário Alberto declinou uma carreira no mundo da pintura e, ao regressar a Lisboa, regressou também ao teatro.
Colaborou, durante mais de 4 décadas, na criação de centenas de revistas – chegando até a participar na autoria de alguns textos – mas trabalhou, também, em teatro declamado, realizando tanto a cenografia como os figurinos para alguns grupos de teatro universitário, como o TEUC, o CITAC (Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra) e o Grupo Cénico de Direito, bem como para o TEP, entre outras companhias profissionais como A Barraca, da qual foi membro fundador, em 1975. Mário Alberto esteve, também, envolvido na fundação do Teatro da Malaposta e, mais ativamente, na fundação do Teatro Ádoque, em 1974, do qual acabou por se afastar por dissidências internas na companhia. Colaborou, ainda enquanto cenógrafo e figurinista em vários projetos de televisão e cinema. Foi, também, professor de Cenografia, Carpintaria e Guarda-Roupa na Companhia de Teatro de Almada, bem como professor de Cenografia na Escola de Circo de Lisboa (atual Chapitô).
Mário Alberto foi um dos grandes cenógrafos portugueses do séc. XX, destacando-se sobretudo no teatro de revista, e encabeçou – juntamente com Francisco Nicholson, Gonçalves Preto, Sérgio Azevedo, entre outros – um notável esforço de revitalização desse teatro ainda antes do 25 de Abril, com revistas inovadoras e de grande êxito como O fim da macacada (1972), P’ró menino e p’rá menina (1973) e Tudo a nu (1973).
Para Mário Alberto, a cenografia – cuja importância, como bem sabia, era maior em teatro musicado – constituía um veículo de comunicação do texto, sem a este retirar o devido protagonismo, como ele próprio confessou ao considerar “[…] que o cenário é um acessório como, por exemplo, o guarda-roupa. Acima de tudo está sempre o texto. Compete ao encenador dar uma boa leitura dele ao público. Importante é que tudo se conjugue em função do texto” (ibidem: 75).
Relativamente ao seu trabalho, marcado pela irreverência do surrealismo e, muitas vezes, caracterizado por um forte erotismo, Gonçalves Preto descreve-o como rigoroso “[…] na sua feroz e obsessiva vigilância das cores e das tonalidades que condicionam a irrealidade das realidades […] sem nunca perder a raíz popular autêntica e telúrica […]” e fonte de “[…] uma inconfundível identidade e especificidade” (ibidem: 106). Também Luiz Francisco Rebello caracterizou o trabalho pelo qual Mário Alberto recebeu, ao longo do seu percurso enquanto artista, vários prémios e homenagens, como uma obra que “[a]lia a um sentido funcional da cenografia um gosto moderno que, por vezes, não recusa certas experiências da pintura abstracta e da ‘pop-art’.” (REBELLO 1970: 28)
Homem de esquerda com firmes convicções políticas e dotado de um espírito crítico muito forte e franco, Mário Alberto viu muitas vezes marcadas pelo lápis da censura as suas criações, não deixando nunca, no entanto, de ser um subversivo, como nos confessa Viriato Teles, que o caracterizou como um “[…] habitante de Lisboa e do mundo, militante do prazer, generoso, heterossexual praticante, antifascista visceral, rabulista imparável, bebedor consistente, anarco-surrealista e inimigo da padralhada” (TELES 2002: 10). Considerado muitas vezes o último habitante do Parque Mayer, Mário Alberto, continua a ser, mesmo após o seu desaparecimento, uma figura incontornável, não só do teatro português, como daquele espaço, mas também um dos símbolos da Lisboa boémia de outros tempos.
Bibliografia
Anon. (2002). “Mário Alberto, pastor de duas mulheres” in Autores, nº 6, julho 2002, pp. 29-31.
___ (2003). “Pintura dedicada ao declamador” in Jornal de Notícias, 17 de janeiro de 2003, p. 40.
CARDOSO, Ribeiro (2007). “Dossiê: Mário Alberto, um subversivo” in Autores, nº 15, julho-setembro 2007, p. 4.
DUARTE, Maria João Rolo (2004). “Uma figura do Parque Mayer” in Jornal de Notícias, 8 de março de 2004, p. 28.
FONSECA, Ana (2002). “Um Homem na Cidade” in Revista Alentejana, nº 27, pp. 8-11.
MENDES, Anabela (1989). “O cenógrafo que vive no Parque” in Êxito, 9 de fevereiro de 1989.
___ (2003). “Na minha casa” in Público, 6 de novembro de 2003, p. 50.
REBELLO, Luiz Francisco (1970). Dicionário do Teatro Português. Lisboa: Prelo, p. 28.
___(1985). História do Teatro de Revista em Portugal, vol.II – Da República até hoje. Lisboa: D.Quixote
SANTOS, Nuno Gomes dos (1986). “Mário Alberto voltou ao Parque” in O Diário, 13 de julho de 1986, p. 12.
TAVARES-TELES, António (1997). “O homem do Parque” in Revista Indy, nº 501, 19 de dezembro de 1997, pp. 26-28.
TELES, Viriato et. al. (org.) (2002). IVAngelho II Mário Alberto. Amadora: Sojorama.
Consultar a ficha de pessoa na CETbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Pessoa&ObjId=3487
Consultar imagens no OPSIS:
Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro