Matemático por acaso

 

Francisco Gomes Teixeira, foi o matemático português que, com Pedro Nunes, obteve maior projecção internacional

Francisco Gomes Teixeira nasceu em 1851, na aldeia de S. Cosmado, no distrito de Viseu. Aprendeu as primeiras letras com o professor oficial da localidade e seguiu depois para Lamego, onde viveu em casa de um primo médico, a fim de completar os estudos secundários. O pai desejava que se formasse em Teologia e em Direito, pelo que se preparou para as duas carreiras. O primo, contudo, notando as excepcionais aptidões do jovem, aconselhou-o a formar-se em matemática. O pai não se opôs e perguntou-lhe qual das carreiras escolhia, ao que Francisco Gomes Teixeira respondeu ser-lhe indiferente uma ou outra, seguindo pois aquela que o seu pai quisesse. «Nesse caso tire-se à sorte», disse-lhe o pai. E a sorte, naturalmente uma moeda atirada ao ar, destinou o jovem à matemática.

Cursar Matemática foi uma questão de sorte. Mas a aptidão estava lá: no segundo ano lectivo escrevia um primeiro trabalho científico original; e a licenciatura viria a saldar-se com a nota máxima, 20 valores

A sorte mostrou-se boa conselheira. Gomes Teixeira matriculou-se na Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra e revelou rapidamente os seus dotes excepcionais. Logo no primeiro ano de estudo conquistou um prémio de mérito, um «partido», raramente atribuído a estudantes do primeiro ano. Nos anos seguintes veio a conquistar prémios semelhantes, espantando todos os professores pela rapidez e profundidade com que assimilava as matérias.

 

No segundo ano lectivo, em 1871, escreveu um primeiro trabalho científico original: «Desenvolvimento das funções em fracção contínua». O trabalho foi publicado pela imprensa da Universidade e circulou no meio académico, vindo a merecer a atenção de Daniel Augusto da Silva (1814-78), professor das Academias de Marinha e o maior matemático português da época.

 

Entre Daniel da Silva e o jovem Gomes Teixeira viria a desenvolver-se uma intensa troca de correspondência, tendo o velho mestre aconselhado e incentivado sempre o futuro matemático. Seria Daniel da Silva quem mais tarde apresentaria à Academia de Ciências um desenvolvimento do primeiro trabalho de Gomes Teixeira, agora sob o título «Aplicação das fracções contínuas à determinação das raízes das equações».

 

Em 1874, com 23 anos de idade, o jovem Gomes Teixeira completava o curso com «Muito Bom por unanimidade, com 20 valores», classificação que nunca na Faculdade de Matemática havia sido concedida. No ano seguinte, apresentava a sua dissertação de licenciatura, como era requerido na época. Dezoito dias mais tarde, defendia o seu doutoramento, sendo de novo aprovado com a mais alta classificação. Com 24 anos de idade, Gomes Teixeira obtinha no mesmo ano a licenciatura e o doutoramento. Pouco depois, seria eleito sócio correspondente da Academia de Ciências. Aos 25 anos, tinha alcançado um estatuto académico habitualmente reservado a professores com longos anos de actividade.

 

A sua carreira profissional seria igualmente fulgurante. Começou a leccionar na Universidade de Coimbra, teve uma breve passagem pelo Observatório Astronómico de Lisboa e foi promovido a catedrático em 1880, com 29 anos recém-feitos. Quatro anos depois, obteve transferência para a Academia Politécnica do Porto, onde seria nomeado director. Exerceu o cargo até 1911, data em que foi nomeado reitor da então criada Universidade do Porto.

 

Mais impressionante ainda do que a sua carreira académica, foi a sua actividade científica. Cortando com um pecado original, infelizmente ainda hoje muito frequente no nosso país, Gomes Teixeira doutorou-se muito cedo e recusou encarar esse passo como o término de uma carreira. Logo após o doutoramento e a consagração académica, e mesmo antes, o jovem matemático desenvolveu uma actividade de investigação muito intensa, integrando-se na comunidade matemática internacional, trazendo contribuições originais ao edifício da sua disciplina e publicando os seus trabalhos nas revistas mais lidas e consideradas no mundo inteiro.

 

Daniel da Silva, o mentor de Gomes Teixeira, e os seus antecessores José Anastácio da Cunha (1744–1787) e Monteiro da Rocha (1734–1819), não tiveram o reconhecimento internacional que mereciam — facto em larga medida explicado pelo seu isolamento e uso exclusivo do português, língua pouco lida nos meios científicos internacionais. Gomes Teixeira teve certamente presente a amargura Daniel da Silva, que alcançara alguns resultados originais importantes que viriam a ser ignorados na comunidade científica e só por esta conhecidos quando outros matemáticos os publicaram. Numa carta repetidamente citada por Gomes Teixeira, afirmava Daniel da Silva: «a minha memória [de 1850], que tem muitíssimas coisas, além do que lembrou a Moebius, inclusive a correcção de um erro dele, em cuja rectificação muito se gloria Darboux, jaz ignorada, há quase vinte e cinco anos, nas bibliotecas de quase todas as Academias do mundo. O que aproveita escrever em português!»

Além de se integrar nos meios científicos internacionais, graças á publicação dos seus resultados matemáticos nas revistas científicas mais lidas no mundo, Gomes Teixeira dinamizou a actividade editorial portuguesa com o «Jornal de Sciências Matemáticas e Astronómicas», que fundou. Durante os 28 anos da sua existência, até que foi integrado nos Anais Scientíficos da Academia Politécnica do Pôrto, essa revista científica incluiu comentários e artigos dos matemáticos mais importantes da época. Foi uma publicação que colocou o nosso país no mapa das matemáticas europeias.

 

No campo pedagógico, Gomes Teixeira destacou-se pela redacção de um Curso de Análise Infinitesimal que actualizou o ensino da matemática no nosso país, elevando-o ao novo nível de rigor que a matemática dos fins do século XIX tinha introduzido. Mas o seu trabalho de síntese mais conhecido internacionalmente, é o Tratado de Curvas Especiais Notáveis, tanto Planas como Torsas, com que ganhou em 1897 um importante prémio da Academia Real de Ciências espanhola. Trata-se de uma exposição muito completa de curvas notáveis, acompanhada da descrição das equações que as descrevem, das suas propriedades geométricas e de notas históricas. Tão importante e influente foi esse volumoso trabalho que ainda em 1971 seria reeditado em Nova Iorque e em 1995 em Paris.

 

Nos últimos anos da sua vida, Francisco Gomes Teixeira dedicou-se à literatura e a estudos históricos, sendo da sua autoria a História das Matemáticas em Portugal, editada em 1934 pela Academia de Ciências de Lisboa. É uma obra póstuma, pois o maior matemático português do dobrar do século faleceria em 8 de Fevereiro de 1933, no Porto.

 

Nuno Crato


© Instituto Camões 2003