A Promessa
(1957)
A promessa, peça em três atos e três quadros da autoria de Bernardo Santareno, retrata a tensão no seio de um jovem casal decorrente de uma promessa religiosa de castidade, refletindo-se essa tensão também no círculo da família e amigos.
Desenho de Octávio Clérigo para o cenário de A promessa, de Bernardo Santareno, enc. Paulo Renato, Empresa Vasco Morgado, 1967. |
Publicada pela primeira vez em 1957, numa edição de autor, juntamente com dois outros textos de teatro, esta peça explora a influência de um catolicismo fervoroso numa comunidade piscatória portuguesa de meados do século XX, num jogo de forças entre o poder da fé, os impulsos da natureza e os instintos humanos, trazendo à luz temáticas sensíveis como a frustração sexual. Levada à cena pelo Teatro Experimental do Porto em 1957, a peça foi rapidamente retirada de cena, por força da censura, só voltando a ser autorizada a sua subida aos palcos dez anos depois.
A escrita de Santareno enquadra-se numa nova forma de escrita – em termos de temas e de linguagem – que acompanhou o movimento de grupos de teatro experimental que começou a surgir em Portugal nos anos 40 (como o Teatro-Estúdio do Salitre e a Casa da Comédia), e onde se integrou o Teatro Experimental do Porto já nos anos cinquenta. O autor aborda problemáticas sociais como é o caso aqui da superstição religiosa que é contestada à luz da racionalidade e da própria natureza humana.
Maria do Mar, após um ano de casamento com José, arrepende-se do voto de castidade que ambos fizeram para que Salvador, pai de José, sobrevivesse a uma tempestade. A sobrevivência deste leva José a dedicar-se inteiramente à religião, “pagando” a sua promessa não só com a castidade, mas também com uma especial devoção a Deus. Maria do Mar ressente-se do cumprimento cego desta promessa, embora a força da superstição ainda a atemorize. A chegada de um estranho, de seu nome Labareda, desperta a sensualidade reprimida de Maria do Mar, enquanto o orgulho ferido e o ciúme despertam os instintos violentos de José, determinando um desfecho trágico em que é o próprio peso da superstição e do fervor religioso que, em última análise, despoletam a força dos impulsos humanos. Tudo isto é pressentido por Jesus, irmão mais novo de José, que concretiza o motivo clássico da clarividência do cego, apercebendo-se das tensões dos que o rodeiam, apesar da quase infantilidade ingénua da sua natureza, dos seus afetos e da sua moral.
O maniqueísmo tradicional é aqui substituído pela visão neo-realista, ilustrada por uma caracterização sociológica e cultural da realidade representada e pela presença de elementos simbólicos patentes sobretudo nos nomes atribuídos às quatro personagens principais: Maria do Mar, José, Labareda e Jesus. O lirismo e tragicidade da peça lembram o universo dramático de Federico Garcia Lorca, com o qual o autor foi muitas vezes comparado.
Santareno recorre – também aqui - a uma linguagem popular e coloquial que capta a essência da cultura de determinado grupo para concretizar o seu modelo de escrita, elegendo “uma personagem e um quadro históricos para constituírem a substância da sua parábola dramática” (REBELLO 1987: 388).
Edições do texto
1957 - A promessa, in Teatro (Ed. de autor, com O bailarino e A excomungada).
1959 - A promessa.2.ª ed. Lisboa: Ática.
1966 - A promessa.3.ª ed. Lisboa: Ática.
1974 - A promessa.4.ª e 5.ª ed. Lisboa: Círculo e Leitores.
1984 - A promessa, in Obras completas de Bernardo Santareno (Org., posfácio e notas de L. F. Rebello), 1.º volume. Lisboa: Editorial Caminho.
Bibliografia crítica
AA. VV. (1965). O papel do teatro na sociedade contemporânea. Lisboa: Prelo.
CIRURGIÃO, Bernardo (1982).“Simbolismo e premonição em A promessa de Bernardo Santareno” in Revista Colóquio/Letras, nº 66, março 1982. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. pp. 48-54.
REBELLO, Luiz Francisco (1987). “Posfácio” in: SANTARENO, Bernardo. Obras Completas, vol. IV. Lisboa: Caminho. pp. 383-396.
___ (1994). “Apresentação do teatro de Santareno”, in Fragmentos de uma dramaturgia. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 249-260.
___ (2000). Breve história do teatro português. 5ª ed. Mem Martins: Publicações Europa-América.
SERÔDIO, Maria Helena (2004). “Dramaturgia”, in AA.VV., Literatura portuguesa do século XX. Lisboa: Instituto Camões, Colecção Cadernos Camões, pp. 95-141.
Consultar a ficha de texto na CETbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Texto&ObjId=1457
Consultar imagens no OPSIS:
Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro