Manuel Said Ali Ida
(Petrópolis, 21-10-1861 - Rio de Janeiro, 27-05-1953)

Retrato de Said Ali [M. Said Ali, Dificuldades da Língua Portuguêsa. Estudos e observações, 5.ª ed., com um prefácio do Prof. Serafim da Silva Neto; estabelecimento do texto, revisão, notas e índices pelo Prof. Maximiano de Carvalho e Silva, Rio de Janeiro, Livraria Acadêmica, 1957, p. VI]

Abominava que o biografassem. «Todos os amigos do Mestre pudemos observar a aversão que sentia do ingrato gênero que leva não poucos erros e falsidades aos pôsteros. [...] O Mestre não tinha mêdo de ser mal biografado; o de que não gostava era ver sua vida esquadrinhada e posta à luz, à curiosidade de todos. [...] As perguntas que lhe fiz sôbre sua vida e suas obras só tinham pronta resposta quando eu lhe prometia não escrever a respeito delas. [...] E, nos momentos em que desconfiava da curiosidade humana, concluía suas respostas: || - Se você, quando eu morrer, me fizer a biografia, de pirraça não vou lê-la!» (Evanildo Bechara, pp. 10-11). Cumpriremos o capricho, brevissimamente lhe traçando o longo percurso de vida.

A mãe; Catarina Schiffler, era alemã; o pai, que perdeu aos dois anos, tinha ascendência, que o nome Said Ali Ida ecoava, turca. Manuel estudou na cidade natal, até se transferir para o Rio com cerca de 14 anos, trabalhando então na livraria Laemmert. Foi professor, de Alemão, da Escola Militar e do futuro Colégio Pedro II, onde teve como aluno o poeta Manuel Bandeira, «medíocre aluno de uma turma cujos ases eram Sousa da Silveira, Antenor Nascentes, Artur Moses e Lopes da Costa» (Bandeira, p. 9); leccionou também Francês, Inglês, Geografia. Além da linguística, da literatura e do ensino, também lhe interessavam as ciências naturais («Na sua residência da Estrada da Saudade, em Petrópolis, cultivava a Botânica e estudava a vida das formigas, de que contava experiências curiosas. Ultimamente, desejava reunir materiais sôbre a inteligência dos animais, pois o verbête da Enciclopédia Britânica lhe não agradava») e tinha ainda «raros dotes de excelente pianista e a família guarda um álbum de desenhos onde se notam reais aptidões, na arte, do chorado Mestre» (Bechara, p. 13). Íntimo amigo de Capristano de Abreu, historiador e linguista beneficaram da mútua influência (Carvalho e Silva, pp. 49-50). Em 1944 ficou viúvo de Gertrudes Gierling, senhora alemã com quem casara no começo do século.

Pode dizer-se que Said Ali foi o melhor sintaticista de português da sua geração, que não é a nem a de Epifânio nem a de Bechara, ainda que ambas tenham intersectado as margens dos seus 91 anos. Na 2.ª edição das Dificuldades, 1919, Ali lastima não ter podido aproveitar, por estar o volume já em impressão, algumas «valiosas conclusões» bem como «pontos em que me vejo forçado a dissentir» da póstuma mas recente Syntaxe Historica de Epifânio Dias. O próprio Evanildo Bechara conta como, com quinze anos, deu um dos passos mais felizes da sua vida: «apresentei-me ao Mestre na condição de obscuro discípulo e pedi-lhe a orientação. Lembro-me como se fôra hoje! Encontrei-o muito doente e combalido pelo último golpe rude que a vida lhe desfechara: a perda de sua espôsa. Encontrei-o a dilacerar inúmeras fichas do seu preciosíssimo fichário» (Bechara, p. 10). «Dos neogramáticos [Said Ali] não tirou, ao contrário de Leite de Vasconcellos, a orientação histórico-evolutiva, mas as bases doutrinárias para encetar uma sistematização nova dos factos gramaticais portugueses. A sua fisionomia filológica é a do que hoje chamaríamos um "estruturalista"» (Câmara Jr., p. 186) «É o carácter interpretativo que distingue a sintaxe de Said Ali e a extrema da dos seus contemporâneos. Melhor falando, êle é um esteticista, um intérprete de estilos, mais interessado em surpreender estados dalma do que em formular regrinhas tão fúteis quão insustentáveis à luz do raciocínio» (Neto, p. IX).

Capa da Gramática Histórica da Língua Portuguêsa, 6.ª ed., estabelecimento do texto, revisão, notas e índices pelo Prof. Maximiano de Carvalho e Silva. São Paulo, Melhoramentos, 1966

A bibliografia de Manuel Said Ali pode repartir-se por:

1) Adaptações de manuais para ensino de línguas estrangeiras e trabalhos sobre ensino: Primeiras noções de gramática francesa de Carlos Ploetz, 1893;  Nova gramática alemã, 1894; Nova Seleta Francesa de Carlos Kühn, 1898; The English Student de Emílio Hausknecht, 1898; Curso Prático da Língua Francesa de Ph. Rossmann e F. Schmidt, 1899; «Metodologia e ensino» (Revista do Pedagogium), 1896.

2) Estudos prévios em edições, todas da casa Laemmert: Obras completas de Casimiro de Abreu, 1895; Poesias de Gonçalves Dias, 1896; Obras completas de Castro Alves, 1898. Note-se que Ali não foi o responsável pela fixação do texto, que aliás não merece confiança (Carvalho e Silva, p. 56).

3) Obras de linguística geral, versificação, sintaxe (incluindo sínteses para o ensino): «Estudos de lingüística» (Revista Brasileira), 1895; «Prosa e Verso» (Novidades), 1887; Versificação portuguêsa, 1948; Acentuação e versificação latinas, 1957; Gramática Elementar da Língua Portuguêsa, 1923; Gramática Secundária da Língua Portuguêsa, 1923, «a obra didáctica mais dentro da perspectiva sincrónica que apareceu no Brasil» (Bechara, 10); Gramática Histórica [da Língua Portuguêsa], 1931 (que reúne Lexeologia do Português Histórico, 1921, e Formação de Palavras e Sintaxe do Português Histórico, 1923; e que, conforme escreve Joaquim Mattoso Câmara Jr., «não é o que por esse nome entendiam os seus contemporâneos [...] um estudo da cadeia de mudanças, a partir do latim vulgar», mas, no fundo, «uma gramática expositiva, complementada por um cotejo com as antigas fases da língua»- p. 187; segundo Ana Maria Martins, «o carácter inovador da gramática de Said Ali manifesta-se ainda em outros aspectos. No que diz respeito ao peso relativo das diferentes disciplinas represntadas na gramática, a morfologia flexional mantém uma posição de destaque mas a par dela a preferência do autor vai para a sintaxe e não para a fonética/fonologia [...]. Do ponto de vista cronológico, o foco de interesse é deslocado das mudanças ocorridas entre o latim e o português para as mudanças ocorridas dentro do português. [...] Said Ali dá grande atenção ao português clássico e pós clássico, contrariamente aos  restantes gramáticos, que se ocupam particularmente, dentro do português, do período medieval» - pp. 64-65), Dificuldades da Lingua Portuguêsa, 1908, 2.ª ed., 1919; 5.ª ed., 1957, «uma coletânea de estimulantes artigos sobre questões de doutrina gramatical» (Câmara Jr, p. 187); Meios de Expressão e Alterações Semânticas, 1930, 2.ª ed., 1951. Em Investigações filológicas, 1975, 2.ª ed., 1976, Evanildo Bechara reuniu dispersos mais importantes de Said Ali.

Sobre Said Ali usámos: Maximiano de Carvalho e Silva, «Fontes para o Estudo da Vida e Obra de Manuel Said Ali», Confluência. Revista do Instituto de Língua Portuguesa, 5, 1.º semestre de 1993, Rio de Janeiro, pp. 48-59; Evanildo Bechara, «M. Said Ali» [Extraído de Primeiros Ensaios sôbre Língua Portuguêsa, Rio de Janeiro, 1954, pp. 165-175], M. Said Ali, Gramática Secundária da Língua Portuguêsa, 8.ª edição revista e comentada de acôrdo com a Nomenclatura Gramatical Brasileira pelo Prof. Evanildo Bechara, São Paulo, Melhoramentos, 1969, pp. 10-13; Evanildo Bechara, A contribuição de M. Said Ali à Lingüística Portuguêsa, Instituto Cultural Brasileiro-Árabe, Porto Alegre, 1970; Joaquim Mattoso Câmara Jr., «Said Ali e a língua portuguesa», Dispersos, Rio de Janeiro, Editora da Fundação Gelúlio Vargas, 1975, p. 185-189; Manuel Bandeira, «Prefácio», M. Said Ali, Versificação Portuguesa, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1999, pp. 9-13; Miscelânea de estudos em honra de Manuel Said Ali, 1938; Manuel Paiva Boléo, «ALI (Manuel Said)», VERBO. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 1, Lisboa, Verbo, 1963, c. 1248; Serafim da Silva Neto, «Manuel Said Ali», Revista Brasileira de Filologia, 1, tomo 1, 1955, pp. 109-112; Serafim da Silva Neto, «Prefácio do Prof. ...», M. Said Ali, Dificuldades da Língua Portuguêsa. Estudos e Observações, 5.ª ed., Rio de Janeiro, Livraria Acadêmica, 1957, p. IX-X; Ana Maria Martins, «Gramáticas Históricas do Português», Inês Duarte & Matilde Miguel, Actas do XI encontro nacional da Associação Portuguesa de Linguística, 3 (Gramática e varia), Lisboa, Colibri, 1996, pp. 53-71, pp. 63-65.