Pessoas

Raul Brandão

TPL_WARP_POSTED_IN Teatro em Portugal - Pessoas

(Foz do Douro, 12-03-1867 – Lisboa, 05-12-1930)

Raul Germano Brandão foi escritor, militar, jornalista e um dos maiores dramaturgos da língua portuguesa apesar da sua reduzida produção dramática que se materializou em apenas sete textos completos, embora tenha idealizado outros tantos que nunca chegou finalizar ou que, ao longo dos anos, acabaram perdidos.

  Raul Brandão
  Raul Brandão, s.d. [A Illustração Portugueza, 23-05-1904, p.460]

O Gebo e a sombra, drama em quatro atos, e O doido e a morte, farsa em um ato, ambos publicados em 1923, constituem os grandes marcos da sua carreira como dramaturgo com uma aguda consciência social e humana.

Após uma breve passagem, como mero ouvinte, pelo Curso Superior de Letras em 1888, Raul Brandão publicou o seu primeiro livro Impressões e paisagens (1890) e matriculou-se na Escola do Exército (1891). Foi ainda como jovem cadete da Escola do Exército que iniciou uma atividade que o acompanharia durante toda a sua vida: o jornalismo. O início da sua carreira fez-se n’O Imparcial, em 1891 – ano em que publicou Vida de santos – e prosseguiu em títulos como O Correio da Manhã, o Dia, a Seara Nova, O Século, Diário de Notícias e na Revista Hoje, publicada pela primeira vez no Porto, a 15 de Dezembro de 1894, criação do próprio, em parceria com seu irmão, Júlio Brandão. Foi nesta última publicação que surgiram os primeiros fragmentos de História de um palhaço, que Brandão terminou em 1895 e que foi editada em 1896. Foi nesse mesmo ano que Brandão, após terminar o curso na Escola do Exército (1894) e ter-se iniciado na carreira militar, recebeu uma promoção, acompanhada de uma “guia de marcha para Guimarães” (CASTILHO 2006: 27) que o elevou a alferes.

A sua primeira experiência no campo teatral ocorreu de forma amadora quando Brandão era ainda finalista da Escola do Exército, tendo escrito, em 1894, O arraial, “uma revista de fim de ano dos alunos da escola” (CASTILHO 2006: 27), representada duas vezes em Mafra, onde fez o seu estágio final. Desconhece-se o paradeiro do texto, contudo, Luiz Francisco Rebello crê como sendo possivelmente “muito limitada, logo à partida, no seu alcance, qual fosse o de comentar jocosamente personagens e situações inerentes a esse estágio […]” (REBELLO 1986: 10). Estaria, certamente, muito distante do teatro que Brandão desejaria escrever e que antecipava nas crónicas redigidas em 1895 para o diário Correio da Manhã, como um teatro baseado numa palavra que fosse reveladora da essência da alma dos homens e das coisas. Todavia, o verdadeiro começo da sua carreira de dramaturgo foi com duas peças em três atos escritos em colaboração com o irmão Júlio Brandão: Noite de Natal, representada em estreia absoluta no Teatro Nacional D. Maria II a 13 de janeiro de 1899 (publicada apenas em 1981) e O maior castigo (cujo original se perdeu), drama em três atos levado à cena a 11 de dezembro 1902 no Teatro D. Amélia. O cronista Fialho de Almeida considera a primeira uma peça juvenil desconexa, presa a reminiscências da literatura e do teatro russos, e a segunda, nebulosamente modernista. Luiz Francisco Rebello sinaliza na escrita de Brandão uma evolução a partir do modelo naturalista, de presença constante nos palcos portugueses de então, para uma visão impressionista do teatro, antecipando o drama intimista e a comédia grotesca, que se manifestaria posteriormente no seu romance.

No início do séc. XX, e num curto espaço de tempo, publicou O padre (1901), A farsa (1903) e Os pobres (1906), e, especificamente para a cena, entregou em 1902, o original O triunfo, no Teatro Nacional, cuja representação foi aprovada por Fernando Maia, o gerente da empresa concessionária do D. Maria, mas que nunca chegou a ser representado. Outro projeto teve semelhante destino, pois para a temporada de 1901-1902 o Teatro do Príncipe Real anunciou a apresentação de um drama em quatro atos, O gebo, gérmen do futuro O gebo e a sombra, que não chegou a subir à cena. O longo silêncio que se seguiu no que diz respeito à escrita teatral, deve-se, de facto, a uma intensa produção narrativa e memorialista que contou, para além dos já referidos textos, com El-rei Junot (1912), A conspiração de 1817 (1914), Húmus (1917), Memórias (1919, primeiro volume, seguido por um segundo em 1925 e por um terceiro em 1931). Essa produção iria contribuir de forma determinante para enriquecer a dramaturgia brandoniana produzida nos anos 20, fazendo entrar por direito adquirido o autor no Olimpo dos maiores dramaturgos da história do teatro português. As duas obras-primas O doido e a morte, farsa em um ato – representada “em récita única a favor dos vendedores de jornais da capital, na noite de 1 de março de 1926” (REBELLO 1986: 12) – e O gebo e a sombra – drama em quatro atos, representado a 27 de março de 1927 pela companhia Alves da Cunha, no Teatro D. Maria II – foram publicadas em 1923 (juntamente com o monólogo O rei imaginário), no primeiro volume do seu Teatro. Apesar da atenção recebida por estes grupos e por Rachilde, que escreveu o prefácio ao livro apresentando a obra de Raul Brandão como “um teatro popular e humano”, o autor não recebeu, em vida, o reconhecimento devido e O gebo e a sombra iria cedo incrementar a lista dos textos proibidos de subir ao palco pela censura (o veto seria levantado em 1958, ano em que a peça foi levada à cena no Teatro Avenida). Três novos volumes foram anunciados como estando em preparação, mas das sete peças, que deveriam incluir, apenas duas chegaram a ser editadas: o monólogo Eu sou um homem de bem, incluído nas páginas da revista Seara Nova em 1927, e o ato único O avejão, em 1929. Quantitativamente exígua, a lista completa do teatro de Raul Brandão conta ainda com a tragicomédia em sete quadros Jesus Cristo em Lisboa (1927) redigida em colaboração com Teixeira de Pascoaes e entregue no Teatro Nacional nesse mesmo ano, três anos antes da sua morte.

Brandão encarava o teatro produzido em Lisboa de forma bastante crítica, reservando elogios apenas para alguns dramaturgos e textos específicos como Os velhos (1893) de D. João da Câmara ou Dor suprema (1895) de Marcelino Mesquita. O grosso da atividade teatral, composta, a seu ver, por “teatros maus, piores actores” (BRANDÃO 1969: 360), era encarada pelo autor como aborrecida e irritante, em especial “as peças decorativas do Sr. Lopes de Mendonça [e] a simplicidade complicada e embirrenta do Sr. Schwalbach” (REBELLO 1986: 15). Brandão criticava também os atores de então que caracterizava como “adormecidos, fazendo sempre o mesmo tipo com os mesmos gestos e o mesmo tom de voz” (ibidem), entre os quais destacava como exceção João Rosa, Lucinda Simões, António Pedro, entre outros, formando, ainda assim, um leque – reduzido embora – de profissionais competentes.

Só muito recentemente a obra de Raul Brandão foi recuperada e apreciada como merece: grupos amadores e profissionais – entre eles o Teatro Experimental do Porto, o Teatro da Cornucópia, o Teatro de Animação de Setúbal, o Teatro O Bando e o Teatro Municipal de Almada – integram-na com cada vez maior frequência nos seus repertórios pela argúcia e modernidade que revelam. Esta recuperação regista-se também em termos de atenção por parte da crítica, pois se os protagonistas são sempre marginais, cujas vidas se identificam com a dor privada da evasão ou com o alívio do sonho, e quando o não são no sentido económico e social, partilham a marginalidade em termos existenciais. Todas estas características justificam a correta definição formulada por Urbano Tavares Rodrigues, que descreveu a dramaturgia de Raul Brandão como um “documento flagrante de existencialismo avant la lettre” (Rodrigues apud REBELLO, 1957: LXIII). Poder-se-ia acrescentar, ainda, que se trata de um testemunho antecipador do teatro pirandelliano em Portugal, que de facto lhe é praticamente quase coevo. Os pontos de contacto entre as duas dramaturgias residem na temática das inquietações e fraturas interiores dos seres, desencadeadas pela falta de identidade entre essência e aparência. E Luiz Francisco Rebello, sublinhando a oscilação entre os dois pólos do grotesco e do trágico, entre a interrogação metafísica e a reivindicação social inspirados por um cristianismo e um socialismo anárquicos, caracteriza todo o teatro brandoniano não apenas como simples “adesão emocional ao sofrimento dos injuriados, das vítimas de uma defeituosa organização social”, mas antes como “consciência dolorosa […] da ineficácia dessa adesão” (REBELLO 1959: LVIV). O autor, afinal, olha para o mistério da vida e fragilidade da condição humana com um espanto e uma impotência que rapidamente se transformam em dorida e comovida compaixão. Nestas peculiaridades reside a origem da fortuna crítica da obra de Raul Brandão, cujo valor foi reconhecido oficialmente também numa importante exposição bio-bibliográfica organizada pela Biblioteca Nacional de Lisboa, por ocasião do quinquagésimo aniversário da morte do autor. Quanto à investigação académica mais recente, para além do importante estudo de Vítor Viçoso sobre a ficção do autor, foi editado um ensaio de Rita Martins dedicado ao dramaturgo.

* Este texto é a versão revista, em português e em dia, da ficha bio-bibliográfica de Raul Brandão editada in: Sebastiana Fadda (a cura di), Teatro portoghese del XX secolo, Roma, Bulzoni Editore, 2001. Desta antologia faz parte a peça Il pazzo e la morte.

 

Textos de/para teatro

1899: Noite de Natal. (col. Júlio Brandão)

1923: O Gebo e a sombra.

1923: O rei imaginário.

1923: O doido e a morte.

1927: Eu sou um homem de bem.

1927: Jesus Cristo em Lisboa. (col. Teixeira de Pascoaes)

1929: O avejão.

 

BRANDÃO, Raul (1986). Teatro. Obras Completas de Raul Brandão. Lisboa: Editorial Comunicação.

BRANDÃO, Raul et. al. (1981). Noite de Natal. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

___ (1984). Jesus Cristo em Lisboa. Lisboa: Vega.

 

Bibliografia

AA.VV. (2000). Ao Encontro de Raul Brandão (Actas do Colóquio). Colecção Colóquios da Universidade Católica. Porto: Lello Editores.

ARAÚJO, Joaquim Carlos (1998). A Filosofia Trágica da Vida. Algés: Difel.

BARATA, José (1991). História do Teatro Português. Lisboa: Universidade Aberta.

BRANDÃO, Raul (1969) Memórias, vols. primeiro e segundo. Lisboa: Jornal do Foro

___ (1998). Memórias, Tomo I. Lisboa: Relógio D’Água.

___ (1999). Memórias, Tomo II. Lisboa: Relógio D’Água.

CASTILHO, Guilherme de (2006).Vida e Obra de Raul Brandão. Lisboa: IN-CM.

CRUZ, Duarte Ivo (1965). Introdução ao Teatro Português do Séc. XX. Lisboa: Espiral.

FERRO, Túlio Ramires (1976). “Raul Brandão”, in Jacinto do Prado Coelho (dir.), Dicionário de literatura portuguesa, brasileira e galega, vol. I. Porto: Figueirinhas.

MACHADO, Álvaro Manuel (1984).Raúl Brandão entre o Romantismo e o Modernismo. Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa.

___ (1996) “Raul Brandão”, in Álvaro Manuel Machado (dir.), Dicionário de literatura portuguesa, Lisboa: Editorial Presença.

MARTINS, Rita (2007). Raul Brandão. Do texto à cena. Colecção Temas Portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

PICCHIO, Luciana Stegagno (1969). História do teatro português. Tradução de Manuel de Lucena sobre a 1.ª edição italiana [Roma, Edizioni dell’Ateneo, 1964], corrigida e aumentada pela Autora. Lisboa: Portugália Editora.

REBELLO, Luiz Francisco (1959). Teatro português do romantismo aos nossos dias: cento e vinte anos de literatura teatral portuguesa, vol. I. Lisboa: Edição do Autor.

___ (1984). 100 anos de teatro português (1880-1980). Porto: Brasília Editora.

___ (1986). “Um teatro de dor e de sonho”, in Raul Brandão, Teatro. Obras Completas de Raul Brandão. Lisboa: Editorial Comunicação.

___ (2000). Memórias, Tomo III. Lisboa: Relógio D’Água.

SERÔDIO, Maria Helena (2004). “Dramaturgia”, in AA.VV., Literatura portuguesa do século XX. Colecção Cadernos Camões, pp. 95-141. Lisboa: Instituto Camões.

SIMÕES, João Gaspar (1985). Crítica VI. O teatro contemporâneo (1942-1982), Colecção Temas Portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

VIÇOSO, Vítor (1999). A máscara e o sonho. Vozes, imagens e símbolos na ficção de Raul Brandão. Lisboa: Edições Cosmos.

 

Consultar a ficha de pessoa na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Pessoa&ObjId=267

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Sebastiana Fadda/Centro de Estudos de Teatro