Pinto de Campos
(Lisboa, 04-12-1908 – Lisboa, 06-06-1975)
António José Pinto de Campos foi um dos artistas plásticos mais ativos e talentosos do teatro português do séc. XX.
Retrato de Pinto de Campos, s.d. [cortesia do Museu Nacional do Teatro, cota: 2356] |
Foi, também, uma das figuras mais emblemáticas do Parque Mayer, onde trabalhou essencialmente como cenógrafo e figurinista no teatro de revista (cerca de 140 espetáculos), embora tenha participado também em espetáculos de teatro declamado e em cinema. Estreou-se como cenógrafo e figurinista em 1931, na revista O estaladinho, apresentada no Teatro Maria Vitória. A sua carreira é indissociável de empresários como Piero Bernardon – com quem trabalhou durante quase duas décadas, tanto em Portugal, como no estrangeiro –, Vasco Morgado e Eugénio Salvador. O seu trabalho rigoroso e inventivo, inspirado nos musicais da Broadway e no cabaret parisiense, pautava-se por um modernismo discreto. Pinto de Campos foi, também, mestre de jovens artistas, entre os quais se destacou Mário Alberto.
António José Pinto de Campos nasceu em Lisboa, a 4 de dezembro de 1908, e pouco se sabe do seu percurso antes da entrada no mundo do teatro, para além de ter tido formação – nunca exercida profissionalmente – em contabilidade. A revista Viva o jazz, apresentada em 1931, no Teatro Maria Vitória, é normalmente considerada a sua estreia em teatro, mas Luiz Francisco Rebello afirma – contrariando os dados que ele próprio apresentara no seu Dicionário (REBELLO 1970: 123) – que Pinto de Campos havia participado antes na conceção de uma revista, O estaladinho, também de 1931, realizando para o espetáculo duas cortinas intituladas "Casa com escritos" e "Salão dos Independentes" (REBELLO 1985: 98), bem como o figurino "Amoreiras" que integra o acervo do Museu Nacional do Teatro.
Pouco tempo após a sua primeira colaboração no teatro de revista, “[…] em que revelou excepcionais qualidades” (ibidem), Pinto de Campos trabalhou como cenógrafo e figurinista para o empresário italiano Piero Bernardon. Entre 1934 e 1949, ambos embarcaram numa extraordinária parceria que, segundo consta, produziu luxuosos espetáculos que não só elevaram o teatro de revista apresentado no Parque Mayer à qualidade dos espetáculos parisienses, como também acabaram por levar o empresário à falência em 1949. Neste período encontram-se algumas das mais célebres revistas da carreira de P. C. como Olaré quem brinca (1937), Cantiga da rua (1943) e Há festa no Coliseu (1944). O rigor, exigência e perfecionismo – pelos quais era bem conhecido – deixaram a sua marca na colaboração com Piero, quando, em 1944, para assegurar a qualidade da execução dos figurinos, criaram o Guarda Roupa Estete – Estúdio Técnico de Teatro.
Apesar do processo de falência e a consequente saída do empresário de Portugal, a parceria não cessou e Pinto de Campos deu, assim, início a um período de atividade no estrangeiro, que o levou a fixar-se no Cairo, tendo montado espetáculos em casinos e boîtes. Durante os anos que passou fora do país, Pinto de Campos, que tinha a capacidade de tornar “[…] esplendorosas as vedetas elegantes […] e disfarçar as ‘mais difíceis’” (SANTOS 2000: 22), deixou um vazio significativo na atividade teatral que, anos antes, tinha ajudado a renovar e revitalizar com o seu talento, imaginação e, sobretudo, bom gosto.
Figurino de Pinto de Campos para a revista Taco a taco, representada pela Companhia Eugénio Salvador no Teatro Maria Vitória, 1960 [cortesia do Museu Nacional do Teatro, cota: 78463] |
Esse vazio foi sentido pelo então jovem empresário de teatro Vasco Morgado, que, em 1953, pediu a colaboração de Pinto de Campos – que se encontrava ainda no Cairo – para a montagem da revista Viva o luxo. Respondendo ao convite, Pinto de Campos enviou, por correio, a sua contribuição: alguns desenhos de figurinos e maquetas de cenário. No final desse mesmo ano, Pinto de Campos regressou definitivamente a Portugal para trabalhar na “deslumbrante opereta Maria da Fonte” (ibidem: 24). Apesar de muito viajado, Pinto de Campos não voltou a fixar residência fora de Lisboa, e veio a assegurar a direção plástica dos espetáculos – de teatro ligeiro e declamado – produzidos por Vasco Morgado, embora sem regime de exclusividade, permitindo, assim, que colaborasse também com a Companhia Eugénio Salvador. São desta época as revistas Melodias de Lisboa, apresentada por Vasco Morgado em 1955, no Teatro Monumental – onde Pinto de Campos conseguiu “[…] manter as cores pastel em todo o espectáculo e dar a medida do seu virtuosismo numa belíssima apoteose em rosa” (ibidem 1978: 88) – bem como Cidade maravilhosa (1955) e Fonte luminosa (1956), ambas apresentadas por Eugénio Salvador no grande palco do Coliseu dos Recreios.
A sua colaboração em espetáculos de teatro declamado – entre os quais se destacam A Severa (1955) de Júlio Dantas, João Gabriel Borkman (1956) de Ibsen, O mercador de Veneza (1963) de Shakespeare e Gata em telhado de zinco quente (1959) de Tennessee Williams – não foi tão aclamada quanto o seu trabalho na revista, uma vez que, segundo Vítor Pavão dos Santos, tanto o traço, como a palete de Pinto de Campos eram “essencialmente revisteiras” e não se adequavam aos espetáculos de teatro declamado (ibidem: 89). Todavia, Pinto de Campos não se limitou ao género em que se expressava mais facilmente, “[…] tendo também criado trajos, adereços e cenários para opereta, para comédia, para os clássicos, para cinema e, até, para o teatro mais experimental e vanguardista, que no final da década de 60 dava os seus primeiros passos em Portugal (o Grupo 4, por exemplo)” (ALVAREZ 2005: 64).
Considerado um artista de grande talento, Pinto de Campos consolidou, ao longo da sua carreira, mercê de um trabalho sistemático e minucioso, a renovação estética do teatro de revista português, que, pela sua capacidade inventiva, atingiu uma notável qualidade plástica. É notória a maximização dos recursos disponíveis para montar espetáculos com um impacto visual considerável, independentemente do palco em questão: “[s]ubstituindo "aigraittes", "strasses" e brocados — os materiais caríssimos do Lido e das Folies — por tules, plásticos, tarlatanas pintadas, papel recortado, consegue ardilosamente efeitos de bom gosto superior aos modelos parisienses" (SANTOS 1978: 88-89).
Maquete de cenário de Pinto de Campos para a revista Fonte Luminosa, 1956 [cortesia do Museu Nacional do Teatro, cota: 1135] |
O estilo de Pinto de Campos, sempre marcado pela sua fecunda imaginação e reconhecido bom gosto — assim como por influências dos espetáculos parisienses, dos musicais da Broadway e até do universo de Walt Disney — registou, ao longo de mais de quatro décadas de atividade, algumas variações, como descreve Vítor Pavão dos Santos: “Nos anos 30, Pinto de Campos desenhava figurinos pequenos, muito cuidados, com mulheres esguias, como era moda, com cores muito bem tratadas, com largos folhos coloridos em matiz. Nos anos 40, a influência da moda e do cinema faz os seus desenhos tomarem volume, desenhando grandes maquetes e figurinos, com mulheres sugerindo esculturas, usando cores fortes e até inesperadas” (ibidem 2000: 26). Após o seu regresso a Portugal, no início da década de 50, uma outra mudança leva-o a desenhar figurinos segundo "[…] a moda da época com uma exagerada estilização, cinturas minúsculas, peitos amplos, pernas muito finas e altíssimas, braços longos, geralmente erguidos” (ibidem: 28).
Apesar de se considerar que o seu talento tivesse entrado em decadência a partir da década de 60, Pinto de Campos trabalhou – literalmente – até morrer. Tombou, vítima de uma trombose, a 6 de junho de 1975, no palco do Monumental, onde trabalhava numa revista da empresa Vasco Morgado, Lisboa acordou!, que acabou por estrear a 25 de julho desse mesmo ano, registando na ficha artística a sua colaboração nos cenários e figurinos. Sobre a sua figura, o testemunho mais curioso é o de Albano Zink Negrão, que nos apresenta Pinto de Campos como o enfant terrible do Parque Mayer, "[…] com o seu bigode farto, mal penteado, as camisolas só possíveis nele, exótico no vestir, culto na palavra" (NEGRÃO 1965: 22) e, como outros acrescentaram, de "[…] mau génio explosivo" (FERREIRA 1985: 365).
Bibliografia
AGUIAR, Maria Virgínia de (Org.) (1968). Programa de O comissário de polícia, pelo TEC – Teatro Experimental de Cascais, 1968.
ALVAREZ, José Carlos et. al. (Coord.) (2005). Museu Nacional do Teatro - Roteiro. Lisboa: Instituto Português de Museus.
Anon. (1975). "A morte de Pinto de Campos" in Diário de Lisboa, 7 de junho de 1975, p.5.
FERREIRA, Costa (1985). Uma casa com janelas para dentro: memórias. Lisboa: INCM.
NEGRÃO, Albano Zink (1965). O Parque Mayer: 50 anos de vida. Lisboa: Editorial Notícias.
RAMOS, Carvalho (1975). "Pinto de Campos: um homem de teatro morreu no palco" in Plateia, nº 750, 17 de junho de 1975, p.12.
REBELLO, Luiz Francisco (1970). Dicionário do teatro português. Lisboa: Prelo Editora.
___ (1985). História do teatro de revista em Portugal, vol. II: Da República até hoje. Lisboa: Dom Quixote.
SANTOS, Vítor Pavão dos (1978). A revista à Portuguesa. Lisboa: Edições 'O Jornal'.
___ (2000). A revista modernista. Lisboa: Instituto Português dos Museus.
Consultar ficha de pessoa na CETbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Pessoa&ObjId=7821
Consultar imagens no OPSIS:
Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro