Abel Salazar, por Maria Luísa Garcia Fernandes
Abel Salazar
Abel de Lima Salazar nasceu em Guimarães a 19 de julho de 1889 e faleceu em Lisboa a 29 de dezembro de 1946.Filho mais velho de Adolfo Barroso Pereira Salazar e Adelaide da Luz Silva Lima Salazar. Seu pai foi, em Guimarães, secretário e bibliotecário da Sociedade Martins Sarmento, professor de francês na Escola Industrial Francisco da Holanda e escrevia para a “Revista de Guimarães". A eliminação da disciplina de francês dos currículos escolares em Guimarães parece ter sido a causa principal da sua vinda para o Porto.Abel Salazar completa naquela cidade, a escola primária e parte do liceu até 1903, altura em que ingressa no Liceu Central do Porto, em S. Bento da Vitória onde conclui a 7ª classe de ciências. Aqui, com um pequeno grupo de companheiros publica um jornal escolar republicano (o Arquivo) refletindo já quer o interesse pelos novos ideais políticos quer as suas precoces aptidões para a arte, através de caricaturas de estudantes e professores.Em 1909 ingressa na Escola Médico-Cirúrgica do Porto e em 1915 concluiu o seu curso de Medicina e apresenta a tese inaugural “Ensaio de Psicologia Filosófica” classificada com 20 valores.
Logo no começo da carreira se preocupou com a indagação do significado psicológico e filosófico do seu trabalho. Se o trabalho de 1915, se enquadrava nas preocupações da época, já o de “A Orientação Filosófica da Histologia Moderna ” de 1917, contrastava com o seco morfologismo e o monismo positivista tradicional dos seus colegas da especialidade (Barahona Fernandes).
Em 1918, com apenas 30 anos de idade, Abel Salazar é nomeado Professor Catedrático de Histologia e Embriologia. Nesse ano funda e dirige o Instituto de Histologia e Embriologia da Faculdade de Medicina do Porto, um modesto centro de estudos, onde apesar da falta de recursos financeiros, Abel Salazar consegue realizar uma série de notáveis trabalhos de investigação.
Parte de um friso de azulejos existente no Laboratório Médico Prof. Alberto de Aguiar, representando retratos de Mestres e Colegas do Prof. Alberto de Aguiar, todos Professores da Faculdade de Medicina do Porto, entre 1886 e 1919
A par de uma orientação pedagógica inovadora no contexto da época, entendendo a atividade docente como uma investigação coletiva e a si próprio como um companheiro de trabalho, privilegiando o confronto de ideias, dando liberdade aos alunos de aparecerem nas horas que mais lhes conviessem, lançando a ideia de os alunos designarem representantes para fazerem parte do júri de exames. Como investigador, empreende uma série de pesquisas tendentes a definir, a esclarecer a estrutura e evolução do ovário, criando o célebre método de coloração tano-férrico, de análise microscópica, que lhe abre caminhos no meio científico (Método Tano-férrico de Salazar).Entre 1919 e 1925 o seu trabalho torna-se internacionalmente conhecido e publicado em várias revistas científicas internacionais. Participa em numerosos congressos no estrangeiro. Fundou com Athias e Celestino da Costa, os Arquivos Portugueses de Ciências Biológicas, dos quais é um dos diretores.Em 1921, casa-se com Zélia de Barros de quem não teve filhos.Ao fim de 10 anos de trabalho profícuo em condições adversas como vem proclamando sistematicamente, Abel Salazar sofre um esgotamento e interrompe a sua atividade durante quatro anos para se tratar. De regresso à Faculdade em 1931, cheio de projetos, encontra o seu gabinete desmantelado.Em 1935, é afastado da sua cátedra e do seu laboratório, sem mesmo poder frequentar a biblioteca, nem ausentar-se do País (Portaria de 5 de junho) em que foram expulsos também outros professores universitários, como Aurélio Quintanilha, Manuel Rodrigues Lapa, Sílvio Lima e Norton de Matos, etc.No seu curriculum escreve: Além dos trabalhos científicos fiz na Universidade cursos sobre a Filosofia da Arte, conferências sobre a Filosofia, onde desenvolvi um sistema de Filosofia que acabo de constatar com satisfação ser bastante próximo da Escola de Viena. Foi o desenvolvimento deste sistema filosófico que, tendo desagradado à Ditadura e ao Catolicismo, foram a causa principal da minha revogação. Mas, como a ditadura não se podia basear nesta questão, ela torneou a questão, fazendo através da sua imprensa uma campanha de difamação, etc., após a qual me demitiu sem processo nem julgamento (…). Esclareço que nunca fui político, toda a minha vida me ocupei unicamente da actividade intelectual.Para Barahona Fernandes, psiquiatra e Reitor da Universidade Clássica de Lisboa, Abel Salazar “teve de passar a exercer o seu ensino, em especial cultural, fora da Faculdade, junto de pequenos grupos de discípulos e por meio de obras variadas, muitas delas dispersas em jornais mas com larga audiência do público.
Além do génio artístico, como modo mais espontâneo da expressão da sua personalidade, como foi privado da disciplina da investigação sistemática no campo da histologia, sua especialidade médica, restou-lhe o estudo ávido de muitos saberes, cuja “descoberta” pessoal o empolgava e o impelia irresistível e torrencialmente à sua discussão e difusão”. ibidem … “Abel Salazar, foi um excelente professor e notável investigador da Histologia de uma Faculdade de Medicina, com as qualidades e atitude de espírito que o teriam feito um excepcional e efectivo”universitário”, se as condições sociopolíticas e culturais da época o não tivessem impedido. Quando digo “universitário”, significo o docente que não se acantona à sua especialidade, dirige a sua curiosidade para outras áreas do saber, de modo “interdisciplinar”, sabe reflectir filosoficamente sobre as ciências e a cultura e pôr todas estas actividades ao serviço dos outros, da sociedade, do progresso do País”.Entraram ainda no domínio das suas preocupações humanas e intelectuais, problemas de ordem social e filosófica, política, estética e literária.Assim escreveu:1915 - Ensaio de Psicologia Filosófica, Porto, 1915, Edições da Faculdade de Medicina do Porto (Reeditado em 2001, Porto, Co-edição Casa-Museu Abel Salazar e Campo das Letras Editores SA)1917 - A orientação filosófica da histologia moderna, e seus vícios Portugal Médico, 3ª Série, vol. III, pp. 1 – 491931 – Notas de Filosofia da Arte, curso ministrado na Faculdade de Medicina do Porto (Editado em 2000, Porto, Co-edição Casa-Museu Abel Salazar e Campo das Letras Editores SA)1933 - A socialização da Ciência, separata do semanário académico “Liberdade, Lisboa, Editorial Liberdade1934 - A posição actual da Ciência, da Filosofia e da Religião, separata de “A Medicina Contemporânea”, nº 8 e 9 de 25 de Fevereiro e 4 de Março e “separata” nº 43 e 44 de 28 de Outubro e 4 de Novembro, Lisboa, Imprensa Médica1934 - Uma Primavera em Itália, Lisboa, Nunes de Carvalho Editor (Reeditado em 2003, Porto, Co-edição Casa-Museu Abel Salazar e Campo das Letras Editores SA)1934/35 - A Ciência e o mundo actual, vol.1, Porto, Imprensa Portuguesa1935 - Indivíduo e colectividade1935 - Digressões em Portugal, vol. 1, Porto, Imprensa Portuguesa1938 - Paris em 1934, Porto, Tipografia Civilização1939 - Recordações do Minho Arcaico, Porto, Tipografia Civilização (Reeditado em 2001, Porto, Co-edição Casa-Museu Abel Salazar e Campo das Letras Editores SA)1940 - O que é Arte? Coimbra, Arménio Amado Editor (Reeditado em 2003, Porto, Co-edição Casa-Museu Abel Salazar e Campo das Letras Editores SA)1942 - A crise da Europa, Lisboa, Edições Cosmos1944 - Um Estio na Alemanha, Coimbra, Editora Nobel1947 - Henrique Pousão, Porto, Livraria Tavares Martins
Colabora nos seguintes Jornais e Revistas: Afinidades, Democracia do Sul, Esfera, Foz do Guadiana, Gérmen, Ideia Livre, Liberdade, Medicina (Revista de Ciências Médicas e Humanismo), Notícias de Coimbra, O Diabo, O Distrito de Beja, O Primeiro de Janeiro, O Trabalho, Pensamento, Povo do Norte, Seara Nova, Síntese, Sol, Sol Nascente, Vida Contemporânea, Voz da Justiça.Publicou 113 trabalhos científicos nas áreas dos aparelhos de Golgi e Para Golgi, método tano-férrico, ovário, tecido conjuntivo, anatomia do cérebro, tecido celular, sangue, técnica de desenho microscópico e temas gerais.O afastamento da vida académica permite-lhe desenvolver em sua casa uma produção artística variada na temática e na expressão plástica: gravura, pintura mural, pintura a óleo de paisagens, retratos, ilustração da vida da mulher trabalhadora e da mulher parisiense, aguarelas, desenhos, caricaturas, escultura e cobres martelados.
Abel Salazar com Tomaz da Fonseca
Para Amândio Silva, Diretor artístico da Casa-Museu durante quase 50 anos, Abel Salazar como pintor foi sempre um intérprete de uma realidade social do seu tempo. As variadas técnicas que sofregamente o vemos experimentar são umas das facetas mais notáveis do seu temperamento de artista e da sua capacidade polivalente. Reconhecido como pintor e desenhador, ele ainda tem uma pujante e qualificada obra como caricaturista, gravador, escultor e martelador de cobres, aqui também caso único entre os artistas contemporâneos.Em 1938 e 1940, efetua em Lisboa e no Porto grandes exposições individuais que provocaram admiração generalizada.Em 1941, por sugestão do Prof. Mário de Figueiredo, então Ministro da Educação Nacional, o Instituto para a Alta Cultura cria um Centro de Estudos Microscópicos, na Faculdade de Farmácia, cuja direção é confiada a Abel Salazar. O Centro funciona sem condições materiais e financeiras, mas mesmo assim Abel Salazar continua a fazer investigação com a colaboração de Adelaide Estrada. Trabalha também, desde 1942, com o Instituto Português de Oncologia, a convite de Francisco Gentil, onde publicou vários trabalhos científicos no Arquivo de Patologia. Publica “Hematologia” em 1944.Segundo o Prof. Celestino da Costa, Abel Salazar foi um morfologista de raça e convencido da grandeza da morfologia nas ciências biológicas, ao seu serviço pôs todos os seus dotes, incluindo os artísticos. Criou uma técnica própria de desenho histológico, utilizando ousadamente o lápis, com o qual conseguiu as maravilhosas figuras dos seus trabalhos (Procédé rapide de dessin microscopique)“Homem Exemplar” segundo palavras do Prof. Alberto Saavedra, seu amigo íntimo e que entre outros lançou a iniciativa em 1946, pouco depois da morte de Abel Salazar, da criação da Fundação Abel Salazar e que permaneceu na sua direção até 1979.O Prof. Nuno Grande salienta o divulgador do saber em que “A visão ampla das diversas disciplinas que cultivou justifica a actualidade dos conceitos que formulou. De facto, profundamente analítico quando produzia qualquer das suas criações, rapidamente procurava encontrar sínteses integradoras dos aspectos parcelares da realidade que analisava. Várias manifestações desta atitude se encontram nos estudos filosóficos da arte e da ciência que nos legou e cuja leitura revela uma universalidade de pensamento que os torna actuais e de grande pertinência”A História da Casa-Museu Abel Salazar, situada em S. Mamede de Infesta, poderá dividir-se em três períodos, atendendo às três instituições que a dirigiram, desde a sua formação.O primeiro, de 1947 a 1965, foi o período em que uma plêiade de amigos e admiradores, após a morte de Abel Salazar, continuou a enaltecer e a divulgar a sua Obra, através, nomeadamente, da tentativa de constituição de uma "Fundação Abel Salazar", que depois de muitas vicissitudes se concretizou, em 1963, como "Sociedade Divulgadora Abel Salazar", ao fim de 17 anos de persistentes esforços.O segundo, de 1965 a 1976, altura em que a Casa-Museu foi adquirida pela Fundação Calouste Gulbenkian, embora tenha continuado na sua direção a Sociedade Divulgadora.O terceiro, de 1977 até à presente data, em que a Casa-Museu foi doada à Universidade do Porto, da qual era reitor o Prof. Ruy Luís Gomes, uma das primeiras figuras na luta pela constituição da Fundação.Em maio de 1979 é eleito o Prof. Ruy Luís Gomes para a Presidência da Sociedade, por falecimento do Prof. Alberto Saavedra. Sucede-lhe a Prof.ª Maria de Sousa e um ano depois o Prof. Nuno Grande.Presentemente é uma instituição de utilidade pública, sem fins lucrativos, dirigida pela Associação Divulgadora da Casa-Museu Abel Salazar (ADMAS), a que preside o Eng. Pedro Saavedra, filho do Prof. Alberto Saavedra, com estatutos publicados no Diário da República nº 17 – III, de 20/01/90.A missão desta consiste em promover a investigação, o estudo e a divulgação da obra científica literária, filosófica e artística de Abel Salazar.A Casa – Museu recria o ambiente onde o mestre viveu grande parte da sua vida constando do seu espólio, para além do mobiliário e objetos do seu quotidiano, diversos trabalhos de Abel Salazar, tais como desenhos (esboços, autorretratos, caricaturas, retratos, etc., em grafite, carvão, tinta da china, pena, aguada, sépia, crayon e técnica mista); aguarelas; óleos sobre madeira, cartão e tela; esculturas (bustos, estatuetas e medalhões em gesso, barro e bronze); cobres martelados, gravuras; trabalhos de investigação científica, manuscritos, epistolário, livros, jornais, revistas e testemunhos da sua colaboração na Imprensa.BibliografiaAbel Salazar - Retrato em Movimento, organização de Luísa Garcia Fernandes e direcção gráfica de Armando Alves, Campo das Letras, Porto, 1998“Curriculum vitae” do Prof. Abel SalazarEstrada, Adelaide – Recordações do Dr. Abel Salazar, Casa-Museu Abel SalazarSalazar, Dulce – Apontamentos biográficos de Abel SalazarGusmão, Adriano – A personalidade artística de Abel Salazar, Porto, Fundação Abel Salazar, 1948Nogueira, Jofre Amaral – O Pensamento de Abel Salazar (Antologia), Porto, Editorial Inova, 1972Cruz, Malpique – Perfil Humanístico de Abel Salazar, Porto, Civilização, 1977Silva, Amândio – Abel Salazar – Artista, edição da Universidade do Porto, Câmara Municipal de Matosinhos, Casa-Museu Abel Salazar, 1989Pomar, Júlio – Na Abertura da Exposição Póstuma de Abel Salazar, Edição da Casa-Museu Abel Salazar, 1989Cunha, Norberto Ferreira da – Génese e Evolução do Ideário de Abel Salazar, Temas portugueses, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1997, Grande Prémio da Literatura Biográfica, da Associação Portuguesa de Escritores/Câmara Municipal do Porto, 1996/1997
ApontadoresMuseu Virtual Abel Salazar (http://cmas.up.pt)Museu Virtual UP (http://www.up.pt)Casa-Museu Abel Salazar (htpp://www.geira.pt/cmabelsalazar)Abel Salazar em Vidas Lusófonas (http://www.vidaslusofonas.pt/abel_salazar.htm)
Adolfo Casais Monteiro, por Carlos Leone
Adolfo Victor Casais Monteiro nasceu no Porto em 1908 e morreu em São Paulo em 1972. Exilara-se em 1954 no Brasil (onde ensinou em várias universidades, com uma breve passagem pelos EUA perto do fim da vida) por motivos políticos, mas não apenas por esses (proibição de ensinar); na verdade, a opção pelo Brasil, deveu-se sobretudo a um desejo de liberdade, não só dos poderes de facto em Portugal mas também face aos meios da oposição portuguesa, que percebeu serem pouco apropriados a heterodoxos como ele (as afinidades entre as reflexões de Casais Monteiro e Eduardo Lourenço a este respeito merecem ser notadas).A sua juventude foi típica de um filho da burguesia portuense ilustrada e liberal, cedo revelando propensão artística. É ainda durante a sua licenciatura, na Faculdade de Letras do Porto, em Ciências Históricas e Filosóficas, num meio influenciado por Leonardo Coimbra, que se estreia nas Letras com os poemas de Confusão (1929). Embora nunca ostente a sua formação em Filosofia, ela será indelével em dois aspetos: o interesse pela conceptualização e pela Linguagem, e o norte orientador da liberdade (temática forte em Leonardo Coimbra). Nessa altura já participava na direção da segunda série de A Águia, com Sant'Ana Dionísio e Leonardo. Também nesses anos inicia a sua colaboração com a revista coimbrã Presença, em cuja direção se integra em 1931, formando o que se torna a direção «definitiva» da folha de arte e crítica até ao seu fim (já em Segunda Série, em 1940). A sua criação literária é já nestes anos dominada por dois géneros: a poesia e o ensaio. Poeticamente, fará a ponte, como muitos já notaram, entre o Modernismo da geração de 1915 (da qual recebe forte influência de Álvaro de Campos) e a poesia da segunda metade do século, que terá na sua Obra um raro interlocutor com a geração dos anos de 1930/40; criticamente, o seu trabalho surge pela primeira vez em livro em 1933 (Considerações Pessoais) e desenvolve-se em quantidade e, sobretudo, em qualidade, desde a sua partida para o Brasil, tornando-se num dos raros intelectuais com relevo na primeira metade do século XX português a efetuar com sucesso a transição de um meio não especializado (a Imprensa e o mundo editorial) para o sistema universitário, pouco especializado no Brasil de então mas no qual a sua atividade foi marcante.
~Deste primeiro lustro da década de 1930 data também o início relevante da sua atividade política, no movimento Renovação Democrática. Apesar de pouco estudada, esta atividade merece ser notada: ela radica-se na influência de Leonardo Coimbra junto de uma juventude com formação filosófica (sensível também em Delfim Santos, por exemplo) e, genericamente, pretende ««reavivar o campo liberal com um programa social-democrático», como escreve o historiador Rui Ramos no seu artigo sobre Leonardo no Suplemento ao Dicionário de História de Portugal (vol. 7, «A/E», p. 347; ed. Figueirinhas, Porto, 1999). Apesar de pouco aprofundada, esta referência é necessária por completar o conjunto de marcas de Leonardo sobre Casais, patentes também na reflexão sobre a liberdade e a precisão conceptual nos diversos usos da linguagem. Esta atividade antiditatorial aproximá-lo-á também, pelo menos em comparação com a imagem pública dos restantes diretores da Presença, dos meios politicamente influentes entre os jovens oposicionistas dessa altura, denominados neorrealistas para melhor escapar à perseguição oficial aos comunistas. Nunca o presencismo de Régio (e mesmo de Simões) foi o que dele disseram na Imprensa neorrealista mas, de facto, Casais era, até etariamente, o mais próximo desses meios. Contudo, como na altura todos perceberam e, mais tarde, já no Brasil, continuou a ser nítido, nunca foi comunista nem, sequer, marxista.
Depois de ter obtido qualificação pedagógica em Coimbra, começa a ensinar no Porto em 1934 (Liceu Rodrigues de Freitas). Casa-se com Alice Pereira Gomes, irmã de Soeiro Pereira Gomes, de quem só se separa um ano após partir para o Brasil, duas décadas mais tarde. No final da década de 1930 e na década seguinte foi demitido do ensino (1937) e preso sete vezes, vivendo uma vida profissional atribulada por motivos políticos, mantendo a sua atividade de poeta e crítico através de trabalhos de tradução e edição. Os anos da década de 1940 são particularmente férteis em termos poéticos: Sempre e sem Fim data de 1937, e na década seguinte, seguem-se-lhe Canto da nossa Agonia (1942), Noite Aberta aos Quatro Ventos (1943), Versos (1944, reunião dos três livros de poesia anteriores) e, com particular destaque, Europa (1946), longo poema lido por António Pedro aos microfones da BBC de Londres ainda durante a guerra (1945). Por fim, em 1949, outra coletânea poética, Simples Canções da Terra. Em 1945 publicara já Adolescentes, o seu único romance. E, sob anonimato, coordena o Mundo Literário, semanário literário. Não menos relevante é a sua ligação com Fernando Pessoa, que data dos dias em que dirigira Presença. Logo em 1942 organizara e prefaciara uma antologia poética de Pessoa, que conhecerá sucessivas reedições e influenciará sucessivas gerações de leitores. Essa atividade iniciada na crítica (e correspondência com o próprio Pessoa) na década de 1930 e prosseguida editorialmente na década seguinte, terá no início da década de 1950 expressão em Francês, traduzindo «Tabacaria» (com Pierre Hourcade). Grande parte do trabalho destas duas décadas encontra-se na reunião de ensaios O Romance e os Seus Problemas (1950; edição modificada no Brasil, mais tarde, como O Romance: Teoria e Crítica). É também sua a fixação do texto primitivo e versão em Português moderno da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (2 vols., Lisboa e Rio de Janeiro, 1952/3).Em 1954, ano em que parte para o Brasil para participar num congresso mas já com a intenção de aí ficar e enviar uma «carta de chamada» para a mulher e o filho (João Paulo Monteiro, que se lhe juntará em 1963), publica Voo sem Pássaro Dentro (poesia) e vê um antologia de poema seus surgir em castelhano (Adolfo Casais Monteiro). No Brasil mantém atividade poética (surgirá em 1969, como original nas Poesias Completas, O Estrangeiro Definitivo), além de continuar a organizar antologias, com destaque para A Poesia da Presença (1959, no Brasil, 1972, Portugal), recentemente reeditada em Portugal (2003). Contudo, é sobretudo à crítica e à teoria literária que se dedica. Colaborador habitual de órgãos de comunicação social influentes (O Globo, O Estado de São Paulo), publica regularmente crítica literária que incide equitativamente sobre autores brasileiros, portugueses e escritores de outras línguas. Tendo ensinado em várias universidades brasileiras, fixa-se em 1962 na Universidade de São Paulo (Araraquara), lecionando Teoria da Literatura, o que lhe permite elaborar aspetos conceptuais da crítica a que dava atenção desde a sua estreia ensaística em 1933.Manteve sempre em vista a atividade artística e literária em Portugal (onde nunca voltou), como as dedicatórias dos poemas dos últimos livros deixam perceber. Depois de décadas sem que a Censura permitisse, sequer, a publicação do seu nome, em 1969 a Portugália Editora lança o volume Poesias Completas, marcando a receção da sua Obra pela geração que fará o 25 de Abril. Antes disso, morreu, em 24 de julho de 1972.Será entre essa receção imediata (à falta de melhor termo) que outras obras surgiram, por iniciativa de seu filho e nora (Maria Beatriz Nizza da Silva), no imediato pós-revolução, como O país do absurdo (textos políticos, edição República, 1974) e A Poesia Portuguesa Contemporânea (Sá da Costa Editora, 1977). Progressivamente, as Obras Completas de Adolfo Casais Monteiro começam a ser (re)publicadas na Imprensa Nacional.
Bibliografia Activa:Adolfo Casais Monteiro, Obras Completas, edição em curso, INCM, Lisboa.Bibliografia Passiva:Gotlib, N. B., O Estrangeiro Definitivo, INCM, Lisboa, 1985.Lemos, F. e Moreira Leite, R., orgs., A Missão Portuguesa: Rotas Entrecruzadas, UNESP, São paulo, 2002.Martines, E., ed., Cartas entre Fernando Pessoa e os directores da presença, INCM, Lisboa, 1998.Sena, J. de, Régio, Casais, a Presença e outros afins, Brasília Ed., Porto, 1977.VV.AA., Revistas, Ideias e Doutrinas, Livros Horizonte, Lisboa, 2003.
Alexandre O'Neill, por Maria Antónia Oliveira
“Que quis eu da poesia? Que quis ela de mim? Não sei bem. Mas há uma palavra francesa com a qual posso perfeitamente exprimir o rompante mais presente em tudo o que escrevo: dégonfler. Em português, traduzi-la-ia por desimportantizar, ou em certos momentos, por aliviar, aliviar os outros, e a mim primeiro, da importância que julgamos ter. Só aliviados podemos tirar o ombro da ombreira e partir fraternalmente, ombro a ombro, para melhores dias, que o mesmo é dizer, para dias mais verdadeiros. É pouco como projecto? Em todo o caso, é o meu. O que vou deixando escrito, ora me desgosta, enjoa até, ora me encanta. Acontece certamente o mesmo aos outros poetas, tenham estatuto ou não. Mas comigo, talvez essa oscilação se dê com mais frequência. É que a invenção atroz a que se chama o dia-a-dia, este nosso dia-a-dia, espreita de perto tudo o que faço. É o preço que tenho pago para o esconjurar, pelo menos nas suas formas mais gordas e flácidas.”Estas palavras ditas pelo autor na abertura do disco gravado em 1972, que acompanhava a edição do livro de poemas Entre a Cortina e a Vidraça, definem bem a atitude literária de Alexandre O’Neill – um poeta a quem repugnavam palavras como carreira, ou poses de “empolamento” características do meio literário, “certa importanticidade sumamente ridícula” de muitos escritores. A postura de desdém irónico perante a instituição literária não é senão a outra face da moeda de uma escrita poética fundamentada na recusa de qualquer misticismo, transcendência ou hermetismo tradicional, todo ocupado no tricot das palavras ou no fazer “bonito”. As palavras são “animais doentes”: a consciência trágica do desgaste da linguagem, do peso que o tempo veio acumulando sobre as palavras, transforma-a O’Neill ironicamente em jogo – tudo é reconstruído, parodiado e reaproveitado: calão, idiotismos, entoações. A representação exemplar do peso histórico da linguagem é, sem dúvida, o lugar-comum – a sua fonte predileta de desconstrução. Neste sentido, é uma poesia do quotidiano, o que não equivale a dizer que é uma poesia realista strictu sensu. Talvez se lhe possa pôr o rótulo de realismo subversivo, um realismo transtornado por um olhar alucinado simultaneamente por Cesário Verde e pela breve mas fortíssima experiência surrealista.“Sou parecidíssimo com a minha poesia. Mesmo no dia-a-dia, no próprio trabalho. Entre a minha expressão coloquial e a minha expressão poética não há distância. A diferença será de intensidade, ou ao que se pode chamar intensidade.” O que O’Neill não revela, nesta entrevista ao jornal A Capital (2/5/1968), é qual das duas considera mais intensa: se a poesia, se a vida.A sua vida, escreveu ele em 1983 (A Capital), “lisa, aplastada, chata como tem transcorrido, só pode ser inventada. E, seguramente, foi assim que eu passei a vida: a inventá-la.” Como era seu costume e gosto, desconversava. A vida de Alexandre O’Neill, se não profusa em bizarrias ou reviravoltas extravagantes, não foi lisa e chata quando a olhamos de fora. Utilizando uma figura de estilo que parece corresponder à sua forma mental, o oximoro – atentem-se em vários títulos da sua obra poética –, foi uma espécie de vidinha muitíssimo intensa, de tal forma que acabou cedo: aos sessenta e um anos, Alexandre O’Neill morreu na sequência de um acidente vascular cerebral. “Fiz do corpo alavanca sem pensar no futuro”, admitiu cerca de um ano antes de morrer.Assinava O’Neill, o apelido que já seu pai usara, herdado de um antepassado irlandês fugido para Lisboa na década de 40 do século XVIII. O nome completo era Alexandre Manuel Vahia de Castro O’Neill de Bulhões. Nasceu em Lisboa, a 19 de dezembro de 1924.Da infância, conservou Alexandre breves recordações: um menino triste e fechado, a espreitar a Rua da Alegria dum quarto andar; as visitas breves e marcantes da avó Maria O’Neill, escritora, sufragista, feminista, vegetariana e dedicada à causa espírita. Nas férias, a família mudava-se para Amarante, terra natal da mãe, Maria da Glória, onde o jovem Alexandre conheceu Teixeira de Pascoaes.Na adolescência começou a ler: além da avó escritora, a família era tradicionalmente bibliófila. O pai tinha uma vasta biblioteca – antes de enveredar pela profissão de bancário, José António O’Neill frequentara o curso de Belas Artes. Ainda estudante do Liceu, Alexandre iniciou-se na escrita. Em 1942, com dezassete anos, publicou os primeiros versos num jornal de Amarante, o Flor do Tâmega. Esta atividade não foi grandemente incentivada pela família. Apesar de ter recebido prémios literários no Colégio Valsassina, no final da adolescência Alexandre falhava nos estudos. Acabou por abandonar o Curso Geral dos Liceus: queria dedicar-se à vida marítima. Fez exames para a Escola Náutica, mas não prosseguiu estudos que, de resto, lhe eram impossibilitados pela miopia.Em 1946, tornou-se escriturário, na Caixa de Previdência dos Profissionais do Comércio. Permaneceu neste emprego até 1952. Na verdade, apesar de nunca ter sido um escritor profissional, viveu sempre da sua escrita ou de trabalhos relacionados com livros – viria a ser copy de publicidade, cronista de jornal, encarregado de uma Biblioteca Itinerante da Gulbenkian, tradutor e assessor literário.Data de 1947 o seu ardente envolvimento com o Surrealismo. Depois de um verão de ativas experiências e leituras, o Grupo Surrealista de Lisboa nasce de um encontro na pastelaria Mexicana, em outubro. Será constituído por Alexandre O’Neill, António Domingues, Fernando Azevedo, Vespeira, José-Augusto França, Mário Cesariny, Moniz Pereira e António Pedro.Entre a casa deste último e o atelier na Avenida da Liberdade de que o Grupo dispunha decorrerão as atividades e reuniões durante o ano de 1948. As posições anti-neorrealistas eram frontais e provocatórias, tal como as atitudes contra o regime: em abril, o Grupo Surrealista de Lisboa retira a sua colaboração da III Exposição Geral de Artes Plásticas, por recusar a censura prévia que a comissão organizadora decidira aceitar.Em janeiro de 1949 realiza-se a Exposição do Grupo Surrealista de Lisboa, do qual, entretanto já se tinham afastado Mário Cesariny e António Domingues. O'Neill expôs O Sr. e a Srª Mills em 1894, Instrução Primária, De Terça a Domingo, Looping-the-loop e A Linguagem. Na mesma altura, sai nos Cadernos Surrealistas o primeiro livro de Alexandre O'Neill, A Ampola Miraculosa, com o subtítulo “romance”.Acompanhando o seu progressivo afastamento do Grupo Surrealista de Lisboa, o poeta publica em 1951 Tempo de Fantasmas, em cujo prefácio se demarca claramente do Surrealismo. Neste primeiro livro de poesia inclui o poema que o tornou célebre, “Um Adeus Português”, originado num episódio biográfico que o próprio viria a contar, muitos anos mais tarde. No início de 1950, estivera em Lisboa Nora Mitrani, enviada do Surrealismo francês para fazer uma conferência. Conheceu O’Neill e apaixonaram-se. Meses mais tarde, querendo juntar-se-lhe em Paris, O’Neill foi chamado à PIDE e interrogado. Por pressão de uma pessoa da família, foi-lhe negado o passaporte. Coagido a ficar em Portugal, não voltaria a ver Nora Mitrani.Não foi, de resto, a única vez que Alexandre O’Neill foi confrontado com a polícia política. Em 1953, esteve preso vinte e um dias no Estabelecimento Prisional de Caxias, por ter ido esperar Maria Lamas, regressada do Congresso Mundial da Paz em Viena. A partir desta data, passou a ser vigiado pela PIDE. No entanto, sendo um oposicionista, não militou em nenhum partido político, nem durante o Estado Novo, nem a seguir ao 25 de Abril – conhece-se-lhe uma breve ligação ao MUD juvenil, na altura em que abandona o Grupo Surrealista de Lisboa. A partir desta época, O’Neill foi-se distanciando de grupos ou tertúlias, demasiado irónico e cioso do seu individualismo para se envolver seriamente em qualquer militância partidária. O seu empenho era sobretudo cultural: apreciou o trabalho nas Bibliotecas Itinerantes porque ia “distribuir livros ao povo”; gostava de traduzir poetas nas suas crónicas jornalísticas, para os mostrar ao público em geral.De facto, a partir de 1957, começou a escrever para os jornais, primeiro esporadicamente, depois, nas décadas seguintes, assinando colunas regulares no Diário de Lisboa, n’ A Capital e, nos anos 80, no JL, escrevendo indiferentemente prosa e poesia, que reeditava mais tarde em livro, à maneira dos folhetinistas do século XIX. Fez ainda parte da redação da revista Almanaque (1959-61), publicação arrojada com grafismo de Sebastião Rodrigues onde colaboravam, entre outros, José Cardoso Pires, Luís de Sttau Monteiro, Augusto Abelaira e João Abel Manta.Mas foi em 1958, com a edição de No Reino da Dinamarca, que Alexandre O’Neill se viu reconhecido como poeta. Tinha entretanto abandonado definitivamente a casa dos pais, casando com Noémia Delgado, de quem teve um filho em 1959, Alexandre. Nesta época, instalou-se no Príncipe Real, bairro lisboeta onde haveria de decorrer grande parte da sua vida, e que levaria para a sua escrita. Neste bairro, encontraria Pamela Ineichen, com quem manteve uma relação amorosa durante a década de 60. Mais tarde, em 1971, casará com Teresa Gouveia, mãe do seu segundo filho, Afonso, nascido em 1976.Na década de 60, provavelmente a mais produtiva literariamente, foi publicando livros de poesia, antologias de outros poetas e traduções. Iniciou-se como copy de publicidade, atividade que se tornaria definitivamente o seu ganha-pão. Ficaram famosos no meio alguns slogans publicitários da sua autoria, e um houve que se converteu em provérbio: “Há mar e mar, há ir e voltar”.Da sua atração por outros meios de comunicação, que não a palavra escrita, é testemunho a letra do fado Gaivota destinada à voz de Amália, com música de Alain Oulman, tal como a colaboração, nos anos 70, em programas televisivos (fora, aliás, crítico de televisão sob o pseudónimo de A. Jazente), ou em guiões de filmes e em peças de teatro.Mas a doença começava a atormentá-lo. Em 1976, sofre um ataque cardíaco, que o poeta admitiu dever-se à vida desregrada que sempre tinha sido a sua, e que, apesar de algum esforço em contrário, continuou a ser. No início dos anos 80, já divorciado de Teresa Gouveia, repartia o seu tempo entre a casa da Rua da Escola Politécnica e a vila de Constância, frequentemente com Laurinda Bom, sua companhia mais constante nos últimos anos. Em 1984, sofreu um acidente vascular cerebral, antecipatório daquele que, em abril de 1986, o levaria ao internamento prolongado no hospital. Morreu em Lisboa a 21 de agosto desse ano.
Maria Antónia Oliveira
\n
Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
BIBLIOGRAFIADO AUTOR:1949 – A Ampola Miraculosa, Lisboa, Cadernos Surrealistas.1951 – Tempo de Fantasmas, Cadernos de Poesia, nº11.1958 – No Reino da Dinamarca, Lisboa, Guimarães.1960 – Abandono Vigiado, Lisboa, Guimarães.1962 – Poemas com Endereço, Lisboa, Moraes.1965 – Feira Cabisbaixa, Lisboa, Ulisseia.1967 – No Reino da Dinamarca – Obra Poética (1951-1965), Lisboa, Guimarães.1969 – De Ombro na Ombreira, Lisboa, Dom Quixote.1970 – As Andorinhas não têm Restaurante, Lisboa, Dom Quixote.1972 – Entre a Cortina e a Vidraça, Lisboa, Estúdios Cor.1974 – No Reino da Dinamarca – Obra Poética (1951-1969), Lisboa, Guimarães.1979 – A Saca de Orelhas, Lisboa, Sá da Costa.1980 – Uma Coisa em Forma de Assim, Lisboa, Edic,; 2ª edição revista e aumentada, Lisboa, Presença, 1985; 3ª edição revista, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004.1981 – As Horas Já de Números Vestidas in Poesias Completas 1951-1981, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982.1983 – Dezanove Poemas in Poesias Completas (1951-1983), 2.ª edição, revista e aumentada, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1984.1986 – O Princípio de Utopia, O Princípio de Realidade seguidos de Ana Brites, Balada tão ao Gosto Popular Potuguês & Vários Outros Poemas, Lisboa, Moraes.2000 – Poesias Completas, com inclusão de dispersos, Lisboa, Assírio & Alvim.2005 – Anos 70. Poemas Dispersos, Lisboa, Assírio & Alvim.ANTOLOGIAS:1959 – Gomes Leal – Antologia Poética (em colaboração com F. da Cunha Leão), Lisboa, Guimarães.1962 – Teixeira de Pascoaes – Antologia Poética (em colaboração com F. da Cunha Leão), Lisboa, Guimarães.1962 – Carl Sandburg – Antologia Poética, Lisboa, Edições Tempo.1963 – João Cabral de Melo Neto – Poemas Escolhidos, Lisboa, Portugália.1969 – Vinicius de Moraes – O Poeta Apresenta o Poeta, Lisboa, D. Quixote.1977 – Poesía Portuguesa Contemporánea (em colaboração com a Secção de Literatura da Direcção Geral de Acção Cultural), edição bilingue, Lisboa, Secretaria de Estado da Cultura.TRADUÇÕES (seleccionadas):1950 – Nora Mitrani, “A Razão Ardente (Do Romantismo ao Surrealismo)”, Cadernos Surrealistas, Lisboa.1959 – Maiakovski, O Percevejo, Lisboa, Editorial Gleba.1960 – Dostoievski, O Jogador, Lisboa, Guimarães.1961-63 – Colaboração com Ilse Losa em Bertolt Brecht, Teatro I e II, Lisboa Portugália Editora.1962 – Alfred Jarry, Mestre Ubu, versão e adaptação de Alexandre O’Neill e Luís de Lima Lisboa, Minotauro.DISCOS:Alexandre O’Neill diz poemas da sua autoria – Col. «A Voz e o Texto», Discos Decca, PEP 1010.Os Bichos também são gente – (Poemas dedicados aos bichos e ditos pelo autor) – Col. «A Voz e o Texto», Discos Decca, PEP, 1278.Sobre Alexandre O’Neill:Cabrita, António, “A Arca de O'Neill”, Phala — Um Século de Poesia, Lisboa, Assírio, 1988.Cuadrado, Perfecto E., “‘Um Adeus Português’ como pretexto para una primera aproximación a la poesia de Alexandre O’Neill, A Palavra sobre a Palavra, Porto, Portucalense, 1972.Freitas, Manuel de, “Make it real”, Cadernos. Centro de Estudos do Surrealismo, nº 2 (número especial sobre Alexandre O’Neill), Vila Nova de Famalicão, Fundação Cupertino de Miranda, 2002.Martins, Fernando Cabral, “Esperar o Inesperado”, posfácio a Alexandre O’Neill, Anos 70. Poemas Dispersos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2005.Oliveira, Maria Antónia, A Tristeza Contentinha de Alexandre O’Neill, Lisboa, Caminho, 1992.Oliveira, Maria Antónia, Alexandre O’Neill. Uma Biografia Literária, Lisboa, Dom Quixote, 2007.Relâmpago nº 13 – Alexandre O’Neill, Outubro 2003.Rocha, Clara, Prefácio a O'Neill, Alexandre, Poesias Completas 1951-1981, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1982.
António José Saraiva, por Elisabeta Mariotto
História e Utopia - Estudos sobre Vieira, António José Saraiva, ICALP, 1992.
António José Saraiva nasceu a 31 de dezembro de 1917, em Leiria, onde viveu até os quinze anos. Licenciou-se em 1938 e obteve o doutoramento em Filologia Românica, em 1942, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Envolveu-se na oposição ao Salazarismo, chegando a ser militante do Partido Comunista Português. Por apresentar incompatibilidade com o sistema ideológico da época, foi impedido de exercer a atividade de docência no âmbito universitário. Foi professor do liceu em Viana do Castelo de 1946 a 1949, tendo depois sido demitido e preso, fruto ainda da sua oposição ao regime. Em 1960, exilou-se em França, onde foi investigador do Centre National de Recherche Scientifique de Paris, na secção de História Moderna. Posteriormente, partiu para Holanda, onde foi professor catedrático da Universidade de Amesterdão até 1974. Após a Revolução de Abril e o fim do regime Salazarista, voltou a Lisboa, assumindo o cargo de professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade de Lisboa, onde exerceria a atividade de docência até o fim da sua vida. Faleceu em Lisboa a 17 de março de 1993, deixando 24 obras de referência nos domínios da História da Literatura e da História da Cultura portuguesas. Tendo apresentado sempre uma postura contestatária, manifestou, nos seus livros, um olhar crítico sobre a sociedade contemporânea e, principalmente, sobre a cultura portuguesa, seu principal objeto de estudo.
António Saraiva procurou estudar a fundo a história de Portugal para poder compreender e caracterizar o perfil psicológico e cultural do povo português. Na sua obra A Cultura em Portugal – Teoria e História (1994), o autor analisou o sentimento de isolamento de Portugal perante a Europa e a influência deste sentimento na construção da identidade cultural portuguesa. Segundo Saraiva, Portugal sentir-se-ia isolado devido à sua posição geográfica, comprimido entre o mar e Espanha, o que levaria os portugueses a sentirem-se como ilhéus, incomunicáveis. Impossibilitados de se relacionar com os vizinhos e de comparar realidades humanas diferentes da sua, os portugueses teriam um desconhecimento dos limites da sua própria realidade. Apresentariam, assim, uma avaliação pouco realista das suas verdadeiras possibilidades, ora inferiorizando-se e refugiando-se numa auto ironia perfurante, ora aventurando-se e desafiando o mundo. De acordo com Saraiva, este facto também pode ser observado na mitificação que, em Portugal, geralmente se faz do estrangeiro, às vezes caracterizando-o como um lugar de delícias e outras vezes como um lugar de perdição.
A dualidade que se observa na perceção do estrangeiro e da própria identidade também se manifesta no sentimento tipicamente português chamado "saudade". Segundo Saraiva, a saudade é um tema que tem uma presença saliente e quase obsessiva na língua e na literatura portuguesas e que define um modo de pensar e de sentir tipicamente português. Trata-se de um apego aos sítios e às pessoas que ficaram distantes e que também estaria relacionado a uma necessidade de contemplação do passado, uma busca pela idade de ouro de Portugal.
Partindo dos estudos culturais, António José Saraiva também desenvolveu estudos sobre a língua portuguesa e, principalmente, sobre a história da literatura. Na sua obra Para a história da cultura em Portugal (1972), o autor afirmou que a história da literatura é apenas um degrau da história da cultura, não podendo ser compreendida sem a devida análise da cultura em que ela se insere. Da mesma forma, Saraiva considera que as línguas também se distinguem umas das outras como resultado de uma diferenciação cultural, numa tentativa de construir expressões que possam atribuir significado a realidades únicas e particulares.
Apesar de não ter-se especializado nos temas sobre a Idade Média, sempre interessado nos estudos culturais, Saraiva também escreveu algumas obras sobre a época medieval, como é o caso de Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval (1942), A Épica Medieval Portuguesa (1979), e O Crepúsculo da Idade Média em Portugal (1990).
António José Saraiva foi uma personalidade de extrema importância para a história da literatura e da cultura portuguesas. Com ele, a história literária deixou de ser unicamente descritiva para se tornar contextualizada e enquadrada em parâmetros de tempo e espaço concretos.
Bibliografia ativa
• Calafate, P. (2006). Portugal como problema – Século XX: Os dramas de alternativa. Lisboa : Fundação Luso-Americana.
• Saraiva, A. J. (1972). Para a história da cultura em Portugal. Lisboa : Europa-América.
• Saraiva, A. J. (1994). A Cultura em Portugal – Teoria e História. Lisboa: Gradiva.
Bibliografia passiva
• Saraiva, A. J. (1942). Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval. Lisboa.
• Saraiva, A. J. (1956). O Humanismo em Portugal. Lisboa: Europa-América.
• Saraiva, A. J. (1969). Inquisição e Cristãos-Novos. Lisboa : Estampa.
• Saraiva, A. J. (1970). Maio e a Crise da Civilização Burguesa. Lisboa: Europa-América.
• Saraiva, A. J. (1977). Herculano e o Liberalismo em Portugal. Amadora : Bertrand.
• Saraiva, A. J. (1979). A Épica Medieval Portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa.
• Saraiva, A. J. (1990). A Tertúlia Ocidental. Lisboa: Gradiva.
• Saraiva, A. J. (1990). O Crepúsculo da Idade Média em Portugal. Lisboa: Gradiva.
• Saraiva, A. J. (1996). O discurso Engenhoso. Lisboa: Gradiva.
• Lopes, O. & Saraiva, A. J. (2001) História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora.
Augusto José de Freitas Abelaira, por Agripina Carriço Vieira
Foto de 2000
Augusto José de Freitas Abelaira, nascido em 18 de março de 1926, em Ançã no concelho de Cantanhede, licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi professor, tradutor, jornalista, no Diário Popular, em O Século onde assina a partir de janeiro de 1974 a rubrica “Entrelinhas”, cronista em O Jornal com uma crónica intitulada “Escrever na água” (1978-92) e no Jornal de Letras onde assinou de 1981 a 1996 a crónica “Ao pé das letras”. Exerceu igualmente os cargos de diretor de programas da RTP (1977-78), de diretor das revistas Vida Mundial (1974-75) e Seara Nova (1968-69) e de presidente da Associação Portuguesa de Escritores (1978-79), mas é sobretudo como dramaturgo e romancista que é recordado.Estreou-se na escrita com a publicação, em 1959, do romance A Cidade das Flores, numa edição de autor, já que todas as editores contactadas recusaram publicá-lo. Cidadão empenhado e crítico, participou na luta contra o regime salazarista, integrando movimentos estudantis de oposição, foi detido – uma delas em 1965 por ter atribuído, na qualidade de presidente do júri, o Grande Prémio da Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores ao angolano José Luandino Vieira (então preso no Tarrafal) pelo seu Luuanda. Estas atividades levaram a que a Pide o tenha impedido de lecionar no ensino particular.Não sendo um escritor de grandes públicos (manteve-se sempre afastado dos eventos mediáticos), viu no entanto, por inúmeras ocasiões, a sua obra premiada: As Boas Intenções – 1963 foi galardoado com o Prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências de Lisboa, Enseada Amena – 1966 foi distinguido com o Prémio de Romance de IV Encontro da Imprensa Cultural, Sem Teto, Entre Ruínas – 1978 recebeu o Prémio Cidade de Lisboa e Outrora Agora – 1996 foi premiado com o Grande Prémio de Romance e Novela APE/IPLB, o Prémio Municipal Eça de Queirós, da Câmara Municipal de Lisboa (Prémio de Prosa de Ficção), assim como o Prémio P.E.N. Clube Português de Ficção Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários.
Foto dos anos 70
A vasta obra de Abelaira (12 romances – o último póstumo -, 3 peças de teatro, um livro de contos, um monólogo e as dezenas de crónicas jornalísticas de pendor político e cultural) encontra-se toda ela norteada por uma consciência ético-histórica, ancorando-se os seus escritos na observação de uma sociedade concreta e estranhamente atual, vista através de olhares atentos e críticos.Os temas primordiais, que constituem a tessitura da sua escrita romanesca, assim como as estratégias retóricas que a alicerçam estão presentes desde o primeiro título, conferindo ao conjunto uma unidade temática e formal, facto que levou o autor a afirmar numa entrevista ao Ciberkiosk: “Certos romancistas contam histórias, histórias a que assistiram, que ouviram, leram nos jornais, inventaram. Tais romancistas escrevem romances muito diferentes uns dos outros. Mas há aqueles que se contam a si próprios, digamos assim (isto não significa que escrevem autobiografias). Estes últimos escrevem sempre o mesmo romance, variações sobre os mesmos temas (os temas que os preocupam). (…) Escrevo sempre o mesmo romance (tanto assim, que não distingo uns dos outros, não sei se certas cenas pertencem a este ou àquele). Embora talvez pudesse dizer que escrevo dois romances - ou sirvo-me de duas perspectivas para escrever o mesmo romance”.Com efeito, os textos de Augusto Abelaira conduzem incessantemente o leitor para um universo marcado pelo questionamento constante das relações humanas, a análise dos sentimentos amorosos, a importância da arte na sociedade, o olhar crítico sobre as pessoas e as coisas, o sentido arbitrário e casuístico da existência, a fragmentação discursiva, a ironia impiedosamente lúcida, a metaficcionalidade discursiva. Neles (re)encontramos personagens que Michel Butor designa por «históricas», no sentido em que são reconhecíveis pelos leitores mais fiéis, porque vão transitando de romance em romance (veja-se por exemplo J. Fonseca, personagem de Outrora Agora e Deste Modo ou Daquele). Os protagonistas abelairianos, para além de serem oriundos de um mesmo espaço social (a burguesia lisboeta), pertencem a um mesmo meio laboral, partilham vivências, convicções e emoções, comungam de uma mesma aversão pela política de direita (simbolizada pelas figuras de Salazar e Cavaco Silva), perfilham de um imaginário cultural e afetivo comum, empenham-se nas mesmas causas (a MUD Juvenil, a contestação ao Plano Marshall), procuram pela escrita uma apreensão mais concreta do mundo.
Caricatura - Vasco
A obra de Abelaira, ainda muito influenciada, numa primeira fase, pela estética neorrealista, surge como um espaço de questionamento da sociedade contemporânea nacional, num pendor claramente documental e intervencionista, porém numa apropriação muito pessoal e singular das grandes linhas temáticas e retóricas que marcaram esse movimento cultural, facto que lhe confere um lugar particular e diferenciado na história literária nacional dessa época. De facto, Abelaira não trouxe para os seus romances as grandes questões que apaixonaram outros escritores neorrealistas: as condições de vida degradantes de operários e camponeses, a exploração do povo, as desigualdades sociais. Se as questões nacionais surgem de forma obsessiva (a identidade portuguesa e os destinos da nação), elas estão no entanto circunscritas a um núcleo extremamente restrito da sociedade portuguesa: uma sociedade urbana, lisboeta, burguesa e cultivada, que não tem problemas financeiros, vive confortavelmente instalada, gosta de viajar, ler, ouvir música e conversar. As personagens interessam-se pelo(s) outro(s) com quem partilham o espaço da intimidade, questionam desejos e emoções, discutem convicções políticas. O retrato desta forma esboçado reveste-se de uma grande minúcia, que resulta de uma observação pormenorizada e reiterada, apresentando uma visão irónica, por vezes sarcástica e disfórica, porém parcial porque circunscrita a um grupo particular e limitado da sociedade portuguesa. O espaço da intimidade - núcleo da efabulação –, propício à partilha de ideias, ideais e projetos, consubstancia-se do ponto de vista discursivo num privilégio do registo confessional (diálogo, diário, monólogo introspetivo), que se estende e prolonga com frequência para além e para fora do texto escrito, cooptando como interlocutor o próprio leitor.Na produção romanesca de Abelaira, e desde o primeiro livro, o leitor ocupa um lugar privilegiado, de cúmplice, testemunha, coautor ou parceiro de diálogo, papel que o autor descreve da seguinte forma em crónicas ao Jornal de Letras: “Um romance é não somente o que lá pôs o escritor mas é também aquilo que lá puseram os leitores”, “esse leitor imaginário é um leitor muito especial: é um leitor que sente a falta de um certo livro ainda por escrever. E o escritor procura corresponder a esse desejo, oferecendo-lhe o desejado livro”.É por ventura o romance de 1981, O Triunfo da Morte, onde de uma forma mais premente o autor questiona, num registo ostensivamente metaficcional, pelo viés de um diálogo constante e divertido com o leitor, o trabalho da escrita e dos seus avatares, dando conta de todos os passos da “fabricação” do texto: “Se tiver tempo, se a Sophie couber na economia do meu livro, ainda voltarei a citá-la, custa-me deixar em suspenso o que depois aconteceu. Mas precisamente o respeito por uma boa administração romanesca obriga-me a descrever imediatamente a tal aventura insólita já antes prometida, não devo desperdiçar totalmente os meus poucos recursos” (p. 21).
Capa, da autoria de António Ramos, da primeira edição (de autor)
O diálogo, enquanto estratégia estruturadora da intriga está presente desde o primeiro romance. O entrecho de A Cidade das Flores constrói-se à volta das relações de um grupo de jovens intelectuais, na Florença do pós-guerra, a braços com o desejo de alterar a sociedade burguesa e repressora e as dúvidas acerca da capacidade que têm de resistir. Deslocando a intriga para a Itália, como forma de fuga à perseguição da censura, A Cidade das Flores é, de facto, uma reflexão subtil, desapiedada e crítica sobre a sociedade burguesa lisboeta, onde a história de vida das personagens centrais (Rosabianca e Giovanni) se dilui no texto, convertendo-se em pretexto narrativo da verdadeira efabulação: a crónica de uma época marcada pela ânsia de liberdade e dos planos sempre frustrados ou adiados de um geração desejosa, mas incapaz, de derrubar o regime sufocante e repressivo.Bolor, publicado em 1968, é sem dúvida um romance fundamental no panorama literário português, inscrevendo-se simultaneamente sob os signos do antigo e do moderno, sendo considerado, por muitos críticos, um dos livros inaugurais da pós-modernidade. Recuperando a tradição do romance epistolar (aqui páginas de diário em vez de cartas), Augusto Abelaira desconstrói os alicerces do romance clássico e cria uma nova ordem. A presença das datas que abrem as páginas do diário (à exceção de uma não-datada) e que convencionalmente seriam pontos de ancoragem temporal, transformam-se em instrumento de derisão paródica. O aparecimento de um segundo (terceiro) autor do diário, que reescreve, completa e emenda a versão do autor anterior, vem não só subverter de forma total as regras do género, mas também criar, pelo efeito de sobreposição de tempos, a desconstrução textual. A existência de vários autores do(s) diário(s), e por conseguinte de uma estância narrativa que se desdobra em várias vozes transmitindo outros tantos pontos de vista, dá origem a uma narração fragmentada, que se constitui como uma estratégica de problematização da impossibilidade da compreensão total ou do conhecimento da verdade absoluta, condição a que todos os seres estão votados.São igualmente os questionamentos da organização temporal e da construção da narrativa, numa elaboração alegórica de cunho irónico, que sustentam a trama diegética de O Único animal que?, cuja personagem principal, o macaco-homem, persegue o desejo de fugir à cronologia e destruir a linearidade temporal. Este romance tem a particularidade de ter sido apresentado de uma forma original. Numa recuperação curiosa da prática de folhetim muito em voga em meados do século passado foi publicado no Jornal de Letras ao longo de um ano (de 16/03/1982 a 29/03/1983).O pendor irónico que caracteriza a escrita abelairiana assume maior acutilância nos dois últimos romances. Outrora Agora, cujo título foi retirado de um poema de Fernando Pessoa apresentado em epígrafe, autor tutelar para Abelaira, assume-se como uma homenagem ao poeta. Constrói-se a narrativa pela sobreposição de níveis diegéticos, pela formulação constante de hipóteses, pelo confronto de versões, estratégias que se conjugam para uma apreensão mais próxima do sentido das coisas, vistas através do olhar sempre atento, lúcido e irónico da estância narrativa, que não se escusa a entrar frequentemente em diálogo com outros textos e outros autores, como no seguinte excerto, onde reencontramos uma personagem de Eça de Queirós: “hoje, com o cartão de plástico, seria mais fácil, os progressos da nossa civilização, ó Jacinto”.Nem Só Mas Também, o romance póstumo, convida o leitor a uma viagem incessante entre realidade e invenção, experiências vividas e vivências idealizadas, urdindo-se a narrativa pelo poder da memória. O texto surge ironicamente como um rascunho que melhorará quando e se for reescrito, acabando o narrador, já no final do romance, por encontrar o sentido da sua escrita: “o meu objectivo, começo a adivinhá-lo, adivinha-se afinal simples: fazer de mim através da escrita um ser uno, não este caótico, contraditório indivíduo que sempre fui. Afinal escrever, mesmo descontinuamente, é fixar no papel uma continuidade e essa continuidade sou eu”.BIBLIOGRAFIA1 - BIBLIOGRAFIA ATIVA1.1 Produção literária
A Cidade das Flores, (romance), 1959.Os Desertores, (romance), 1960.A Palavra É de Oiro, (teatro), 1961.O Nariz de Cleópatra, (teatro), 1962.As Boas Intenções (Romance), 1963. Prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências de Lisboa.Enseada Amena, (romance), 1966. Prémio de Romance de IV Encontro da Imprensa Cultural.Bolor, (romance), 1968.Ode (quase) marítima, (monólogo), com desenhos de Maria Keil, 1968.Quatro Paredes Nuas, (contos), 1972.Sem Tecto, Entre Ruínas, (romance), 1978. Prémio Cidade de Lisboa.“Olfacto”, in Poética dos Cinco Sentidos – La Dame à la Licorne, 1979.Anfitrião, Outra Vez, (teatro), 1980.O Triunfo da Morte, (romance), 1981.O Bosque Harmonioso, (romance), 1982.O Único Animal Que?, (romance), 1985.Deste Modo ou Daquele, (romance), 1990.Outrora Agora, (romance), 1996. Grande Prémio de Romance e Novela APE/IPLB. Prémio Municipal Eça de Queiroz, da Câmara Municipal de Lisboa (Prémio de Prosa de Ficção). Prémio P.E.N. Clube Português de Ficção Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários.Nem Só Mas Também, (romance), 2004.“O arquimortes”, in Ficções nº 8, 2003-2004.1.2 Obras traduzidasRomeno:Bunele intentii (As boas intenções), Tradução de Mirela Stanciulescu, Edinter, 1992Búlgaro:Outrora Agora, Tradução de Iordanka Hascimento, Karin-Mariana Todorova, 1996. 1.3 Colaboração em periódicos (seleção)1947“Sinceridade e falta de convicções na obra de Fernando Pessoa”, in Mundo Literário: Semanário e crítica e informação, nº 51, pp. 3-4.1950“Apontamento”, in Contraponto: Cadernos de Crítica e Arte, nº 1, pp. 1-3.1954“Acerca da ideia de progresso no Século XVI”, in Vértice, vol. 14, nº 133, pp. 539-542.1958“Urbano Tavares Rodrigues: Uma Pedrada no Charco”, in Gazeta Musical e de Todas Artes, nº 85, pp. 68-69.“João José Cochofel: Iniciação Estética”, in Gazeta Musical e de Todas Artes, nº 86, pp. 88-89.“Fernanda Botelho: Calendário Privado”, in Gazeta Musical e de Todas Artes, nº 91-92, pp. 173-174.1959“Arte e Conhecimento”, in Gazeta Musical e de Todas Artes, nº 96, pp. 241-248.“Orpheu nos infernos. Tertúlia”, in Gazeta Musical e de Todas Artes, nº 105, p. 420.“Um livro inteligente e preguiçoso”, in Dário Popular. Quinta-feira à tarde, nº 132, pp. 7-11.1962“Confissões de um leitor de romances”, in Dário de Lisboa. Vida Literária e Artística, nº 189, pp. 17-21“Nas vésperas de mais um centenário” in Dário de Lisboa. Vida Literária e Artística, nº 196, pp. 17-191963“Impressões de um leitor de romances”, in Dário de Lisboa. Vida Literária e Artística, nº 233, pp. 17-19.“Flores de papel”, in Vértice, vol. 23, nº 234/236, pp. 135-1381964"Impressões de um leitor de romances", in Suplemento Vida Literária e Artística do Diário de Lisboa, 26 de Março.1968“Em louvor da virtude nas artes e nas letras” in Dário de Lisboa. Vida Literária e Artística, nº 233, pp. 4-5“José Gomes Ferreira: cantor (também) de passarinhos”, in Dário de Lisboa. Vida Literária e Artística, nº 506, p. 4“Na época de entrevistas”, in Dário de Lisboa. Vida Literária e Artística, nº 515, pp. 4-51972“A paisagem na literatura portuguesa”, in Crítica, nº 5 pp. 4-5.1974“Greves e caos económicos”, in Vida Mundial, Ano XXXV, nº 1826 (14 de Junho), pp. 7-8.“Pontos de interrogação. Como ler um jornal?”, in Vida Mundial, Ano XXXV, nº 1829, p. 57.“Pêlo do mesmo cão”, in Vida Mundial, Ano XXXV, nº 1837, p. 53.1975“O Respeito pelos Leitores”, in O Jornal, Ano I nº 9, p. 14.“O congresso de escritores”, in Vida Mundial, nº 1861, p. 7.“Que Portugal deixaremos aos nossos filhos?”, in Vida Mundial, nº 1868, p. 9.“Paciência”, in Vida Mundial, nº 1885, p. 9.1978“E agora António?”, in O Jornal, Ano III nº 147, p. 7.“Magia”, literatura e revolução”, Abril, nº 3, pp. 2-4.“Ainda o Tarrafal”, in O Jornal, Ano III nº 148, p. 6.“Escrever na água. Aditamento à Carta de Pêro Vaz de Caminho”, in O Jornal, Ano III nº 150, p. 5.“Escrever na água. O país menos saudosista da Europa”, in O Jornal, Ano III nº 152, p. 3.“Escrever na água. Melancolia”, in O Jornal, Ano III nº 154, p. 8.“Escrever na água. A indústria das opiniões”, in O Jornal, Ano III nº 156, p. 7.“Escrever na água. A propósito do 25 de Abril”, in O Jornal, Ano III nº 157, p. 9.“Escrever na água. Lição de coisas”, in O Jornal, Ano IV nº 160, p. 6.“Escrever na água. O direito às férias”, in O Jornal, Ano IV nº 173, p. 6.“Escrever na água. Férias enfim!”, in O Jornal, Ano VI nº 175, p. 26.“Escrever na água. Tentando desfazer um equívoco”, in O Jornal, Ano VI nº 178, p. 4.“Escrever na água. Livros na gaveta”, in O Jornal, Ano IV nº 181, p. 33.1979“Escrever na água. Natal”, in O Jornal, Ano IV nº 192, p. 7.“Escrever na água. O meu partido sempre disse que”, in O Jornal, Ano IV nº 193, p. 9.“Escrever na água. Contra as passagens administrativas”, in O Jornal, Ano IV nº 196, p. 9.“Escrever na água. Homilia involuntária”, in O Jornal, Ano V nº 230, p. 9.1980“Escrever na água. Sá Carneiro vai demitir-se?”, in O Jornal, Ano V nº 252, p. 7.“Escrever na água. Comunicação social e boas maneiras”, in O Jornal, Ano IV nº 254, p. 9.“Escrever na água. A grande festa do 25 de Abril”, in O Jornal, Ano V nº 257, p. 12.“Escrever na água. Salazar de além”, in O Jornal, Ano VI nº 281, p. 11.“Escrever na água. Desculpa de mau pagador”, in O Jornal, Ano VI nº 294, p. 12.1981“Ao pé das letras. O papel branco, afinal um tudo-nada pardacento”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano I, nº 1, p. 16.“Escrever na água. Alguma luz nos horizontes da cultura oficial?”, in O Jornal, Ano VI nº 308, p. 10.“Escrever na água. Pecador eu me confesso”, in O Jornal, Ano VI nº 310, p. 6.“Escrever na água. Salazar, o 25 de Abril e as ilusões perdidas”, in O Jornal, Ano VI nº 318, p. 9.“Ao pé das letras. Robinson Crusoe e o seu duplo”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano I, nº 2, p. 8.“Ao pé das letras. Para uma outra história da literatura”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano I, nº 3, p. 14.“Ao pé das letras. O leitor imaginário”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano I, nº 4, p. 9.“Escrever na água. Louros para a APU ou o PS deslaureado”, in O Jornal, Ano VII nº 346, p. 13.1982“Ao pé das letras. Devo desistir?”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano I, nº 23, p. 9.“Ao pé das letras. O ponto de referência”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano I, nº 25, p. 11.“Escrever na água. Sugestão Democrática”, in O Jornal, Ano VII nº 359, p. 7.“Escrever na água. A RTP, a RDP, e os senhores ministros”, in O Jornal, Ano VII nº 365, p. 4.“Escrever na água. O poder da arte”, in O Jornal, Ano VII nº 367, p. 13.“Escrever na água. Os deputados e a liberdade”, in O Jornal, Ano VIII nº 380, p. 11.“Escrever na água. Que pensa Ramalho Eanes”, in O Jornal, Ano VIII nº 397, p. 11.1983“Ao pé das letras. Entrelinhas”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano III, nº 71, p. 22.“Escrever na água. Uma proposta sólida”, in O Jornal, Ano VII nº 412, p. 7.“Escrever na água. A conferência de Lisboa”, in O Jornal, Ano VIII nº 423, p. 25.“Escrever na água. Querida televisão”, in O Jornal, Ano IX nº 438, p. 8.“Escrever na água. Ainda a morte de Sá Carneiro”, in O Jornal, Ano IX nº 446, p. 5.“Ao pé das letras. A propósito de Eduardo Salgueiro”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano III, nº 72, p. 10.1984“Ao pé das letras. A morte do pai”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano III, nº 82, p. 12.“Ao pé das letras. A Crónica Geral de Espanha de 1344”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano III, nº 100, p. 19.“Ao pé das letras. Ascensão e queda dos Jeans”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano IV. Nº 114, p. 23.“Ao pé das letras. O Ministério da Finanças restaura as danças de morte medievais?”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano IV, nº 116, p. 5.“Ao pé das letras. Os desafios do diabo”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano IV, nº 118, p. 19.“Ao pé das letras. Sequóia”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano I, nº 124, p. 7.“Escrever na água. Acordos culturais”, in O Jornal, Ano IX, nº 469, p. 33.“Escrever na água. A censura e a RTP.”, in O Jornal, Ano X, nº 483, p. 17.“Escrever na água. Apre, senhores políticos”, in O Jornal, Ano X, nº 511, p. 7.1985“Ao pé das letras. Duas famílias culturais”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano VI, nº 134, p. 25.“Escrever na água. Por quem os sinos dobram”, in O Jornal, Ano X, nº 524, p. 9.“Escrever na água. Homenagem a Fernando Pessoa”, in O Jornal, Ano XI nº 534, p. 11.“Escrever na água. Deus dorme?”, in O Jornal, Ano XI nº 562, p. 6.1986“Ao pé das letras. Os escritores gostam de baralhar o jogo”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano VI, nº 200, p. 24.1987“Escrever na água. A oposição na encruzilhada”, in O Jornal, Ano XII, nº 662, p. 8.“Escrever na água. A reforma do ensino já não existe”, in O Jornal, Ano XII, nº 629, p. 6.“Escrever na água. A felicidade de ser minoritário”, in O Jornal, Ano XIII nº 670, p. 6.1988“Escrever na água. Parágrafos únicos”, in O Jornal, Ano XIII, nº 684, p. 6.“Escrever na água. Metafísica do pudim”, in O Jornal, Ano XIV, nº 717, p. 15.“Escrever na água. O adjectivo responsável”, in O Jornal, Ano XIV, nº 724, p. 8.1989“Escrever na água. Tempos fora dos tempos”, in O Jornal, Ano XIV, nº 734, p. 14.“Escrever na água. O segredo da popularidade?”, in O Jornal, Ano XV, nº 752, p. 18.“Escrever na água. Filosofia das luzes”, in O Jornal, Ano XV, nº 757, p. 14.1990“Escrever na água. A terrível herança”, in O Jornal, Ano XV, nº 780, p. 16.“Escrever na água. Trinta e dois anos depois”, in O Jornal, Ano XVI, nº 799, p. 4.“Escrever na água. Recordando a destruição da SPE”, in O Jornal, Ano XVI, nº 817, p. 30.“Escrever na água. Nascer em Portugal”, in O Jornal, Ano XVI, nº 826, p. 35.1991“Escrever na água. Recordando o profeta Ezequiel”, in O Jornal, Ano XVII, nº 845, p. 10.“Escrever na água. Esclarecer ou não esclarecer”, in O Jornal, Ano XIII, nº 855, p. 6.1992“Os primos Karamazov”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XI, nº 500, p. 13.“Escrever na água. A solução óbvia”, in O Jornal. O Jornal Ilustrado, Ano XVII, nº 887, p. 15.“A Morte de uma Época” Última Edição de O Jornal, In O Jornal, Ano XVII, p. 34.1993“Quando os leitores eram detectives das palavras”, Jornal do Fundão, Ano 48, nº 2440, p. 9.“Ao pé das letras. Segredos de leitura”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XII, nº 550, p. 11.“Ao pé das letras. Heroísmo”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIII, nº 568, p. 15.“Ao pé das letras. Modesta proposta para uma história da literatura” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIII, nº 3, p. 5.1994“Ao pé das letras. Saber ler”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIII, nº 602, p. 28.“Ao pé das letras. Saber ler”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIV, nº 613, p. 44.“Ao pé das letras. Ler, reler?”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIV, nº 619, p. 46.“Ao pé das letras. O escritor e o público”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIV, nº 620, p. 45.“Ao pé das letras. O exame de latim” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIV, nº 624, p. 39.1995“Ao pé das letras. De que falava Platão quando falava de coisa nenhuma”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIV, nº 633, p. 41.“Ao pé das letras. Duas leituras” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIV, nº 635, p. 39.“Ao pé das letras. Carteiristas” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIV, nº 636, p. 45.“Ao pé das letras. Recordação de Humberto Delgado” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIV, nº 637, p. 40.“Ao pé das letras. O milagre de Foz Côa” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XIV, nº 638 , p. 39.“Ao pé das letras. Arte pela arte?”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 639, p. 41.“Ao pé das letras. Washoe” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 641, p. 39.“Ao pé das letras. A história de amor que Homero ignorou”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 642, p. 41.“Ao pé das letras. Deus ou ficção?”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 645, p. 39.“Ao pé das letras. O erro de Voltaire”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 647, p. 36.“Ao pé das letras. Horatio meu digno amigo” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 652, p. 24.“Ao pé das letras. Problema em vez de conclusão” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 652, p. 38.“Ao pé das letras. Como continuar” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 653, p. 36.“Ao pé das letras. A caça à lebre” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 655, p. 21.1996“Ao pé das letras. Quando?” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 657, p. 37.“Ao pé das letras. Rolhas” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 658, p. 36.“Ao pé das letras. Livros de leitura permanente” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 659, p. 36.“Ao pé das letras. Agora me recordo” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 660, p. 41.“Ao pé das letras. O regresso de Thales de Mileto” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 661, p. 36.“Ao pé das letras. As portas da verdade” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 662, p. 21.“Ao pé das letras. O acaso ou a necessidade?” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVI, nº 663, p. 25.“Ao pé das letras. Cafés e tertúlias” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVI, nº 664, p. 41.“Ao pé das letras. A culpa” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVI, nº 665, p. 38.“Ao pé das letras. Quarenta em mil” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVI, nº 666, p. 36.“Ao pé das letras. Totoloto” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVI, nº 667, p. 37.“Ao pé das letras. Saudades do Brasil” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVI, nº 668, p. 28.“Ao pé das letras. O escritor contra o orador” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVI, nº 669, p. 6.“Ao pé das letras. O labirinto” Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVI, nº 670, p. 37.1.4 TraduçõesA Roda da Fortuna de Roger Vaillant, Ulisseia, Lisboa, 1961.A Promessa de Gary Kassel, Bertrand, Lisboa, 1962.O Tambor de Günter Grass, Estúdios Cor, Lisboa, 1964.História do Mundo de Jean Duché, (em co-autoria com Severiano Ferreira), Estúdios Cor, Lisboa, 1963 – 1971.A Segunda Guerra da Indochina de Wilfred G. Burchett, Seara Nova, Lisboa, 1971.O Doutor Jivago de Boris Pasternak, Europa – América, Mem Martins, 1987.O Declínio da Idade Média de Johan Huizinga, Ulisseia, Lisboa, 1996.1.5 Outras ColaboraçõesRevisão de matriz da tradução de Sérgio Milliet de Gosta de Brahms? de Françoise Sagan, 1961.Edição literária de Breve Interpretação da História de Portugal, de António Sérgio, 1972.Edição literária de Introdução Geográfico-Sociológica à história de Portugal de António Sérgio, 1973Edição literária de Introdução geográfico-sociológica à história de Portugal de António Sérgio, 1973Edição literária de Democracia de António Sérgio, 1974Edição literária de Ensaios de António Sérgio, 1971-1974Edição literária de Antologia Sociológica: Pátio das comédias de António Sérgio, 1978Revisão de matriz da tradução de Lólio Lourenço Oliveira e J. B. Damasco Penna de Vocabulário de Filosofia de Armand Cuvillier, 1978.Prefácio de Puta de Prisão: a prostituição vista em Custóias, de Isabel do Carmo e Fernanda Fráguas, Regra do Jogo, Lisboa, 1982.Prefácio de De Noite as Árvores são Negras, de Maria Isabel Barreno, Rolim, 1987.1.6 Entrevistas1961“10 minutos com…” (entrevista a Augusto Abelaira), Diário de Lisboa – Vida Literária e Artística, nº 179, pp. 16-20.1962“Tertúlias de Lisboa: o grupo do Bocage” (entrevista a João José Cochofel, Mário Dionísio, Augusto Abelaira, José Gomes Ferreira, Egídio Namorado, Aquilino Ribeiro Filho, Carlos de Oliveira), Diário de Lisboa – Vida Literária e Artística, nº 190, pp. 17-18.1971“Entrevista com Augusto Abelaira” (conduzida por Eduardo Dionísio e Luís Salgado de Matos), Crítica, nº 1. Novembro, pp. 7-10.1986“Não tenho opinião” depoimento a um inquérito sobre o Acordo Ortográfico; a tempestade das letras, in Expresso: A Revista, nº 712, p. 38.1990“Augusto Abelaira – ‘Escrevo romances policiais sem cadáver” (conduzida por José Carlos Vasconcelos), Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano X, nº 415, pp. 8-11.1990“O Único Animal Que …”, (conduzida por Inês Pedrosa), Expresso – A Revista, nº 936, pp. 81-83.1994“Augusto Abelaira, escritor – ‘Já não se sabe fazer livros maus’ ”, (conduzida por Mário Santos), Público – Suplemento Leituras, p. 7.1996“A palavra é de ouro” (conduzida por Rodrigues da Silva), Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVI, nº 665, pp. 6-8.Ciberkosk, nº3, «Aquilo que os autores dizem em entrevistas não tem importância nenhuma», in http://www.ciberkiosk.pt.1999“Entrevista a Augusto Abelaira”, (conduzida por Cecília Costa), in http://www.instituto-camoes.pt/arquivos/literatura/litrfeminino.html2000“Á conversa com Augusto Abelaira”, (conduzida por José Carlos Abrantes e Dora Santos), Noesis, nº 53, Janeiro/Março, pp. 41-49.2 - BIBLIOGRAFIA PASSIVAARÊAS, Vilma, A Cicatriz e o Verbo: análise da obra romanesca de Augusto Abelaira, Casa da Medalha, Rio de Janeiro, 1972.AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de, “O processo do romance em Augusto Abelaira”, in Uma Visão Brasileira da Literatura Portuguesa, Livraria Almedina, Coimbra, 1973.BOTELHO, Fernanda, “Augusto Abelaira – Deste Modo ou Daquele”, Colóquio Letras, nº 120, Abril/Junho, p. 213, 1991.CAMILO, João, Augusto Abelaira e Vergílio Ferreira: plenitudes e absolutos adiados, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa – Paris, 1983.COELHO, Eduardo Prado, “Augusto Abelaira: as palavras querem sempre dizer outra coisa”, in O Cálculo das Sombras, Edições Asa, Lisboa, 1997.COELHO, Nelly Novaes, “Augusto Abelaira – a consciência histórica de uma geração”, Escritores Portugueses, São Paulo, Edições Quiron, 1973, pp. 79-118.COSTA, André Pereira da, “Bolor a ambiguidade procurada”, Colóquio Letras nº 68 Julho 1982, pp. 35-41.COSTA, Linda Santos, “Um segredo intacto”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano X, nº 421, 1990, p. 11.COSTA, Maria Adelaide, Os Caminhos de Narciso: uma leitura de Deste Modo e Daquele de Augusto Abelaira, texto policopiado – tese de mestrado, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 1996.COSTA, Orlando, “Nem só mas também”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIII, nº 855, p. 10.CRUZ, Gastão, “Marivaux, Mozart, Renoir…”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIII, nº 855, p. 10.DANTAS, Gregório, “Nem Só Mas Também, de Augusto Abelaira”, Estudos Portugueses e Africanos, nºs 43/44, pp. 119-122.DUARTE, Lélia Parreira, “O Triunfo da Morte: novo caminho para o neo-realismo”, Colóquio Letras, nº 81, Setembro, 1984, pp. 34-39.______, “Criação e ironia em Borges e Abelaira”, Colóquio Letras, nº 109, Maio/Junho, 1989, pp. 55-59.______, “Ironia, componente da utopia – Fernão Mendes Pinto e Augusto Abelaira”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XI, nº 550, pp. 14-15.EMINESEU, Roxana, Novas Coordenadas no Romance Português, Biblioteca Breve, Lisboa, 1983.FERRAZ, Maria de Lurdes, “Artifícios de construção textual: a representação em Outrora Agora de Augusto Abelaira”, in VI Congresso Internacional de Lusitanistas, http://www.geocities.com/ail_br/artificiosdeconstrucaotextual.htmlFERREIRA, José Gomes, Dias comuns IV - Laboratório de cinzas, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2004.FORNOS, José Luís Giovanoni, “A nação portuguesa revisitada em Deste Modo ou Daquele, de Augusto Abelaira, in http://www.pucrs.br/letras/pos/literaturaportuguesa/memoriadasgentes/trabalho4.htmGUEDES, Maria Estela, recensão de O Bosque Harmonioso, Colóquio Letras, nº 73, 1982, pp. 77-78.GONÇALVES, Maria Isabel Rebelo, “O mito de Anfitrião na dramaturgia prtuguesa”, in Revista da Faculdade de Letras, nº.s 13-14, Junho de 1990, Lisboa, pp. 375-389.HENRY, Christel, A Cidade das Flores pour une réception culturelle au Portugal du cinéma néoréaliste italien comme métaphore possible d’une absence: la réception critique du néoréalisme cinématographique italien dans le panorama culturel du Portugal des années 50, texto policopiado, tese de doutoramento, Université de Caen (Basse Normandie) e Universidade de Lisboa, 2002.HORTA, Maria Teresa, “Questionar tudo”, Jornal de Notícias, 13 de Abril 1996, pp. 34-35.JÚDICE, Nuno, Á mesa da inteligência”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIII, nº 855, p. 11.______, “Ficção entre o olhar e a escrita”, Expresso, 19 de Julho 2004, pp. 48-49.LIMA, Isabel Pires de, “Traços Pós-modernos na Ficção Portuguesa Actual”, Revista Semear 4, www. Letras.puc-rio.br/Catedra/revista/4Sem_02.html.LEPECKI, Maria Lúcia, “Posfácio deslocado”, introdução a Enseada Amena, col. Romances Portugueses – Obras Primas do séc. XX, Círculo dos Leitores, Lisboa, pp. VII – XI.______, Meridianos do Texto, Assírio e Alvim, Lisboa, 1979.______, “O Bosque Harmonioso, ficções”, in Sobreimpressões – Estudos de Literatura Portuguesa e Africana, Editorial Caminho, Lisboa, 1988, pp. 31-38.______, “O Triunfo da Morte, ou a dupla alegoria”, in Sobreimpressões – Estudos de Literatura Portuguesa e Africana, Editorial Caminho, Lisboa, 1988, pp. 39-44.LOPES, Óscar, “Augusto Abelaira Os Desertores”, in Os Sinais e os Sentidos, Editorial Caminho, Lisboa, pp. 273-280.______, Recensão crítica de As Boas Intenções, in Comércio do Porto de 11-II-1964.LOURENÇO, Eduardo, Da ubiquidade”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIII, nº 855, p. 11.MACHADO, Álvaro Manuel, A Novelística Portuguesas Contemporânea, 2º ed. Revista e aumentada, Biblioteca Breve, Lisboa, 1984.MACHADO, Carlos, Entre a utopia e o apocalipse. Augusto Abelaira e o fim da história, Angelus Novus, Coimbra, 2003.MARINHO, Maria de Fátima, O romance histórico em Portugal, Campo das Letras., Porto, 1999.MENDES, José Manuel, Tempo de dignidade”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIII, nº 855, p. 12.MOURÃO, Luís, “Augusto Abelaira: A Palha e o Resto”, Cadernos de Literatura, nº 24, Instituto nacional de Investigação Científica, Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra, 1980, pp. 35-46.______, Um Romance de Impoder: a Paragem da História na Ficção Portuguesa contemporânea, Angelus Novus, Braga – Coimbra, 1996.NAMORA, Fernando, “Ler e reler Abelaira”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano I, nº 28, pp. 2-3.NEVES, Susana Caetano, A (des)esperança de Sísifo ou de como Narciso se Busca a si próprio: contributos para uma análise do 25 de Abril na obra de Augusto Abelaira: crónicas, texto policopiado - tese de mestrado da Universidade Aberta, 2002.OLIVEIRA, Marcelo Gonçalves, Em Busca do Tempo Presente: Tempo, Discurso e Sujeito em Augusto Abelaira, texto policopiado - Tese de Mestrado - Área de especialização: Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2000.OLIVEIRA, Rejane Pivetta, “Construção e desconstrução do real em O Único Animal Que?”, in Anais do XIV Encontro de Professores Universitários de Literatura Portuguesa, EDIPUCRS, Porto Alegre, 1994.POPPE, Manuel, “Tempo de espera? – Quatro Paredes Nuas”, in Temas de Literatura Viva – 35 Escritores Contemporâneos, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1972, pp. 47-50.______, “Fria ironia & Etc. A Palavra É de Ouro”, in Temas de Literatura Viva – 35 Escritores Contemporâneos, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1972, pp. 51-54.______, “O segredo de Ariadne”, Jornal de Notícias, 6 de Junho 2004, p. 14.PIRES, Lucília Gonçalves, “A reiteração no romance de Augusto Abelaira”, in Cadernos de Literatura, nº 7, Instituto nacional de Investigação Científica, Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra, 1980, pp. 38-44.ROCHA, Clara, recensão crítica a O Triunfo da Morte”, in Colóquio Letras, nº 66, Lisboa, 1982.______, “Intimismo e intervenção literária”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano I, nº 4, pp. 12-13.REAL, Miguel, “O triunfo do cepticismo”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIV, nº 877, pp. 8-9.REIS, Carlos, “Romance de geração”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVI, nº 668, p. 23.______, “Lembrança e louvor”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIII, nº 855, p. 8.RODRIGUES, Ernesto, Natureza e cultura – O Único Animal Que?”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVII, nº 694, p. 12.RODRIGUES, Urbano Tavares, “O Abelaira de Quatro Paredes Nuas”, Seara Nova, nº 1538, 1973, pp. 98-99.______, “Questionador de enigmas”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XV, nº 637, p. 23.______“O espirituoso dissecador da existência”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIII, nº 855, p. 8.SEIXO, Maria Alzira, “Augusto Abelaira: um tempo de convergência”, in Para um Estudo da Expressão do Tempo no Romance Português Contemporâneo, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1968.______, “Augusto Abelaira, Quatro Paredes Nuas”, in Discursos do Texto, Livraria Bertrand, Lisboa, 1973.______, Le Rapport individu - société dans les romans d’Augusto Abelaira, Sep. do Bulletin des Études Portugaises et Brésiliennes, 33-34, Lisboa, 1974, pp. 353-358.______, “O outro lado da ficção – Diário, Crónicas, Memórias, ect.”, Colóquio Letras, nº 82, Novembro 1984, pp. 76-81.______, “A instituição alheada”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXII, nº 856, pp. 20-21.SILVA, Fátima Fernandes da, À Escuta do silêncio: Bolor, Molloy e A Maçã no Escuro, texto policopiado, tese de mestrado em Literatura Comparada, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, 2002.SILVA, Rodrigues da, “A obra de uma vida”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIII, nº 855, pp. 6-7.SIMÕES, João Gaspar, “Augusto Abelaira: A Cidade das Flores”, Crítica III – Romancistas Contemporâneos (1942-1961), (sd.), pp. 441-446.______, “Augusto Abelaira: Os Desertores”, Crítica III – Romancistas Contemporâneos (1942-1961), (sd.), pp. 446-450.______, “Augusto Abelaira: A Palavra É de Ouro”, Crítica VI – O Teatro Contemporâneos (1942-1961), 1985, pp. 141-144.______, “Augusto Abelaira: O Nariz de Cleópatra”, Crítica VI – O Teatro Contemporâneos (1942-1961), 1985, pp. 145-148.______, “Augusto Abelaira: Anfitrião Outra; Y. K. Centeno: Saudades do Paraíso”, Crítica VI – O Teatro Contemporâneos (1942-1961), 1985, pp. 331-334.______, “Fez-se luz…”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIII, nº 855, p. 11.SOTTOMAYOR, Appio, “Testamento literário em forma de romance”, A Capital, 2 de Junho 2004, p. 37.TORRES, Alexandre Pinheiro, “O problema do amor na classe média lisboeta: As Imagens Destruídas de Faure da Rosa e Enseada Amena de Augusto Abelaira”, Ensaios Escolhidos I. Estudos sobre as Literaturas de Língua Portuguesa, Caminho, Lisboa, 1989, pp. 117-128.VASCONCELOS, José Carlos, “O triunfo da vida”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIII, nº 855, p. 7.VENÂNCIO, Fernando, “Augusto já não mora aqui?”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVII, nº 692, p. 26.VIÇOSO, Vítor, “As ficções reversíveis – Outrora Agora”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XVII, nº 694, pp. 10-11.VIEIRA, Agripina Carriço, “Temas e Variações na Escrita de Augusto Abelaira”, Colóquio Letras, nº 161/162, Julho – Dezembro 2002, pp. 109-124.______, “O mundo dos possíveis”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano XXIV, nº 888, p. 22.ZIBERMAN, Regina, “Bolor: identidade e verosimilhança”, in Boletim do Centro de Estudos Portugueses, vol. 13, nº. 16, Julho/Dezembro, Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1993.
Bernardo Marques, por Marina Bairrão Ruivo
Bernardo Marques (1898-1962) foi autor de uma obra vastíssima e multifacetada que lhe confere um lugar de destaque na arte portuguesa contemporânea. Natural de Silves, nasceu no seio de uma família abastada. Veio para Lisboa em 1918 frequentar a Faculdade de Letras em Lisboa, que abandonou em 1921, juntamente com a sua colega de curso Ofélia Marques (1902-1952), pintora modernista que viria a ser sua mulher. No percurso da sua prática artística, que abrange o período de 1920 a 1962, é possível – apesar da diversidade das suas atividades – descortinar uma evolução inteligível, cujo fio condutor é o seu meio de expressão privilegiado, o desenho. Bernardo Marques preferiu, na sua opção pela prática do desenho, uma aprendizagem vivencial a uma formação académica e iniciou-se através do desenho humorístico, das caricaturas - de grande riqueza gráfica e decorativa - partilhando com os artistas “novos” da sua geração o desenvolvimento do modernismo durante a década de vinte. As imagens dos magazines não coincidiam com as imagens da realidade lisboeta. Lisboa, povoada de novos-ricos, era uma pequena cidade cheia de campos e lugares híbridos que Bernardo Marques retratou com um misto de ternura e de ironia. No final da década, a elegância daria lugar a uma temática mais social, e a estilização gráfica seria substituída por um traço mais violento e expressionista. Uma estadia em Berlim, em 1929, para além de lhe aguçar a perceção da estagnação da vida artística em Portugal, facultou-lhe novos meios de expressão. Os desenhos e as aguarelas de Berlim são registos de um impiedoso observador da sociedade urbana, resultam do contacto que teve com o expressionismo alemão e refletem já um certo desencanto e amargura associados a um traço mais violento e expressionista que caracterizaram a produção dos anos que se seguiram. Ao nível da ilustração, a sua produção deste período confina-se quase exclusivamente à sua colaboração nas revistas de cinema. A influência que o cinema exerceu e o mimetismo que provocou foram explorados com humor, ironia e algum ridículo em inúmeros desenhos de Bernardo Marques: a acutilante série de cinéfilas não foi com certeza feita para ser publicada numa revista da especialidade. Estadias por outras terras (Paris, Nova Iorque, São Francisco) condicionaram, de diferentes modos, a linguagem plástica e alimentaram o poder criador do artista. De Paris resultaram desenhos mais poéticos, de registo mais atmosférico. Depois de várias viagens e experiências plásticas e humanas diversificadas, Bernardo Marques regressa a Lisboa, iniciando um percurso mais solitário e particular. Apurando-se em técnica e solidão, vai passar gradualmente da análise dos homens à análise das coisas e concentrar a sua atenção na paisagem, rural ou urbana. É assim que nasce o paisagista dos anos quarenta. Nesses anos, a sua atividade desdobrou-se entre a ilustração, as artes gráficas e a decoração, colaborando com várias editoras e aceitando encomendas oficiais do S.P.N./S.N.I., participando na renovação do gosto artístico sem por isso se enquadrar na “Política do Espírito” protagonizada por António Ferro. Nestes anos, encontramos ainda outro tipo de desenhos, de caráter onírico, simbólico e até surreal. São exemplos pontuais que demonstram o interesse por vários tipos de correntes, sem as explorar, no entanto, até à exaustão. Na década de 50 volta ao desenho como atividade autónoma, de caráter íntimo, centrando-se essencialmente na análise da paisagem urbana e rural. Esta última fase, que culminou com a sua morte em 1962, corresponde à mais íntima e é acompanhada, tecnicamente, por importantes variações de registos, cada vez mais atmosféricos. É em Lisboa, a sua cidade de eleição, que uma mudança visível do relacionamento com o que rodeia vai ter lugar. Desinteressado dos homens, Bernardo Marques transferiu para a paisagem uma atenção cada vez mais seletiva e depurada. Percorreu o país de norte a sul, numa ânsia de ao mesmo tempo conhecer toda a terra portuguesa e de encontrar, quando lhe apetecia, o isolamento e a distância que procurava. As suas errâncias afetivas são pretextos para uma riquíssima e constante experimentação plástica. Mais sensível a valores como a forma, os volumes e a luz, os seus desenhos tornam-se mais sintéticos e depurados e transmitem uma impressão de calma e de recolhimento. A delicada caligrafia de signos, em que predomina a tinta da china, como que aprisiona a essência da paisagem através de uma sobreposição de linhas e da vibração colorística do preto e branco. Ignorando as formas estéticas que surgiam, Bernardo Marques assumiu uma postura simultaneamente sensível e distanciada, transferindo para a paisagem o seu espaço de intimidade.
A variação dos meios técnicos utilizados, nomeadamente a aguarela de tradição paisagística e os pictóricos desenhos caligráficos a preto e branco, sugeridos pela sua atenção imediata à paisagem, tornam a obra de Bernardo Marques ambígua e original. É uma postura sincera e legítima, surgida de circunstâncias pessoais, que se ajusta ao lirismo íntimo e contemplativo que lhe convinha e que confere modernidade à sua obra.
O percurso que se isola e se matura no silêncio da paisagem, alheio a correntes plásticas e ideológicas, confere-lhe um certo sentido de liberdade e de independência, fator que o torna, hoje em dia, mais atual e interessante. Contemporâneo da segunda geração modernista, Bernardo Marques participou ativamente na difusão do gosto moderno, sem por isso prescindir de formas de expressão muito pessoais que não se enquadravam nos padrões dominantes. Foi acima de tudo um grande desenhador.Bibliografia:Obras geraisBARROS, Júlia Leitão de - Os «Night Clubs» de Lisboa nos anos 20. Lisboa: Lucifer Edições, 1990.FRANÇA, José-Augusto - A arte e a sociedade portuguesa no séc. XX. Lisboa: Livros Horizonte, 1972.- Os quadros de «A Brasileira». Lisboa: Artis, 1973.- Cem Exposições. Lisboa: INCM, 1982.- A arte em Portugal no século XX. Lisboa: Livraria Bertrand, 1984. - O Modernismo na Arte Portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, 1987.- História da arte ocidental, 1780-1980. Lisboa: Livros Horizonte, 1987.- Os anos vinte em Portugal. Lisboa: Editorial Presença, 1992.- Pintura portuguesa do séc. XX: de Amadeo a 1990. Lisboa: Correios de Portugal, 1998.FREITAS, Maria Helena de - Ilustração e grafismo nos anos 20. Tese de Mestrado em História da Arte Contemporânea, FCSH/UNL, ex. policopiado, 1986.GONÇALVES, Rui Mário - «O imaginário da cidade de Lisboa». In: O Imaginário da cidade: compilação as comunicações apresentadas no colóquio sobre o Imaginário da Cidade realizado em Outubro de 1985. Lisboa: FCG: ACARTE, 1989.- Pintura e escultura em Portugal, 1940-1980. Lisboa: Instituto e Cultura Portuguesa, 1980.GUEDES, Fernando - Estudos sobre artes plásticas. Os anos 40 em Portugal e outros estudos. Lisboa: INCM, 1985.PORTELA, Artur - Salazarismo e artes plásticas. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, 1982.SANTOS, Rui Afonso - «O design e a decoração em Portugal». In: História da Arte Portuguesa, v. 3 (Dir. Paulo Pereira). Lisboa: Círculo dos Leitores, 1995.SILVA, Raquel Henriques da - «Sinais de ruptura: “livres” e humoristas». In: História da Arte Portuguesa, v. 3 (Dir. Paulo Pereira). Lisboa: Círculo dos Leitores, 1995.Obras específicasAZEVEDO, Fernando - «Memória de Bernardo Marques». In: Bernardo Marques, obras de 1950 a 1960. Lisboa: FCG, 1966 - [texto de apresentação]. In: Bernardo Marques (1899-1962). Lisboa: SEIT, 1969. - «A Terra e o Mar na obra de Bernardo Marques». In: A Terra e o Mar. Lisboa: FCG, 1976. - [texto de apresentação]. In: Bernardo Marques: a entrega de um olhar. Colares: Galeria de Colares, 1987. - «Bernardo Marques, do humor à contemplação». In: Bernardo Marques. Lisboa: FCG, 1989. - [texto de apresentação]. In: Bernardo Marques. Lisboa: Fundação Oriente, 1991.BERNARDO MARQUES 1898-1998. Obra gráfica. Lisboa: IPM - Museu do Chiado, 1998.BERNARDO MARQUES 1898-1962. Lisboa: CAMJAP, 1999.CASTRO, Fernanda - «Evocação do Bernardo». In: Bernardo Marques. Lisboa: FCG: CAM, 1989.CHICÓ, Silvia – [texto de apresentação]. In: Bernardo Marques: a entrega de um olhar. Colares: Galeria de Colares, 1987.COSTA, Pierre Léglise - «Bernardo Marques et son espace, Sintra». In: Bernardo Marques: a entrega de um olhar. Colares: Galeria de Colares, 1987.ESTEVES, Juvenal - «1953, por memória». In: Bernardo Marques. Lisboa: FCG: CAM, 1989.FERREIRA, David Mourão – [selecção de textos e prefácio]. Saudades de Lisboa: de Eça de Queiroz a Miguel Torga. Lisboa: Estúdios Cor, 1967.FERREIRA, Paulo - «Bernardo, mon frère d’élection». In: Bernardo Marques: période 1934-1962. Paris: FCG: CCP, 1982.FRANÇA, José-Augusto – [texto de apresentação]. In: Bernardo Marques. Lisboa: Galeria Dinastia, 1973.- [texto de apresentação]. In: Bernardo Marques. Lisboa: Galeria Dinastia, 1981.- «Introduction». In: Bernardo Marques: période 1934-1962. Paris: FCG: CCP, 1982.- «Bernardo Marques». In: Os anos 40 na arte portuguesa. Lisboa: FCG, 1982.- «Bernardo, anos 20». In: Bernardo Marques: desenho e ilustração nos anos 20 e 30. Lisboa: FCG, 1982.- «Breve intróito aos anos vinte». In: O grafismo e a ilustração nos anos 20. Lisboa: FCG: CAM, 1986 FREITAS, Maria Helena de - «Imagens e miragens de uma década». In: O grafismo e a ilustração nos anos 20. Lisboa: FCG: CAM, 1986.- «A Janela do Atelier». In: Bernardo Marques. Lisboa: FCG: CAM, 1989.MACEDO, Diogo de - «Bernardo Marques, apontamento inédito». In: Bernardo Marques, obras de 1950 a 1960. Lisboa: FCG, 1966.PAES, Sellés - Bernardo Marques. Lisboa: Ed. Notícias. Empresa Nacional de Publicidade, [s. d.]PEDRO, António - «Saudades do Bernardo Marques». In: Bernardo Marques, obras de 1950 a 1960. Lisboa: FCG, 1966.RUIVO, Marina Bairrão - [texto de apresentação e análise da obra]. In: Bernardo Marques. Lisboa: Fundação Oriente, 1991.- Bernardo Marques (1898-1962). Lisboa: Ed. Presença, 1993.SEGURADO, Jorge - «Bernardo Marques decorador». In: Bernardo Marques, obras de 1950 a 1960. Lisboa: FCG, 1966.TEIXEIRA, Luís - «Recordando Bernardo Marques». In: Bernardo Marques, obras de 1950 a 1960. Lisboa: FCG, 1966.
Carlos Ramos, por Bárbara Coutinho
Carlos Ramos - Anos 60
Arquiteto, urbanista e pedagogo, Carlos João Chambers Ramos (1897-1969) nasce no Porto em 15 de janeiro de 1897. A infância passa-a em Lisboa depois de seu pai, Manuel Maria de Oliveira Ramos (1862-1931), ter sido convidado para lecionar a cátedra de História na Faculdade de Letras. Durante a adolescência, Carlos Ramos convive, graças à profissão e conhecimentos de seu pai, com a elite cultural e intelectual do país, crescendo num ambiente pautado pela música e pela arte. Depois de conhecer e privar com o arquiteto Ventura Terra, decide seguir arquitetura e, em 1915, faz o exame de admissão ao curso especial de arquitetura civil juntamente com os seus amigos, Cottinelli Telmo, Paulino Montez e Leitão de Barros. Durante o curso, tem ainda como colegas Cristino da Silva, Pardal Monteiro e Carlos Rebelo de Andrade, formando o que considera ser o maior lote de arquitetos que a Escola de Lisboa jamais formara. A amizade com Almada Negreiros, Eduardo Viana e Mário Eloy nasce durante a década de 1910, década em que projeta o Bristol Club, em que assiste aos bailados russos, em que participa na efémera revista Sphinx e no projeto da Lusitânia Films e em que inicia a sua importante coleção de arte.Arquiteto do primeiro modernismo português, Carlos Ramos retrata-se a si próprio como membro de uma “geração de transigentes” [1] que teve de contemporizar ou mesmo abdicar de alguns dos seus ideais de forma a garantir a sua sobrevivência profissional. Nesta afirmação, Ramos mostra-se consciente dos custos e compromissos que implicou essa atitude. Depois da sua obra evoluir da influência art déco à afirmação da linguagem modernista, privilegiando a depuração e o tratamento rigoroso dos volumes [2], os projetos assinados entre 1930 e 1950 revelam-se qualitativamente irregulares. Testemunham o caráter eminentemente prático e epidérmico do modernismo nacional e a adoção de valores modernos utilizados como mais um vocabulário de uma linguagem eclética, cada vez mais historicista e revivalista. Deste modo, vemo-lo recorrer a um monumentalismo neoclássico, marcado por uma clara geometrização e uma frugalidade ornamental exterior quando se trata de representar o poder; a propor habitações, postos fronteiriços ou tribunais num regionalismo vernacular e com recurso a materiais de construção tradicionais; ou a projetar equipamentos públicos funcionalistas com técnicas e materiais modernos, como o betão armado e o vidro. Os inúmeros postos fronteiriços juntamente com os vários tribunais, equipamentos hospitalares e planos urbanísticos fazem dele uma figura importante na edificação da imagem arquitetónica do Estado Novo levada a cabo por Duarte Pacheco e pelo Ministério das Obras Públicas.Inerente a toda a sua obra arquitetónica está a procura em ultrapassar a aparente contradição entre os conceitos de modernismo e nacionalismo. Ao defender que nacionalismo não passa do conhecimento exato do espaço em que vivemos e modernismo a consciência exata do nosso tempo, Carlos Ramos procura encontrar, sem sucesso, a expressão arquitetónica que resultasse da articulação dos princípios funcionalistas com a especificidade nacional. Contudo, ao defender este princípio, antecipa o Regionalismo crítico dos anos cinquenta.Filho, sobrinho e neto de professores, Carlos Ramos toma a função educativa como o principal legado familiar. Para Ramos formar não é uma ação confinada à sala de aula nem se limita ao ensino de conhecimentos teóricos ou práticos. Formar é sobretudo transmitir uma ética profissional e uma consciência de classe que Ramos veicula através do seu exemplo, pois acredita que só com uma vida associativa forte e uma intervenção coesa dos arquitetos na sociedade civil é que se evitará uma outra geração de transigentes.
Carlos Ramos no atelier - finais dos anos 40
Deste modo, e por defender que depende da mudança do sistema educativo toda e qualquer evolução da arquitetura nacional, só possível quando “a educação estética de meia dúzia de gerações sucessivas fôr feita com cuidado, bom senso e um grande sentido de equilíbrio” [3], Carlos Ramos elege a formação como objetivo maior da sua vida. Em 1933 concorre ao lugar de professor da 4ª cadeira de arquitetura na Escola de Belas Artes de Lisboa, juntamente com Paulino Montez, Cassiano Branco e Cristino da Silva. Fá-lo em nome dessa consciência e da determinação profunda em mudar o considerado obsoleto sistema de ensino. Perdida esta oportunidade para Cristino da Silva, Ramos transforma rapidamente o seu ateliê em Lisboa numa escola prática para as novas gerações de arquitetos que, durante os anos 1930 e 1940, encontram no Largo de Santos um contraponto ao ensino academizante protagonizado pela Escola. No ateliê Ramos exerce um papel de extrema relevância na tomada de consciência das novas gerações que com ele convivem, trabalham e aprendem. Por ali passam Keil do Amaral, Dário Vieira, Adelino Nunes, Raul Tojal ou Nuno Teotónio Pereira, entre muitos outros. É neste período que se torna uma referência incontornável para as novas gerações “nem sempre atravez das suas obras em que foi, por vezes, forçado a transigências, mas sempre atravez de encorajamentos aos outros e da defeza inabalável do seu direito a quererem ser coerentes com o seu tempo” [4].Concorrendo para este entendimento da formação, Carlos Ramos elege a palavra como meio privilegiado de comunicação e partilha. Homem de grande cultura geral, detentor de um rápido e ágil raciocínio e de uma escrita clara e apelativa, distingue-se em palestras, conferências e debates em que participa pelo seu discurso eloquente e retórico de fino e acutilante humor. Sem ser autor de um profundo corpo teórico reflete criticamente sobre a evolução da arquitetura e a função e formação do arquiteto, acaba por ganhar notoriedade entre a sua geração que pouco ou nada deixou escrito. Para Carlos Ramos toda e qualquer reflexão é indissociável da comunicação enquanto veículo de transmissão de conhecimentos e experiências. Daí recorrer sistematicamente ao seu percurso como exemplo prático, a interjeições pessoais e a imagens alegóricas de modo a facilitar a compreensão do seu raciocínio a toda a plateia. A reforma do sistema de ensino é a outra temática constante das suas comunicações. E mesmo que tal não aconteça, emana de todos seus discursos uma forte consciência pedagógica.Mas é na Escola de Belas Artes do Porto que Carlos Ramos acabará por concretizar o seu pensamento. A praticabilidade efetiva deste pensamento inicia-se em 1940 quando substitui Marques da Silva e assume as funções de professor interino da 4ª cadeira de arquitetura. Até 1952 – à exceção de 1946 a 1948 em que leciona na Escola de Lisboa – Ramos introduz uma série de inovações no ensino da arquitetura. Instaura a prática de as provas de arquitetura serem antecedidas por duas lições e leva os alunos a confrontarem-se com programas contemporâneos fazendo-os trabalhar sobre a arquitetura hospitalar, os aquartelamentos, a habitação coletiva ou os planos urbanísticos, enquanto fomenta o contacto direto com a prática profissional. É assim que promove a colaboração efetiva de discentes e docentes da Escola do Porto em projetos da sua responsabilidade. Na porta da sala de aula um excerto da definição de arquiteto de Vitrúvio [5] relembra a todos que a formação é um ato contínuo e ininterrupto. No seu interior, Ramos promove a liberdade de expressão dos alunos, ajudando-os a desenvolver a sua capacidade de argumentação através da defesa das suas opções técnicas e formais. Máxima liberdade com máxima responsabilidade [6] é o lema constantemente repetido.Em 1952, Carlos Ramos abandona a sala de aula para assumir a direção da Escola. Durante 15 anos consegue criar e manter, longe do estreito espartilho ideológico do Estado Novo, um microcosmos profícuo para a afirmação de uma consciência social e política inseparável das novas tendências arquitetónicas dos anos 1950/60. Este é um objetivo conseguido à custa de cedências, compromissos e pontuais ambiguidades numa delicada diplomacia. Durante este período, Ramos assume-se como catalisador ao promover um conjunto de atividades extracurriculares que procuram fazer da Escola um espaço cultural: as Magnas – onde se sente o pulsar da Escola com a exposição dos trabalhos de alunos e professores de arquitetura, pintura e escultura numa união das três artes; as exposições autorais ou temáticas; os cursos de verão e viagens; os concertos, debates, colóquios ou ciclos de cinema.
Carlos Ramos atelier - 1968
A Escola nunca foi entendida como um fim em si próprio, mas antes um meio de prosseguir a sua ideia de pedagogia. A sua importância não está apenas no que fez, disse ou lutou; encontra-se sobretudo na criação de um espaço livre, incentivador da ação de outros. Ramos teve a particular capacidade de saber olhar e congregar à sua volta homens de diferentes gerações, chamando-os para a Escola. Se o seu axial objetivo é construir uma escola de pessoas, a sua maior herança encontra-se no sentido de escola que transmite aos seus discípulos. Ramos forma no Porto alguns dos nossos mais importantes arquitetos desde a década de 1960 até à atualidade, entre os quais se destacam Mário Bonito, João Andresen, Arnaldo Araújo, Octávio Lixa Filgueiras, Alexandre Alves Costa, Sérgio Fernandez, Fernando Távora, Manuel Mendes, Alcino Soutinho e Álvaro Siza Vieira. Os diferentes percursos tomados por estes arquitetos e a sua importância na afirmação da arquitetura nacional, no desenvolvimento do ensino ou na reflexão teórica e histórica testemunham, mais uma vez, a herança do mestre cuja qualidade mais valorizada é o seu profundo sentido de equipa. É por estas razões que Alexandre Alves Costa apresenta a sua geração com objetivos, atitudes e convicções completamente diferentes dos de Carlos Ramos, mas acaba por se confessar herdeiro deste ao afirmar – “sem ele, não seríamos o que somos” [7].Notas:[1] Carlos Ramos, Alguns problemas de Urbanismo, conferência organizada pelo ODAM, Ateneu Comercial do Porto, 1951 (manuscrito - Departamento de Documentação e Pesquisa – Centro de Arte Moderna).[2] O edifício Barros & Santos (1921/22) – depois Agência Havas, o Bairro Económico de Olhão (1925), o Pavilhão do Rádio (1927-1933), o projeto do Liceu Feminino Filipa de Lencastre (1929), o primeiro projeto para a Habitação Moreira de Almeida (1928) ou o Instituto Navarro de Paiva (1931) testemunham esta evolução.[3] Carlos Ramos, «Algumas palavras e o seu verdadeiro significado», Sudoeste, nº 3, 1935.[4] Keil do Amaral, Homenagem a Carlos Ramos. Discurso proferido no Tivoli, 1967 (manuscrito – espólio Carlos Ramos).[5] “Para conseguir ser um bom arquitecto, é necessário ter talento e interesse pelo estudo, já que nem o talento sem o estudo, nem o estudo sem o talento podem formar um bom arquitecto. O futuro arquitecto deve estudar gramática, desenvolver a técnica de desenho, estudar geometria, instruir-se em aritmética e ser versado em história. Saber ouvir os filósofos com aproveitamento, ter conhecimentos de música, não ignorar a medicina, conseguir unir os conhecimentos do direito aos da astrologia e astronomia”, Tradução livre da versão espanhola de Marco Vitruvio, Los Diez Libros de Arquitectura. Barcelona: Editorial Ibéria, 1997, p.6.[6] Fernando Távora, Evocando Carlos Ramos. rA. Revista da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, FAUP, ano I, nº 0, Out -1987, p.75[7] Alexandre Alves da Costa, Introdução ao Estudo da História da Arquitectura Portuguesa. Porto: FAUP, 1995, p. 95.Bibliografia:ALMEIDA, Pedro Vieira, FILGUEIRAS, Octávio Lixa, GONÇALVES, Rui Mário e RAMOS, Carlos Manuel, Carlos Ramos. Exposição retrospectiva da sua obra. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.COUTINHO, Bárbara dos Santos – Carlos Ramos (1897-1969): Obra, Pensamento e Acção. A Procura do Compromisso entre o Modernismo e a Tradição. Lisboa: FCSH/ UNL, 2001.COUTINHO, Bárbara dos Santos, “Carlos Ramos, Comunicar e Professor – Contributo para a Afirmação e Divulgação do Moderno” in AA.VV., Arquitectura Moderna Portuguesa. 1920 -1970. Lisboa: IPPA, 2004.____________________ACCIAIUOLI, Margarida – Exposições do Estado Novo 1934-1940. Lisboa: Livros Horizonte, 1998.ACCIAIUOLI, Margarida – Os Anos 40 em Portugal. O País, o Regime e as Artes. “Restauração” e “Celebração”, dissertação de doutoramento em História da Arte Contemporânea, F.C.S.H., U.N.L., Lisboa, 1991, 2 vol.ALMEIDA, Pedro Vieira de; FERNANDES, José Manuel – "A Arquitectura Moderna", in História da Arte em Portugal. Lisboa: Alfa, 1986. vol. XIV.ALMEIDA, Pedro Vieira de – Os concursos de Sagres. ”Representação 35” Condicionantes Consequências, dissertação de doutoramento, Universidade de Valladolid, 1998.BECKER, Annette; TOSTÕES, Ana; WANG, Wilfried (org.) – A Arquitectura do Século XX. Portugal. Lisboa, Frankfurt: Portugal-Frankfurt 97, DAM, 1997.COSTA, Alexandre Alves – Introdução ao Estudo da História da Arquitectura Portuguesa. Porto: FAUP, 1995FERNANDES, José Manuel – Arquitectura Modernista em Portugal [1890.1940]. Lisboa: Gradiva, 1993.FRANÇA, José-Augusto – A Arte em Portugal no Século XX. Lisboa: Bertrand,1974 (2ª ed., 1984).PEREIRA, Nuno Teotónio; FERNANDES, José Manuel – "A Arquitectura do Estado Novo de 1926 a 1959" in O Estado Novo das Origens ao Fim da Autarcia (1926-1959). Lisboa: Fragmentos, 1987. Vol. II, pp. 323-357.PORTAS, Nuno – "A Evolução da Arquitectura Moderna em Portugal: uma Interpretação" in Bruno Zevi, História da Arquitectura Moderna. Lisboa: Editora Ática, 1970-79. Vol II.TOSTÕES, Ana – Os Verdes Anos na Arquitectura Portuguesa nos Anos 50. Porto: FAUP, 1997.
Eugénio de Andrade, por Carlos Mendes de Sousa
Eugénio de Andrade nasceu em Póvoa de Atalaia (19. 01. 1923), uma aldeia da Beira Baixa onde passou a infância. Com oito anos de idade acompanha a mãe para Castelo Branco, e, em 1932, vão viver para Lisboa. Neste mesmo ano, termina os estudos primários que iniciara na aldeia natal. Em 1938, envia uma carta a António Botto, com alguns poemas, manifestando o desejo de o conhecer; momento particularmente importante, pois é nesse encontro com Botto que um amigo deste revela a Eugénio de Andrade a poesia de Fernando Pessoa, origem de um fascínio ilimitado. O conhecimento da literatura do autor da Mensagem será determinante para a afirmação de um estilo individual numa direção oposta à poética pessoana, naquilo em que esta se mostra distanciada da exaltação do sensualismo, da afirmação da corporalidade — vetores decisivos no trajeto poético de Eugénio de Andrade. Em 1942, dedicará o seu primeiro livro à memória de Pessoa. Outra influência marcante, nesses anos de formação, será a poesia de Camilo Pessanha. Este autor encarna o papel de mestre, sintetizando algumas das linhas idealisticamente perseguidas na poética eugeniana, como a musicalidade e a aguda consciência de que a poesia é ofício de artesão.É no ano de 1939 que, incitado por António Botto, publica uma plaqueta intitulada Narciso, o seu primeiro poema, ainda com o nome civil (José Fontinhas). Três anos depois é dado à estampa o primeiro livro, Adolescente (já com o pseudónimo), que, apesar de ter sido bem acolhido por algumas notas críticas na imprensa, seria posteriormente, por razões de ordem estética, renegado pelo autor. Esta posição estender-se-á ao seu segundo livro, Pureza, publicado em 1945. Bastante mais tarde, em 1977, numa edição de conjunto da sua obra, resgatará dez poemas daqueles dois livros, reunindo-os sob o título de Primeiros Poemas.Em 1943, Eugénio de Andrade instala-se na cidade de Coimbra. Torna-se amigo de Afonso Duarte, Carlos de Oliveira, Eduardo Lourenço e Miguel Torga; publica, em 1946, uma Antologia Poética de García Lorca. Regressa a Lisboa no final desse mesmo ano e, em 1947, ingressa no funcionalismo público. Publica em 1948 aquele que viria a ser o seu livro de consagração e o mais reeditado dos seus textos: As Mãos e os Frutos. Por essa altura faz amizade e convive com outros poetas como Mário Cesariny e Sophia de Mello Breyner Andresen. Fixa residência no Porto em 1950, onde passará a desempenhar as funções de inspetor dos Serviços Médico-Sociais até 1983, quando se reforma. Em 1956 morre a mãe, figura central na sua poesia, em cuja memória publica, dois anos depois, o livro Coração do Dia. Datam dos anos 50 os contactos pessoais com alguns poetas espanhóis da geração de 27 e a amizade com Teixeira de Pascoaes e Jorge de Sena. Além dos títulos já mencionados, publica As Palavras Interditas no ano de 1951; Até Amanhã, em 1956, e Mar de Setembro, em 1961.É de assinalar um grande interregno na sua produção poética após a publicação de Ostinato Rigore (1964); só no final de 1971 dá à estampa novo volume de poemas: Obscuro Domínio. A interrupção é importante do ponto de vista da linha evolutiva da obra; trata-se de um momento fulcral no sentido de uma viragem que resulta na amplificação da regularidade, que vai de As Mãos e os Frutos até Ostinato Rigore, em concreto ao nível das gamas lexicais e semânticas. A partir daqui, retoma o ritmo regular que vinha imprimindo à sua obra. Esta revelará contornos cada vez mais peculiares que denotam uma aguda consciência do percurso que se vai construindo: um profundo sentido de renovação, de diferença dentro de uma nítida linha de continuidades. O que já se verificava entre os livros publicados na primeira fase; daí que os contidos poemas de um livro como Até Amanhã, em relação ao qual com propriedade se pode falar de claridade apolínea, difiram dos poemas do livro anterior As Palavras Interditas, poemas mais extensos, marcados por uma imagética próxima de alguns textos dos poetas surrealistas. Com a publicação de Obscuro Domínio torna-se muito acurada, da parte do poeta, a necessidade de prosseguir no alargamento do círculo, o que passa por uma amplificação do espectro semântico. Nos últimos anos, a linha que vem traçando para a sua poética projeta um intencional caminho para o concreto, para o real. Um significativo gesto, neste sentido, é aquele que, em 1977, o leva a reabilitar poemas dos primeiros livros rejeitados. À medida que se aproxima do fim, vemo-lo mais atento a essa produção com o propósito claro de fundamentar a “tese” de que o real sempre esteve presente, de que a fundação da poesia assenta no real.Numa segunda fase, continuam a encontrar-se momentos tão diferentes como quando se confronta Véspera da Água (1973) com Limiar dos Pássaros, publicado em 1976. Este livro configura, no conjunto da produção poética de Eugénio de Andrade, uma espécie de nó onde se entrelaçam os principais núcleos de ressonância autobiográfica, texto denso do mais radical e perturbante olhar sobre esses núcleos. Outros livros apresentam assinaláveis marcas diferenciadoras dentro da continuidade estilística, podendo alguns deles ser aproximados por afinidades de diversa ordem, nomeadamente estruturais, caso de Memória doutro Rio (1978) e de Vertentes do Olhar (1987), onde ocorre uma comum matriz de narrativização dos poemas em prosa. Matéria Solar (1980) é um livro cujo metaforismo fulgurante se encontra próximo da equilibrada expressão de apaziguamento que irradia em Branco no Branco (1984). E se em O Peso da Sombra (1982) é onde mais notoriamente se manifesta a melancolia e a aguda consciência da passagem do tempo com seus efeitos sobre o corpo, a partir de O Outro Nome da Terra (1988) e Rente ao Dizer (1992) depara-se com um progressivo caminhar para o despojamento da expressão, aliado a uma atenção sábia às pequenas coisas da vida, às fulgurações da palavra, à cintilação das sílabas.Existe uma tendência manifesta para se identificar Eugénio de Andrade com alguns poemas antológicos, retirados na sua maioria dos primeiros livros (“Green God”, “Adeus”, “Os amantes sem dinheiro”, “As palavras interditas”, “Poema à mãe”, “Urgentemente”, “Litania”, “As palavras”, “Pequena elegia de Setembro”), assim como com alguns desses livros, como por exemplo, As Mãos e os Frutos ou As Palavras Interditas. A partir da década de 90, fomos assistindo, da parte do poeta, a um curioso esforço de correção dessa tendência. Se, nas sessões públicas, deu um maior destaque à última poesia, mais significativa será a inscrição do gesto em antologias organizadas por si, coletâneas que concedem um maior espaço aos poemas da última fase, como é o caso da antologia 30 poemas (Fundação Eugénio de Andrade, 1993). Quando aparentemente parece retomar os mesmos procedimentos retórico-estilísticos e composicionais, esta poesia revela “novas direções” dentro da uma espantosa linha de coerência interna.Os últimos livros (Ofício de Paciência, 1994; O Sal da Língua, 1995; Pequeno Formato, 1997; Os Lugares do Lume, 1998; Os Sulcos da Sede, 2001) vêm confirmar a busca incessante de uma linguagem transparente face à pulsação do real quotidiano.Em 1974, publicou Escrita da Terra e Outros Epitáfios, livro que foi sendo continuamente ampliado, ao longo dos anos, até ao seu desdobramento em volumes diferenciados (Escrita da Terra, 5ª edição, 1983; Homenagens e Outros Epitáfios, 8ª edição, 1993). A obra poética de Eugénio de Andrade encontra-se traduzida em diversas línguas (a seguir a Pessoa é o poeta português mais traduzido).Eugénio de Andrade revela-se igualmente um notável prosador. Publicou três livros em prosa: Rosto Precário (1979), Os Afluentes do Silêncio (1968), À Sombra da Memória (1993). No primeiro, para além das poéticas explícitas, incorpora um conjunto de entrevistas apuradamente reescritas numa direção que, como afirma Vasco Graça Moura, permite “organizar uma matriz para os traços possíveis de um retrato do escritor, espécie de Narciso espelhando-se complacentemente na pose da sua própria arte poética e na sua oficina”. Nos outros dois livros, encontramos textos sobre poetas, prosadores, pintores, escultores, arquitetos, fotógrafos, músicos, sobre as cidades e regiões que conheceu bem. Todas as observações e leituras surgem impregnadas da vivência autobiográfica, e em praticamente todos esses textos encontramos traços que espelham a própria poética autoral.Em 1976, Eugénio de Andrade publica História da Égua Branca uma narrativa para crianças, onde se podem encontrar traços que permitem falar de um diálogo com a obra poética. Essa sintonia torna a acontecer com o livro Aquela Nuvem e Outras (1986), pequeno volume que agrupa um conjunto de poemas dedicados ao afilhado, Miguel, que foram sendo escritos à medida que este ia crescendo.No domínio da tradução, a sua bibliografia inclui poemas e textos dramáticos de Lorca, uma tradução das Cartas Portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado, uma edição de Poemas e Fragmentos de Safo, e um livro com o título: Trocar de Rosa, que reúne traduções de poetas contemporâneos.O poeta organizou também diversas antologias, muitas delas de considerável êxito editorial, como foi o caso da Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, publicada em 1999; na fase final, organizou outra antologia panorâmica: Poemas Portugueses para a Juventude, publicada no ano de 2002. Assinalem-se também as recolhas de poemas de autores canónicos reunidos nos seguintes volumes: Versos e Alguma Prosa de Luís de Camões, 1972; Fernando Pessoa, Poesias Escolhidas, 1995; Sonetos de Luís de Camões, 2000. Em torno da poesia erótica portuguesa organizou: Variações sobre um Corpo (1972) e Eros de Passagem. Poesia Erótica Contemporânea (1982). Outro domínio de incidência dos volumes antológicos organizados por Eugénio de Andrade é o das recolhas de textos literários sobre cidades e regiões, como por exemplo: Daqui Houve Nome Portugal (1968), antologia consagrada ao Porto; Memórias de Alegria (1971), antologia que reúne textos sobre Coimbra; ou ainda Alentejo não tem Sombra: Antologia de Poesia Contemporânea sobre o Alentejo (1982). Para além destas recolhas, o poeta organizou algumas antologias com textos seus: Antologia Breve, 1972 (com sucessivas reedições atualizadas); A Cidade de Garrett, 1993; Chuva sobre o rosto, 1976; Coração Habitado, 1983; Com o Sol em cada Sílaba, 1991; Os Dóceis Animais, 2003.Em 1994, deixa a exígua morada na Rua Duque de Palmela, onde viveu durante décadas, e passa a viver numa casa, apoiada pela Câmara do Porto, onde funciona uma Fundação com o seu nome. Foi nesta casa, no Passeio Alegre, na Foz do Douro, que faleceu em 13 de junho de 2005.Eugénio de Andrade sagrou-se à poesia como uma espécie de monge que vê no poema a via da redenção. Afabilidade e rudeza, ascetismo e hedonismo nele coabitam sem qualquer espécie de tensão. O encanto desta poesia capaz de suscitar uma emoção tão viva provém em grande medida da extraordinária harmonia (“aliança primogénita entre a palavra e a música”) encontrada no corpo do poema. Torna real o símile da corporalidade, tornando a língua mais maleável.O poeta de Ostinato Rigore insere-se na tradição dos poetas artesãos, estatuto que para si mesmo reivindica. A recorrente insistência na afirmação do princípio orientador que o faz definir-se como poeta artesão tem óbvias implicações quanto ao rigor, observado no plano das micro-estruturas fónico-rítmicas e composicionais, mas também ao nível da conformação macro-estrutural de cada poema, de cada livro. Esta atitude traz consigo as mais fundas consequências face ao olhar vigilante exercido sobre a obra globalmente considerada, o que se torna cada vez mais notório nos últimos livros. Um núcleo restrito de obsessões configura o seu universo poético, recorrências que o poeta sintetiza nestas palavras: “fluir do tempo num jogo de luzes e de sombra; a ascensão e declínio de Eros, que não pode reduzir-se meramente à sexualidade; a descoberta do próprio rosto, entre os muitos que nos impõem; a dignificação do homem, num mundo mais empenhado em negar-lhe o corpo do que em negar-lhe a alma — preocupações maiores, ao que parece, da minha poesia, sem esquecer a face acolhedora e materna extensiva a tanta imagem de vida instintivamente feliz e aberta” (Rosto Precário). O que se observa na obra é a inter-relação destes valores que conformam a intrincada constelação de temas e motivos, de metáforas e imagens multiplicando-se incessantemente sob um efeito caleidoscópico.
Bibliografia AtivaPoesia:As Mãos e os Frutos (1948)Os Amantes sem Dinheiro (1950)As Palavras Interditas (1951)Até Amanhã (1956)Coração do Dia (1958)Mar de Setembro (1961)Ostinato Rigore (1964)Obscuro Domínio (1971)Véspera da Água (1973)Escrita da Terra e Outros Epitáfios (1974)Limiar dos Pássaros (1976)Memória doutro Rio (1978)Matéria Solar (1980)O Peso da Sombra (1982)Branco no Branco (1984)Vertentes do Olhar (1987)Outro Nome da Terra (1988)Rente ao Dizer (1992)Ofício de Paciência (1994)O Sal da Língua (1995)Pequeno Formato (1997)Os Lugares do Lume (1998)Os Sulcos da Sede (2001)Livros para crianças:História da Égua Branca (1977)Aquela Nuvem e Outras (1986)Livros de ProsaOs Afluentes do Silêncio (1968)Rosto Precário (1979)À Sombra da Memória (1993 TraduçõesPoemas de Garcia Lorca (1946)Cartas Portuguesas, atribuídas a Mariana Alcoforado (1969)Poemas e Fragmentos de Safo (1974)Trocar de Rosa (1980)AntologiasDaqui Houve Nome Portugal (1968)Memórias de Alegria (1971)Versos e Alguma Prosa de Luís de Camões (1972)Antologia Breve (1972)Variações sobre um Corpo (1972)Chuva sobre o Rosto (1976)Eros de Passagem. Poesia Erótica Contemporânea (1982)Alentejo não tem Sombra: Antologia de Poesia Contemporânea sobre o Alentejo (1982).Coração Habitado (1983)Com o Sol em cada Sílaba (1991)A Cidade de Garrett (1993)Fernando Pessoa, Poesias Escolhidas (1995)Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa (1999)Sonetos de Luís de Camões (2000)Poemas Portugueses para a Juventude (2002)Os Dóceis Animais (2003)
Bibliografia passiva sumáriaAA.VV., 21 Ensaios sobre Eugénio de Andrade, Porto, Inova, 1971.AA.VV., Ensaios sobre Eugénio de Andrade (coordenação de José da Cruz Santos; prefácio de Luís Miguel Queirós) Porto, Edições ASA, 2005.Cadernos de Serrúbia, nº 1, Porto, Fundação Eugénio de Andrade, Dezembro, 1996.Espacio/Espaço Escrito, Revista de literatura en dos lenguas, nº 19 e 20, Badajoz, Junta de Extremadura / Diputación de Badajoz, 2001.Relâmpago, nº 15, Fundação Luís Miguel Nava, Outubro de 2004.Textos e Pretextos (Eugénio de Andrade), nº 5, Inverno de 2004.Crespo, Ángel, “La poesía de Eugénio de Andrade”, in Andrade, Eugénio, Antología Poética (1940-1980), Selecção e tradução de Ángel Crespo, Barcelona, Plaza & Janés, 1981.Lopes, Óscar, Uma Espécie de Música: a poesia de Eugénio de Andrade, 2ª edição, Porto, Campo das Letras, 2001.Magalhães, Joaquim Manuel, Os Dois Crepúsculos, Lisboa, A Regra do Jogo, 1982.Morão, Paula, Poemas de Eugénio de Andrade: o Homem, a Terra, a Palavra. Apresentação crítica, selecção, notas e sugestões para análise literária por Paula Morão, Lisboa, Seara Nova / Editorial Comunicação, 1981.Moura, Vasco Graça, Várias Vozes, Lisboa, Presença, 1987.Nava, Luís Miguel, O Essencial sobre Eugénio de Andrade, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987.Saraiva, Arnaldo, Introdução à Poesia de Eugénio de Andrade, Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 1995.Sousa, Carlos Mendes de, O Nascimento da Música: a Metáfora em Eugénio de Andrade, Coimbra, Almedina, 1992.
Adérito Sedas Nunes, por Carlos LeoneAdérito Sedas Nunes (Lisboa, 1928 – Lisboa, 1991)Sedas Nunes pertence à geração que implantou definitivamente as ciências sociais na Universidade portuguesa, depois das tentativas mais ou menos amadoras e voluntaristas do passado. Nessa geração foi talvez a figura de maior relevo, pela capacidade que demonstrou para produzir investigação científica própria de qualidade, coordenar institucionalmente o trabalho de uma das raras Escolas da Universidade portuguesa e atuar ainda na luta política ao mais alto nível. Tudo isto tanto antes como depois de 1974.Formou-se em Economia, no ISCEF, onde iniciou igualmente a carreira como assistente em 1955, embora tivesse iniciado atividade profissional em 1952, no Gabinete de Estudos Corporativos. Sem estranheza, foi convidado para dirigir em 1956 o Centro de Estudos do Ministério das Corporações, do qual se demite dois anos depois em rutura com as politicas sociais do regime. De facto, a sua primeira obra, Situação e Problemas do Corporativismo (1954) apresenta logo de inicio uma clara critica das instituições do regime, que bem conhecia pois, ainda estudante, organizara na companhia de Maria de Lurdes Pintassilgo o I Congresso da Juventude Universitária Católica (em 1953).Empenhou-se na conversão do GEC em Gabinete de Investigações Sociais e na criação da revista Analise Social, a mais consolidada publicação do género em Portugal. Em publicação contínua até hoje.Será neste período e nestes moldes que desenvolverá a sua pesquisa sobre temas sociológicos, como a composição social da população de Portugal e o subsistema universitário, à época em enorme convulsões. Sem ser possível, em rigor, reduzir a sua pesquisa a apenas uma área, merece no entanto destaque a reflexão que desenvolveu em torno da noção de sociedade dual, ou dualista, como explicação para as singularidades portuguesas de então. Esta linha de trabalho prolonga uma pista já lançada por António Sérgio nos anos ’20, mas nunca prosseguida. Sem ser ‘sergiano’, Sedas Nunes participara contudo (na JUC) na campanha de Delgado, porventura o último momento de real influência de Sérgio e no qual perdera as ilusões quanto a eventuais reformas do regime pelo seu próprio esforço. Ao dedicar-se a desenvolver as ciências sociais, banidas pelo Estado Novo sob a acusação genérica de ‘marxistas’, Sedas Nunes optou por uma especialização científica à qual o empenhamento cívico dos da geração de Sérgio nunca permitiu grandes progressos e, com isso, conseguiu fazer avançar as intuições do ensaísta com método mais sólido. A caracterização de Portugal como uma sociedade dualista, no fundo uma sociedade cindida em duas sem verdadeira comunhão, e a extração das efetivas consequências desse fenómenos na década de 1960 (o êxodo rural revelava-se um êxodo nacional, alimentado pela fuga à pobreza e à guerra colonial ao mesmo tempo), o economista feito sociólogo destacou-se da maioria dos seus pares e, mesmo apra os exilados nesse período, o seu trabalho era importante, como o comprova a referência, em trabalho de 1970, de Hermínio Martins ao seu nome a pretexto deste tema, como sendo o mais importante disponível (Martins, formado já em Inglaterra também em Economia e encaminhando-se igualmente para a Sociologia, embora mais próximo de Sérgio apresenta também a sua própria visão destes processos; o texto de 1970, e outros, foram posteriormente publicado em Português em 1998, sob o título Classe, Status e Poder).Esteve em 1972, já catedrático, na génese do ISCTE onde, a seguir ao 25 de Abril de 1974, a licenciatura que criara com a designação eufemística de ciências do trabalho se torna a primeira de Sociologia a surgir em Portugal. Muito ativo, esteve também ligado ao surgir da Universidade Católica e da Universidade Nova de Lisboa, onde encerra a sua atividade docente. A partir de 1982 dedica-se exclusivamente à investigação no Instituto de Ciências Sociais (Universidade de Lisboa), que institucionalizara durante o seu breve período no governo de Pintassilgo (como ministro da Cultura e Ciência), embora o consumar do processo ainda tardasse um pouco. Manteve-se na direção do instituto até pouco antes de morrer.Além desta carreira e atividade científica, e como que a demonstrar a estreiteza dos subsetores sociais da sociedade dual portuguesa, Sedas Nunes exerceu uma quantidade imensa de outros cargos, dos quais listamos apenas alguns: subinspetor da Assistência Social e membro da Comissão de Saúde Rural, adjunto da direção do Instituto Nacional de Investigação Industrial (década de 1950); consultor do instituto Francês em Portugal e da Fundação Calouste Gulbenkian, para processos de apoio a estudantes portugueses no estrangeiro (década de 1960); de 1969 a 1974 foi procurador à Câmara Corporativa, na Secção de Economia e Finanças; Presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (1976/7). Membro de numerosos corpos académicos e professor visitante de várias universidades no Brasil, em Espanha, na Alemanha e nos EUA, entre outros países, recebeu em vida e postumamente prémios e distinções públicas reveladoras da sua influência e prestígio. Entre as suas obras mais relevantes, contam-se Princípios de Doutrina Social (1958, prefaciado pelo Bispo do Porto), Sociologia e Ideologia do Desenvolvimento (1968), Questões Preliminares Sobre as Ciências Sociais (1972) e História dos Factos e Doutrinas SociaisAnálise Social na década de 1960 surgiu na Imprensa do ICS, organizada por uma sua discípula, Maria Filomena Mónica (cf. Referências).Referências bibliográficasLeone, Carlos, Portugal Extemporâneo, vol. 2, INCM, Lisboa, 2005.Filomena Mónica, Maria, org., Antologia Sociológica de Adérito Sedas Nunes, ICS, Lisboa, 2000.Estêvão Ferreira, Nuno, A Sociologia em Portugal: da Igreja à Universidade, ICS, Lisboa, 2005. (1992), Mais recentemente, uma coletânea de alguns dos seus mais importantes artigos sobre a Universidade publicados na
Agostinho da Silva, por Carlos Leone
Filólogo de formação mas mais conhecido como filósofo, Agostinho da Silva nasceu no Porto em 1906 e faleceu em Lisboa em 1994. A sua vida e Obra são um dos casos mais interessantes da cultura portuguesa contemporânea, ao sintetizarem simultaneamente aspetos contraditórios da cultura portuguesa e interagirem de forma original com os contextos históricos variados que conheceu. Estes podem ser agrupados em três, para melhor apresentar de forma breve o pensamento do autor: o contexto de formação, o contexto de maturidade e o contexto de celebridade mediática.1. Por contexto de formação referimo-nos ao período anterior à sua partida para o Brasil (em 1944). Não corresponde portanto a um simples período de juventude, antes à sua maturação intelectual e gradual afastamento da ordem política do Estado Novo que começara a vigorar já na idade adulta de Agostinho da Silva. Apesar de professor em vários liceus, a sua desafecção ao regime era manifesta e, não tendo sido suficiente para o forçar ao exílio, foi no entanto ela que tornou o abandono de Portugal apetecível. Como muitos outros da sua geração, partiu para o Brasil, mas não em busca de liberdades modernas, antes concretizou aí um conjunto de ideais relativos à sua visão de Portugal e da sua História que começara já a elaborar em Portugal (apesar de os seus livros escritos ainda em Portugal não o revelarem, cf. Considerações, de 1944, Diário de Alcestes e Sete Cartas a um Jovem Filósofo, de 1945). A sua formação científica e cultural, conhecedor dos meios literários nacionais (chegou a conhecer Fernando Pessoa em Lisboa), bem como a sua integração em círculos em que a doutrina saudosista de Teixeira de Pascoais era bem-acolhida, fizeram-no estar em contacto cultural e político com muitos aspetos da vida portuguesa da I República muitas vezes opostos, pelo que não surpreende que o clima de controlo e regulação social mais estrita das primeiras décadas do salazarismo lhe fossem particularmente desagradáveis. Em termos intelectuais, o conflito institucional com o regime, enquanto professor, força-o a iniciar uma carreira de publicista que anuncia de forma apenas muito vaga algumas das suas preocupações futuras (o início da sua colaboração com a Seara Nova data de 1928).Por tudo isto, o seu período de formação não revela já as ideias que irão marcar a sua maturidade como autor e, posteriormente, a sua celebridade mediática, mas é um elemento essencial a ter em conta para perceber o porquê das posições teóricas e pessoais que irá assumir até morrer, boa parte delas bem distintas da maioria dos intelectuais que o salazarismo afastou de Portugal.2. Uma vez no Brasil, que percorre desde as maiores cidades às mais remotas povoações na selva, empenhado permanentemente em projetos pedagógicos (a par de Eudoro de Sousa, fui fundador de várias universidades que, em início de atividade, precisavam de catedráticos para os seus quadros, recorrendo aos seus serviços, pois estava sempre pronto a começar de novo), Agostinho da Silva desenvolve cada vez mais uma componente filosófica do seu pensamento, que parte da mitologia clássica que conhece pela sua formação académica e se prolonga pelo pensamento mítico em geral. Assim, na década de 1950 integra o chamado Grupo de São Paulo (cf., na Bibliografia, Marcondes César), fundado por Miguel Reale (filósofo brasileiro, não confundir com o português Miguel Real, autor de um título muito útil para o leitor, cf., na Bibliografia, Real) e ao qual pertenciam também o já referido Eudoro de Sousa e o casal Dora e Vicente Ferreira da Silva. E, sintomaticamente, logo em 1957 e 1959, surgem as grandes formulações da sua doutrina providencialista de Portugal (da sua História e do seu povo), em dois livros aparentemente dedicados a matérias literárias: Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa e Um Fernando Pessoa. Como o estudo sobre ‘um’ (note-se, não pretendia reduzir o complexo Pessoa àquele que ali era apresentado) Pessoa pretende encontrar na especulação desenvolvida por este sobre o V Império a confirmação do pensamento do próprio Agostinho da Silva sobre o “Império do Espírito Santo”, temos aqui um caso claro de como a variedade de experiências de formação de Agostinho se plasmou na sua obra de maturidade. Em rigor, há que ter em conta uma outra influência, a da visão da história de Portugal do genro de Agostinho, Jaime Cortesão, fortemente marcada por uma idealização da monarquia medieval e da expansão marítima do início da idade moderna que não resistiu aos avanços da historiografia e das ciências sociais portuguesas da segunda metade do século XX (por Orlando Ribeiro, Vitorino Magalhães Godinho, e vários outros, sobre isto cf. na Bibliografia Leone, espec. Parte II).Ao encontrar na vida rural brasileira uma materialização dessa imagem idealizada das relações sociais de um Portugal medieval irremediavelmente perdido, Agostinho da Silva concebe a tese de uma missão universal portuguesa, a de realizar e dar a conhecer uma nova forma de vida para toda a humanidade, de que a expansão marítima fora apenas o começo, interrompido por uma adesão (aliás mal sucedida) às tendências politicamente centralizantes e cientificamente racionalizantes da Europa moderna. O termo “missão” carrega um determinismo com que o próprio autor não se sentia confortável, mas que de certo modo era inescapável, pois toda a linguagem com que Agostinho da Silva descreve esse Portugal tardo-medieval, no início da expansão marítima, é marcadamente moral, ela veicula um sentido para a ação histórica, sentido esse que, naturalmente, carece de uma conclusão ainda por se consumar. Quer em Reflexão, quer depois em textos recolhidos sob o título Dispersos ou ainda no belo, até tocante, título Ir à Índia sem sair de Portugal, essa imagem da História de Portugal compõe-se de momentos de crise, o primeiro negativo (cisão de Portugal face à Galiza, por ação de D. Afonso Henriques), os seguintes positivos: expansão para sul, concretizando o ideal Templário cristão e integrando o Portugal ‘verdadeiro’ na senda de São Bernardo de Claraval, seguido da introdução em Portugal do culto do Espírito Santo pelos franciscanos (traço de clara ligação a Cortesão e que terá consequências na sua visão do futuro de Portugal, como veremos) e, por fim, a organização de um reino típico da I Dinastia, descentralizado, retomando os traços essenciais do que Cortesão havia exposto desde a década de 1930. Ora, estas sucessivas crises (momentos de viragem) soçobram perante o emergir da modernidade (fim da primeira Dinastia), com a centralização política, a mercantilização da exploração marítima, enfim, com a sistematização própria da modernidade que retira a faceta amorosa (é o termo) que a expansão inicial de Portugal comportava e a encerra numa forma que não é sua, ao ponto de, em 1580, perder a sua independência. Mas como Agostinho da Silva diz algures, Alcácer-Quibir foi a sorte do Brasil, e, como não se cansou de repetir, o Brasil é o melhor de Portugal (menos conhecido do que o célebre “o brasileiro é o português à solta”). Nesse Brasil intocado pela modernidade que foi encontrar em pleno século XX na selva amazónica, Agostinho da Silva entendeu reencontrar o Portugal primevo e valioso, aquele que, depois de ensinar ao mundo que todo o mundo é apenas um arquipélago, poderia agora, enfim, ensinar uma unidade espiritual bem diferente da segmentação da vida e da separação das esferas da cultura próprias da modernidade.É esta ideia de resistência à modernidade, ao vê-la como corruptora da pureza original do cristianismo (o lamentar o fim da Idade Média em pleno século XX) que afasta o pedagogo Agostinho da Silva da corrente iluminista dominante sobre pedagogia, ao ponto de ver na escola um problema e não uma solução, pois a escola atual ensina a trabalhar, quando a vida verdadeira será ocupação, sim, mas não trabalho como até aqui, cabendo esse cada vez mais a máquinas (fez um bom resumo da tese em 1970, A Educação de Portugal, publicado apenas em 1989). Nesta ingenuidade sobre a transição dos modos de produção encontramos de novo o determinismo, aqui não histórico mas sociológico e económico; mas sempre messiânico. Isto porque o ensinamento a extrair do Brasil por Portugal, para o mundo, a saber, o advento da Idade do Espírito Santo, surge como uma superação das formas de organização social moderna (capitalismo, liberalismo, socialismo, comunismo) e na identificação com uma ética católica não-clerical (o franciscanismo de Jaime Cortesão), espécie de regresso ao passado para alcançar o futuro (saudades do futuro, à boa maneira saudosista). Nesta nova era, feita à imagem do culto popular do Espírito Santo, as características atribuídas ao espírito da criança são dominantes, daí o papel predestinado de Portugal, visto como consagrado àquele culto; essas características são bem opostas à visão científica da criança, são de tipo religioso-místico: a criança como ser puro, em contacto com o inconsciente, livre e dada ao simbolismo espontâneo, isto é, uma criança ao inverso da modernidade europeia sem por isso ser reacionária. Apetece dizer, uma criança como o menino Jesus que fugiu do Céu no Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro.3. Estes pormenores não importaram muito para a celebridade mediática de Agostinho da Silva, na passagem da década de 1980 para a de 1990, promovida pela comunicação social e sobretudo pela TV (o programa de entrevistas Conversas Vadias está já reeditado em DVD). À época, essa celebridade foi apenas uma expressão da consciência dúplice de Portugal, bem contrária à imagem idealizada que Agostinho da Silva mantinha, a de um povo que, gozando da integração europeia, recuperava naquele discurso benévolo e imaginativo, um sentido de singularidade que sentia não poder ter. Como de costume, a unanimidade foi quase instantânea e desapareceu por completo pouco depois (nota dissonante foi Manuel Maria Carrilho, sempre crítico). Foi um equívoco, mas não sem fecundidade, como a atual celebração do centenário do nascimento do autor (iniciada em 2004, com a sua evocação no décimo aniversário da sua morte) revela, ao originar uma reedição sistemática da sua Obra e numerosos estudos de valor, ainda não disponíveis para incluir na bibliografia que referimos mas que o leitor pode procurar em breve, graças ao trabalho da Associação Agostinho da Silva (neste momento, merece nota o volume da série O Essencial sobre, da Imprensa Nacional, cf. na Bibliografia, Valente Pinho). E público parece não faltar, como que para manter vivas as esperanças proféticas.Bibliografia (secundária)
Leone, Carlos, Portugal Extemporâneo, INCM, Lisboa, 2005 (vol. 2).
Marcondes César, Constança, O Grupo de São Paulo, INCM, Lisboa, 2000.
Real. Miguel, Portugal – Ser e Representação, Difel, Algés, 1998.
Valente Pinho, Romana, O Essencial sobre Agostinho da Silva, INCM, Lisboa, 2006.
António Gedeão, por Fernando J. B. Martinho
Nascido em 1906, contemporâneo dos poetas da presença, só em 1956 António Gedeão (1906-1997; pseudónimo de Rómulo de Carvalho, metodólogo de Ciências Físico-Químicas no ensino secundário, autor de trabalhos nos domínios da didática das disciplinas da sua especialidade, e da historiografia e divulgação científicas) publica o seu primeiro livro de poemas, Movimento Perpétuo. Entre esse ano e 1961 dará a público outras duas coletâneas, Teatro do Mundo, 1958, e Máquina de Fogo, tendo oportunidade logo em 1964 de reunir a sua produção poética nas Poesias Completas, acompanhadas de um importante e exaustivo estudo de Jorge de Sena, também ele homem de formação científica. Até aos princípios dos anos 90, as Poesias Completas, que a partir da 2ª edição, em 1968, passam a incluir Linhas de Força, de 1967, conhecerão uma dezena de edições, circunstância muito rara no panorama da edição poética portuguesa de Novecentos e que dá bem a medida da popularidade alcançada durante esse período pela obra de António Gedeão, que beneficiou igualmente da difusão que lhe foi dada por alguns nomes importantes da nossa música popular e de intervenção.No momento em que António Gedeão se estreia como poeta (sublinhe-se que já então é autor de trabalhos didáticos ou de divulgação científica e que, como pode ver-se na edição da Obra Completa, de 2004, desde muito jovem escreve poemas), é muito forte entre os autores emergentes a consciência de fazerem parte de uma tradição moderna, que remonta aos tempos do Orpheu, ou mesmo a certas figuras-chave anteriores como Cesário, Nobre ou Pessanha. Jorge de Sena dirá que Gedeão realiza, na sua poesia, uma síntese das grandes conquistas do Modernismo, e, em certo sentido, poderá mesmo afirmar-se que ele é um dos primeiros a levá-las a um público mais alargado que a lírica moderna, com algumas das suas ousadias, ainda não fora capaz de aliciar. A par de uma original reelaboração do legado modernista, sem dificuldade se reconhece igualmente nos versos de António Gedeão um poeta identificado com o espírito do tempo que presidiu à sua estreia literária. Assim o vemos, numa época dominada pelas filosofias da existência, entregue ao «desespero», a um mal-estar que vem das zonas mais fundas e turvas da consciência de existir. Ou dando expressão aos seus receios perante a «bomba», a capacidade de autodestruição do homem, em tempo de guerra fria. Esse pessimismo casa bem com a condição que é também a sua de herdeiro do ceticismo iluminista: «Os homens nascem maus./ Nós é que havemos de fazê-los bons.» Mas a herança do iluminismo permite-lhe, ao mesmo tempo, alimentar a confiança no homem: «Eu sou o homem. O Homem./ Desço ao mar e subo ao céu./ Não há temores que me domem./ É tudo meu, tudo meu.» Desse mesmo legado é possível aproximar, por outro lado, a sage ironia que o leva, em “Poema do fecho éclair”, a meter a ridículo o poder de um dos grandes do mundo por tudo possuir mas não conhecer um dos mais correntes artefactos do homem moderno, ou, em “Dia de Natal”, a fazer a denúncia do desenfreado consumismo próprio dessa quadra.Numa fase da evolução da nossa lírica moderna em que já se verificara o alargamento dos domínios da poesia ao que era tido por não poético, uma das grandes novidades que os versos de António Gedeão trazem é a presença, muito marcada, neles da linguagem científica. Homem de ciência, ligado a conceitos e terminologias que preenchem quotidianamente a sua atividade, não separa, na sua poesia, Rómulo de Carvalho do seu alter ego literário António Gedeão. Pelo contrário, chega a fazê-los coexistir num mesmo texto, como acontece na famosa “Lição sobre a água”, em que o leitor colhe a impressão de que é o cientista que fala nas duas primeiras estrofes, para, na estrofe final, ceder a voz ao poeta. De outras vezes, à expressão da indignação do humanista, tantas vezes já gasta pela retórica do panfletarismo, prefere o poeta a austera eficácia da demonstração e da evidência científicas, como na antologiadíssima “Lágrima de preta”. A isto acresce o uso recorrente de termos científicos, respondendo a uma indeclinável necessidade gerada pelos próprios temas, sem que o poeta ponha de parte um dos grandes prazeres que a sua arte lhe reserva, o da nomeação, para o caso incidindo no que é a sua experiência interiorizada de todos os dias de homem de ciência. E aqui é a linguagem poética que se enriquece e as imagens e metáforas que ganham outro fulgor e novos modos de nos surpreender, numa decidida ampliação do campo expressivo, com o recurso a realidades evocadas por termos como, entre muitos outros, «protoplasma», «cisão do átomo», «neutrão», «colódio», «ácidos», «bases», «sais», «cloreto de sódio», «suspensão coloidal», «dissolvente», «aminoácido».No plano da forma da expressão, é possível traçar uma linha evolutiva na poesia de Gedeão, entre o livro de estreia em meados dos anos 50 e a última coletânea, vinda a lume em 1990. Permitir-nos-á ela notar a predominância do metro regular nos livros publicados na década de 50, Movimento Perpétuo e Teatro do Mundo, a adoção de ritmos mais livres embora mantendo-se ainda o uso da rima nos volumes editados nos anos 60, Máquina de Fogo e Linhas de Força, e uma clara opção pelo verso livre não rimado nas duas últimas coletâneas, Poemas Póstumos, de 1983, e Novos Poemas Póstumos, de 1990. Nuns casos a forma escolhida aproxima-se das formas legadas pela tradição, que podem ser as que têm origem na poderosa tradição romancística, como se observa em “Cavalinho, cavalinho” e em “Ai Silvina, ai Silvininha”, ou as que entram num processo de interlocução com a tradição culta, trazendo à memória ora as Barcas vicentinas, em “Fala do homem nascido” ( «Minha barca aparelhada/ solta o pano rumo ao norte;/ meu desejo é passaporte/ para a fronteira fechada./ Não há ventos que não prestem/ nem marés que não convenham,/ nem forças que me molestem,/ correntes que me detenham» ), ora um dos mais glosados poemas de Camões em “Poema da auto-estrada”, aqui por via da distorção paródica ( «Voando vai para a praia/ Leonor na estrada preta./ Vai na brasa de lambreta.» ). Noutros casos, as suas opções formais aproximam-se, já no âmbito da tradição moderna, da combinação de diversos metros tão do agrado dos poetas da presença, ou, como é o caso, nos dois últimos livros, de modo mais nítido, do versilibrismo mais ou menos radical de que o Modernismo fez, em diferentes momentos, um dos seus mais apregoados instrumentos de libertação.Registe-se ainda a incursão, em 1973, de António Gedeâo pela ficção narrativa em A Poltrona e Outras Novelas, e, em 1963 e 1981, pela literatura dramática, em RTX – 78/24 e História Breve da Lua, respetivamente, textos estes que podem ler-se, para além de um conjunto de ensaios literários, em Obra Completa, de 2004.Bibliografia SumáriaAtiva:Poesia:Obra Poética, 2001.Ficção Narrativa:A Poltrona e Outras Novelas, 1973.Teatro:RTX – 78/24, 1963.História Breve da Lua, 1981.Obra Completa:Obra Completa, 2004. Notas introdutórias de Natália Nunes.Passiva:Jorge de Sena, “A poesia de António Gedeão ( esboço de análise objetiva )”, com um “Post Scriptum 1968”, a partir da 2ª ed. das Poesias Completas, 1968.Bibliografia de António Gedeão/ Rómulo de Carvalho, em António Gedeão , 51+3 Poems and Other Writings ( trad. de Christopher Auretta e Marya Berry ), org. de A.M. Nunes dos Santos, 1992.Pedra Filosofal. Rómulo de Carvalho/ António Gedeão, dir. Luísa Corte-Real e Marta Lourenço, 2001.Natália Nunes, “Notas introdutórias”, Obra Completa, 2004. Inclui alguma bibliografia passiva, no fim do volume.
Aquilino Ribeiro, por Serafina Martins
"Alcança quem não cansa", diz o ex-libris de Aquilino Ribeiro. Não poderia ter escolhido melhor este escritor, que se designava a si próprio como um "obreiro das letras" e que trabalhou incansavelmente quase até ao dia da sua morte, chegada a 27 de maio de 1963; foi pouco depois de uma viagem ao Porto; aí ocorrera mais uma das muitas homenagens com as quais nesse ano, precisamente, o país consciente (e temerário) prestava tributo aos cinquenta anos de trabalho do "mestre", cuja arte de ficcionista, descontando alguma prosa de folhetim, começara a vir a lume em 1913, com a publicação do volume de contos Jardim das Tormentas.Nascido a 13 de setembro de 1885 no concelho de Sernancelhe, freguesia de Carregal de Tabosa (uma lápide assinala a casa onde se julga que nasceu), filho de Mariana do Rosário Gomes e do padre Joaquim Francisco Ribeiro, tem uma infância, ao que se sabe, de miúdo um pouco mais que travesso, a tal ponto que ainda hoje é possível encontrar na zona quem tenha ouvido contar histórias picarescas de um menino destinado pela família à vida de sacerdócio. A sua ida para o Colégio da Senhora da Lapa, em 1895, seria o início de um percurso que o leva seguidamente para Lamego, mais tarde para Viseu (ano de 1902), onde vai estudar Filosofia, e, pouco tempo depois, para o Seminário de Beja, frequentado, ao que consta, pelos ordenandos mais recalcitrantes. Em 1904 é expulso do seminário, depois de ter dado uma réplica cortante a uma acusação do Padre Manuel Ançã, um dos dois irmãos que ao tempo dirigiam a instituição.
Registos deste tempo juvenil encontramo-los ficcionados em A Via Sinuosa, no díptico Cinco Réis de Gente e Uma Luz ao Longe, com o decurso da ação, neste último título, no Colégio da Lapa, e sob a forma de memórias em Um Escritor Confessa-se, publicado postumamente. Neste volume, contudo, encontramos fundamentalmente relatos de um tempo tão empenhado politicamente como aventuroso, do qual há também relato ficcional no romance Lápides Partidas, que prossegue a história de A Via Sinuosa. É o tempo que, pese embora algumas intermitências, Aquilino Ribeiro passa em Lisboa, chegado em 1906; aí, divide-se pela escrita, com artigos de opinião publicados em jornais como A Vanguarda, jornal republicano, pela tradução (traduz Il Santo, de Fogazzaro) ou pela redação, em parceria com José Ferreira da Silva, do folhetim A Filha do Jardineiro, uma ficção ao mesmo tempo de propaganda republicana e de crítica corrosiva às figuras do regime monárquico, a começar por D. Carlos.
Verdadeiro "homem de ação", um tipo social que o princípio do século XX muito exaltou, adere por completo às movimentações republicanas, quer através de um posicionamento pela escrita, quer através da participação em atividades que acabam por levá-lo à cadeia. De facto, no ano de 1907, o rebentamento de caixotes de explosivos guardados na sua casa leva à morte de dois correligionários e a que seja encarcerado na esquadra do Caminho Novo, de onde se evade em situações rocambolescas, como se pode ler no volume de memórias antes mencionado. Depois de alguns meses de clandestinidade em Lisboa, segue para Paris; aqui inscreve-se no curso de Filosofia da Sorbonne, onde tem a oportunidade de receber a lição de mestres como George Dumas, André Lalande, Levy Bruhl, Durckeim, e onde contacta com a intelectualidade portuguesa que, também por motivos políticos, se via forçada a viver fora de Portugal.
O curso, a política, os projetos editoriais que vai desenvolvendo com os companheiros de exílio (parte destas circunstâncias vêm relatadas em Leal da Câmara, uma biografia deste pintor), as crónicas que envia para Portugal, para publicação, nomeadamente na Ilustração Portuguesa e no jornal A Beira, a observação, as pesquisas de bibliófilo ainda lhe deixam tempo para escrever, na biblioteca da Sainte Geneviève, perto da Sorbonne, o volume de contos Jardim das Tormentas. Também em Paris, conhece Grete Tiedemann, sua primeira mulher e mãe do filho mais velho. No dealbar da guerra mundial, é forçado pelas circunstâncias a regressar ao seu país com a família (volta em 1914); a vida parisiense dos tempos que antecedem o advento do conflito vem relatada no volume diarístico É a Guerra, no qual ganha proeminência a crítica àquele que era na altura o ministro da Legação de Portugal em Paris, João Chagas. Fica incompleto o curso de Filosofia, que deixa para trás já depois de se ter matriculado no quarto ano, como se pode ver em registos guardados no Centre d'Accueil et de Recherche des Archives Nationales (Paris).Já em Portugal, ocupam-no, para além da escrita ficcional e da escrita cronística para a imprensa periódica (uma atividade que desenvolverá com enorme regularidade ao longo de toda a sua vida), o trabalho de professor no Liceu Camões, onde fica durante três anos, e, posteriormente, o cargo de segundo bibliotecário na Biblioteca Nacional, para onde entra a convite de Raul Proença. Este posto, entre outras vantagens, dá-lhe a possibilidade de alimentar o seu gosto de bibliófilo pelo livro antigo, raro, um gosto que o levará produzir trabalhos de índole investigativa, publicados, por exemplo, nos Anais das Bibliotecas e Arquivos, e que transparece também na produção romanesca (veja-se A Via Sinuosa, o seu primeiro romance). Além disso, com colegas de trabalho - um "grupo de intelectuais altamente representativo da mentalidade do tempo", como escreveu Manuel Mendes - continua a desenvolver uma atividade cívica que vai ter a sua expressão mais visível na revista Seara Nova, publicação preponderante quer na difusão dos ideais republicanos (sociais e educativos, nomeadamente), quer mesmo no evoluir da conturbada vida política da 1.ª República.A sua faceta de "homem de ação", como já se viu, deu frutos ainda nos anos finais da monarquia (ainda hoje há quem se interrogue se no dia do regicídio Aquilino terá sido a "terceira carabina do Terreiro do Paço", para usar uma expressão de Batista Bastos) e torna vincadamente a manifestar-se com a sua participação, em 1927, na revolta frustrada contra a ditadura militar sequente ao golpe de 28 de maio de 1926, sendo por isso obrigado a refugiar-se em Paris. De regresso a Portugal, volta a participar numa ação antirregime (no chamado movimento do regimento de Pinhel), mas é capturado e levado para a prisão do Fontelo, em Viseu (um edifício que ainda hoje se pode ver nesta cidade). Foge também desta vez, esconde-se pelas serranias beirãs e enceta uma difícil jornada que de novo o levará até Paris; destas experiências de ativista político aproveitará também o escritor, no enredo, por exemplo, de O Arcanjo Negro (redigido em 1939-40, mas, devido a problemas com a censura, publicado apenas em 1947) ou de O Homem que Matou o Diabo. Sublinhe-se que na década de 20 publicara duas obras que, a par de Terras do Demo e de A Casa Grande de Romarigães, constituem dois dos seus textos mais emblemáticos: o picaresco Malhadinhas, primeiro inserido no volume de novelas Estrada de Santiago, depois em edição independente, e o extraordinário Andam Faunos pelos Bosques, uma sátira genial, mas tolerante ao conservadorismo cristão e um hino ao amor livre, consagrado tanto pelo anarquismo (que Aquilino chegou a abraçar mais do que intelectualmente) como pela palavra bíblica de Antigo Testamento, ponto de retorno constante do seu pensamento dúctil e cultivadíssimo.
O tempo de exílio termina em 1932, ano em que regressa ainda clandestinamente a Portugal; tinha entretanto casado em segundas núpcias (a primeira mulher morrera no ano de 1927) com Jerónima Dantas Machado, filha de Bernardino Machado, o presidente da República deposto por Sidónio Pais. O único filho do casal, segundo de Aquilino, nasce em 1930, ainda fora do país. Também em 1932, é aministiado (tinha sido julgado e condenado à revelia em 1929), o que lhe permite regressar à capital (fixando-se, mais precisamente, na Cruz Quebrada); acalmados, de um lado, os génios conspirativos e, de outro lado, os génios persecutórios, tem a possibilidade de se dedicar plenamente à escrita, continuando a produção ficcional, o trabalho de tradução, o trabalho ensaístico (lato sensu) e a colaboração na imprensa periódica. Em 1933, o conjunto de novelas As Três Mulheres de Sansão recebe o Prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências de Lisboa, e em 1935 é eleito sócio correspondente desta instituição, da qual se tornará sócio efetivo em 1957.No entanto, mais do que o reconhecimento oficial, são a sua grandeza de escritor e também a temeridade política que o tornam merecedor do epíteto de mestre; têm o seu quê de lendário as idas ao Chiado, ao fim da tarde, para tertúlias à porta da Bertrand, a sua editora. Não tendo nunca abdicado da originalidade, um dos seus grandes valores estéticos, acabou por não alinhar com nenhum dos movimentos literários de que foi contemporâneo, do modernismo (em cartas de Fernando Pessoa ficamos a saber que era apreciado por este poeta), ao presencismo, que não o poupou a críticas (vindas, muitas delas, de José Régio e publicadas nas páginas da Presença), ao neorrealismo, embora críticos literários desta última corrente tivessem apreciado algumas das suas à luz desta doutrina, que nunca foi a do escritor. Não abdicou também da consciência política e cívica que, como vimos, o animou desde a juventude. Embora, findo o último período de exílio, se tenha dedicado afincadamente à escrita, continuou a participar em ações críticas da ditadura salazarista. Aderiu ao MUD (Movimento de Unidade Democrática) e empenhou-se na defesa e difusão da causa, por exemplo, em textos publicados na imprensa diária, em 1948-49 apoiou a campanha presidencial de Norton de Matos, integrou, com outras figuras do saber, a Comissão Promotora do Voto, militou na candidatura de Humberto Delgado à presidência da República, no ano de 1958.A este ativismo político, há que juntar a tenacidade com que, durante mais de duas décadas, promoveu uma agregação formal e institucionalizada dos escritores até conseguir criar, unido a alguns contemporâneos, a Sociedade Portuguesa de Escritores, de que foi fundador e presidente, isto no ano de 1956. O tempo não lhe subtrai o prestígio de grande figura da escrita, reconhecido dentro e fora de de Portugal. Atestam esse prestígio factos como a apresentação da sua candidatura ao Nobel, proposta por Francisco Vieira de Almeida e subscrita por José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho, Joel Serrão, Mário Soares, Vitorino Nemésio, Abel Manta, Alves Redol, Luísa Dacosta, Vergílio Ferreira, entre muitos outros. Atestam-no também as homenagens que recebe no Brasil, país aonde se desloca, por motivos pessoais, no ano de 1952. Atesta-o sobremaneira o extraordinário movimento que se desenvolveu em sua defesa depois da publicação do romance Quando os Lobos Uivam, em 1958, considerado pelo regime como injurioso das instituições de poder e levando à instauração de um processo crime contra o escritor. Para além da defesa formal, levada a cabo pelo advogado Heliodoro Caldeira, Aquilino tem o apoio de cerca de 300 intelectuais portugueses que se juntam num abaixo-assinado pedindo o arquivamento do processo; fora de Portugal, François Mauriac redige uma petição em defesa de Aquilino, assinada, nomeadamente, por Louis Aragon e André Maurois e publicada em vários jornais e revistas franceses. O processo crime acaba por ser arquivado cerca de vinte meses depois da sua instauração, na sequência de uma amnistia.
Embora sem se fazer completamente justiça, encerrava-se uma ação injuriosa dirigida contra alguém que foi e será sempre um dos nomes maiores das nossas letras, que trouxe à língua uma plasticidade impressionante combinando o rústico com o erudito, que foi um observador atento das 'grandezas e misérias' do género humano, que criou uma galeria de personagens passando pelo campesino beirão, pelo pequeno-burguês de província, pelo cosmopolita, pelo idealista, pelo obcecado, pelo asceta e pelo sibarita, pela mulher tentadora e pela virgem solícita e generosamente disponível...alguém que, enfim, por via da reflexão, saber, trabalho, estudo, deixou para os séculos uma visão exaltante da existência, mas temperada pela melancolia de quem não esquece a inevitável efemeridade de todas as coisas. "Mais não pude", pretendeu Aquilino que fosse o seu epitáfio.Bibliografia ativaAs indicações quanto a géneros e conteúdos seguem, sempre que possível, o que consta nos volumes a seguir mencionados.1915 - Jardim das Tormentas (contos).1918 - A Via Sinuosa (romance).1919 - Terras do Demo (romance).1920 - Filhas de Babilónia (novelas).1922 - Estrada de Santiago (novelas); incluía O Malhadinhas.1922 - Recreação Periódica (tradução de Amusement Périodique, do Cavaleiro de Oliveira).1924 - Romance da Raposa (romancinho infantil).1926 - Andam Faunos pelos Bosques (romance).1930 - O Homem que Matou o Diabo (romance).1931 - Batalha sem Fim (romance).1932 - As Três Mulheres de Sansão (novelas).1933 - Maria Benigna (romance).1934 - É a Guerra (diário).1935 - Alemanha Ensanguentada (caderno dum viajante).1935 - Quando ao Gavião Cai a Pena (contos).1936 - O Galante Século XVIII (compilação e tradução de textos do Cavaleiro de Oliveira).1936 - Anastácio da Cunha, o Lente Penitenciado (vida e obra). 1936 - Arca de Noé III Classe (contos para as crianças).1936 - Aventura Maravilhosa de D. Sebastião (romance).1937 - S. Banaboião Anacoreta e Mártir (romance).1938 - A Retirada dos Dez Mil (tradução da Anábase, de Xenofonte).1939 - Mónica (romance).1939 - Por Obra e Graça (estudos).1940 - Oeiras (monografia).1940 - Em Prol de Aristóteles (tradução do texto latino de André de Gouveia).1940 - O Servo de Deus e a Casa Roubada (novelas).1942 - Os Avós dos Nossos Avós (história).1943 - Volfrâmio (romance).1945 - Lápides Partidas (romance).1945 - O Livro do Menino Deus (o Natal na história religiosa e na etnografia).1946 - Aldeia (terra, gente e bichos).1947 - O Arcanjo Negro (romance).1947 - Caminhos Errados (novelas).1947 - Constantino de Bragança, VII Vizo-Rei da Índia (história).1948 - Cinco Réis de Gente (romance).1948 - Uma Luz ao Longe (romance).1949 - Camões, Camilo, Eça e Alguns Mais (estudos de crítica histórico-literária).1949 - O Malhadinhas (edição autónoma).1950 - Luís de Camões, Fabuloso, Verdadeiro (ensaio).1951 - Geografia Sentimental (história, paisagem, folclore).1951 - Portugueses das Sete Partidas (viajantes, aventureiros, troca-tintas).1952 - Leal da Câmara (vida e obra).1952 - O Príncipe Perfeito (tradução da obra Kirou Paideia, de Xenofonte).1952 - Príncipes de Portugal. Suas grandezas e misérias (história).1953 - Arcas Encoiradas (estudos, opiniões, fantasias).1954 - O Homem da Nave (serranos, caçadores e fauna vária).1954 - Humildade Gloriosa (romance).1955 - Abóboras no Telhado (crónica e polémica).1957 - A Casa Grande de Romarigães (crónica romanceada).1957 - O Romance de Camilo (biografia e crítica).1958 - Quando os Lobos Uivam (romance).1959 - Dom Frei Bertolameu. As três desgraças teologais (legenda).1959 - D. Quixote de la Mancha (versão da obra de Cervantes).1959 - Novelas Exemplares (versão da obra de Cervantes).1960 - No Cavalo de Pau com Sancho Pança (ensaio).1960 - De Meca a Freixo de Espada à Cinta (ensaios ocasionais).1963 - Tombo no Inferno. O Manto de Nossa Senhora (teatro).1963 - Casa do Escorpião (novelas).1967 - O Livro de Marianinha (lengalengas e toadilhas em prosa rimada).1974 - Um Escritor Confessa-se (memórias).1988 - Páginas do Exílio. Cartas e crónicas de Paris (recolha de textos e organização de Jorge Reis).Obras traduzidas (apuradas)A Casa Grande de Romarigães (para castelhano - edição em Cuba -, romeno e francês - com várias edições)Quando os Lobos Uivam (para alemão e inglês)A Via Sinuosa (para francês)Bibliografia passiva (seleção)AA.VV., Retratos para Aquilino, Câmara Municipal de Paredes de Coura, 2000.ALMEIDA, Henrique, Aquilino Ribeiro e a Crítica, Porto, Edições Asa, 1993.ALMEIDA, Henrique, Aquilino Ribeiro: Entre Jornalismo e Literatura - Conformação e canonização da escrita aquiliniana, dissertação de doutoramento, Viseu, 2001.BIBLIOTECA NACIONAL (ed.), Aquilino Ribeiro (1885-1963). Catálogo da exposição comemorativa do primeiro centenário do nascimento, Lisboa, 1985.BRITO, Ferreira de, Aquilino Ribeiro e a Obsessão do Sagrado, Lamego, Museu de Lamego, 1985.CAMILO, João, "À procura da pureza original? Uma leitura de Terras do Demo", Arquivos do Centro Cultural Português, XVI, 1979, pp. 543-572.CARMO, Carina Infante do, Adolescer em Clausura. Olhares de Aquilino, Régio e Vergílio Ferreira sobre o romance de internato, Faro-Viseu, Universidade do Algarve-Centro de Estudos Aquilino Ribeiro, 1998.CENTRO DE ESTUDOS AQUILINO RIBEIRO (ed.), Cadernos Aquilinianos (publicação periódica dedicada exclusivamente a Aquilino Ribeiro e à sua obra; o n.º 1 publicou-se em 1992).CHAVES, José Castelo Branco, Aquilino Ribeiro, Lisboa, Seara Nova, 1935.COELHO, Nelly Novaes, Aquilino Ribeiro - Jardim das Tormentas: Génese da Ficção Aquiliniana, São Paulo, Edições Quíron, 1973.FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN (ed.), Arquivos do Centro Cultural Português, XXI, 1985 (vários artigos sobre Aquilino Ribeiro).FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN (ed.), Colóquio-Letras, 85, 1985 (vários artigos sobre Aquilino Ribeiro).FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN (ed.), Colóquio-Letras, 115-116, 1990 (vários artigos sobre Aquilino Ribeiro).FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN - Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas (ed.), "Aquilino Ribeiro", Boletim Cultural, VIª série, 5, 1985.GARCIA, Frederick C. Hesse, Aquilino Ribeiro: Um Almocreve na Estrada de Santiago, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1981.GOMES, Elviro da Rocha, Glossário Sucinto para Melhor Compreensão de Aquilino Ribeiro, Porto, Porto Editora, 1960.LOPES, Óscar, "Quatro marcos literários: Fialho, Raul Brandão, Aquilino, Ferreira de Castro", Barreto, Costa (org.), Estrada Larga, 1, Porto, Porto Editora, [1958], pp. 498-504.LOPES, Óscar, "Aquilino Ribeiro: alguns livros e uma panorâmica", Cinco Personalidades Literárias, Porto, ed. do autor, 1961, pp. 25-48.LOPES, Óscar, "Aquilino: uma cota na história da literatura - três alocuções sobre Aquilino", Ler e Depois, Porto, Inova, 1970, pp. 285-309.LOPES, Óscar, Entre Fialho e Nemésio. Estudos de literatura portuguesa contemporânea, I, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987, pp. 369-398.LOPES, Óscar, "Aquilino Ribeiro", Cifras do Tempo, Lisboa, Caminho, 1990, pp. 169-197.LOURENÇO, Eduardo, "Aquilino ou Eros e Cristo", O Canto do Signo. Existência e literatura, Lisboa, Editorial Presença, 1994, pp. 227-237.MALPIQUE, Cruz, Aquilino. O homem e o escritor. Porto, Divulgação, 1964.MARTINS, Serafina, Saber Viver para Saber Morrer: A Imagem Ficcional do Amor em Aquilino Ribeiro, dissertação de doutoramento, Lisboa, 1999 (policopiada).MATEUS, Isabel Cristina de Brito Pinto, História e Ficção Histórica em Aquilino Ribeiro: A Casa Grande de Romarigães, trabalho para prestação de provas de aptidão pedagógica, Braga, 1989 (policopiado).MENDES, Manuel (coord.), Aquilino Ribeiro, Lisboa, Arcádia, 1960.MOURÃO-FERREIRA, David, "Aquilino Ribeiro", Sob o Mesmo Teto. Estudos sobre autores de língua portuguesa, Lisboa, Editorial Presença, 1989, pp. 101-132.REIS, Jorge, Aquilino em Paris, Lisboa, Vega, s.d.RODRIGUES, Urbano Tavares, A Horas e Desoras, Lisboa, Edições Colibri, 1993 (vários ensaios sobre Aquilino Ribeiro).SEIXO, Maria Alzira, A Palavra do Romance. Ensaios de genologia e análise, Lisboa, Livros Horizonte, 1986 (dois ensaios sobre Aquilino Ribeiro).SERRÃO, Joel, "De Eça de Queirós a Aquilino Ribeiro - Uma sondagem histórica através do romance", Temas Oitocentistas, II, Lisboa, Portugália Editora, 1962, pp. 69-109.VASCONCELOS, Taborda de, Aquilino Ribeiro, Lisboa, Editorial Presença, 1965.VELOSO, Rui, A Obra de Aquilino Ribeiro para Crianças: Imaginário e Escrita, Porto, Porto Editora, 1994.VIDIGAL, Luís, O Jovem Aquilino Ribeiro, Lisboa, Livros Horizonte, 1986.VIDIGAL, Luís, Imaginários Portugueses, Viseu, Centro de Estudos Aquilino Ribeiro, 1992.
Bento de Jesus Caraça, por Carlos LeoneBento de Jesus Caraça (Vila Viçosa, 1901 – Lisboa, 1948)
Bento de Jesus Caraça, matemático e ensaísta, é ainda hoje uma das figuras de referência da Matemática em Portugal e figura cultural da Esquerda, sobretudo mais afeta ao Partido Comunista Português (um pouco como sucede com Rui Luís Gomes). Apesar de a sua morte ter sido prematura e de não ter tido oportunidade, por perseguição política, de exercer na Universidade todo o seu trabalho, a sua capacidade de intervenção, cultural e ideológica, sobrelevou esses problemas e garantiu-lhe uma posteridade para além do mundo universitário e do memorialismo antifascista. Tanto a sua Obra como a sua vida, pessoal e profissional, espelham a realidade portuguesa simultaneamente no que esta tinha de mais grave (a ditadura e seus efeitos) e de mais premente (a necessidade de romper com os paroquialismos).Oriundo de um meio social modesto, no Alentejo, a sua vocação para a matemática cedo se revelou e sempre manteve uma feição pedagógica e cívica intensa. A sua obra mais emblemática talvez seja A Cultura Integral do Individuo, de 1934, embora não seja a sua primeira publicação; de caráter ensaístico ela persiste ainda hoje como um trabalho de reflexão sobre a ciência na vida dos indivíduos, da cultura, do melhor que se fez em Portugal. Nesta produção inicial, forçoso será igualmente recordar Galileu Galilei, Valor Científico e Valor Moral da sua Obra (1933), um título revelador do espírito do autor, atendendo sobretudo ao ano de publicação. Interpolação e Integração Numérica, Lições de Álgebra e Análise (que lhe valeu elogios generalizados dos seus colegas) e Cálculo Vetorial (respetivamente de 1933, 1935 e 1937) granjearam-lhe respeito intelectual e reconhecimento como excecional divulgador de conhecimentos científicos especializados e atuais. Em 1938 funda e dirige o Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia, introduzindo em Portugal os métodos da econometria. A sua obra mais relevante, contudo, data de 1941, Conceitos Fundamentais de Matemática. Nesta obra encontramos a articulação filosófica da especialização matemática do autor com o seu espírito cívico. Apesar de se tratar de um livro publicado em três partes (dedicadas a Números, Funções e Continuidade) com uma história atribulada, a sua influência foi imensa: as duas primeiras partes surgiram em vida do autor, separados, na coleção Biblioteca Cosmos, por si dirigida e a que voltaremos mais adiante; mas só após a sua morte surge a terceira parte, reunida com as duas anteriores, em 1961.Desde a década de 1930, também devido à sua intensa colaboração com publicações próximas do PCP (Vértice, Diabo, mesmo a Seara Nova), era um dos intelectuais académicos portugueses mais conhecidos do público. Muito ativo politicamente, fez parte do MUNAF (Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista, 1944) e «apadrinha» (com Azevedo Gomes) o surgimento do MUD (Movimento de Unidade Democrática, 1945). Toda esta combinação de espírito científico, empenho pedagógico e atividade oposicionista suscitaram naturalmente uma polémica com António Sérgio, que competia com todos os demais e, em particular, com a esquerda comunista pelo primado do apostolado entre os jovens da ciência e da democracia. Assim, em 1945 e 1946, nas páginas da Vértice, a leitura duvidosa de Platão por Sérgio e a exposição rigorosa de matemática por Caraça acabam por ser o menos relevante; trata-se sobretudo de um confronto que vinha já da década anterior, entre o espírito seareiro original, idealista, e a estratégia de influência comunista, materialista, de oposição ao regime. Apesar de o seu interesse por arte ter originado também reflexão no território em que habitualmente se pensa quando se fala de neorrealismo (a literatura, por oposição ao movimento da revista coimbrã Presença), como sucede em A Arte e a Cultura Popular (1936), certo é que a polémica de Caraça e Sérgio, já após a II Guerra Mundial, vem como que confirmar a verdadeira oposição interna aos círculos oposicionistas portugueses, entre os demoliberais como Sérgio e os revolucionários próximos do PCP designados usualmente «neorrealistas» por força da censura à defesa do comunismo.Contudo, o espírito de Caraça não se encontrava dominado pelo sectarismo, como a sua criação mais lembrada, a Biblioteca Cosmos, comprova. Fundada em 1941, numa editora, Cosmos, que apostava forte na divulgação da ciência mais avançada (incluindo as ciências sociais e humanas, através das iniciativas de Vitorino Magalhães Godinho), a coleção dirigida por Bento de Jesus Caraça incluía diversas séries temáticas: «Ciência e Técnicas», «Artes e Ideias», «Filosofia e Religiões», «Povos e Civilizações», «Biografias», «Epopeias Humanas», «Problemas do nosso Tempo». Como se vê, era de facto toda uma biblioteca, orientada para uma cultura realmente integral. Fortemente marcada pela divulgação científica rigorosa, a partir daí sendo a referência no panorama editorial português nessa área, a sua influência imediata e mesmo posterior foi imensa, tendo ainda o mérito suplementar de não se limitar a traduzir obras adquiridas (o que também fez, naturalmente) mas de encomendar a autores portugueses, geralmente universitários, trabalhos originais adequados à coleção.Como não poderia deixar de ser, tamanha proeminência prejudicou a sua vida profissional. Preso pela PIDE por duas vezes, acabou em 1946 por ser demitido da sua cátedra na Universidade Técnica de Lisboa. Permaneceu um ídolo entre os alunos do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (que, segundo a lenda, reduziam a sigla da instituição a «Isto Sem Caraça Era Fácil», dado a sua exigência como professor) e esteve ligado à origem da então inovadora Revista de Economia, cujo primeiro número, com colaboração sua, foi publicado em 1946, pouco tempo antes da sua morte. O seu funeral deu origem a um cortejo fúnebre explicitamente antissalazarista que ficou para a História. Hoje, com a publicação da sua Obra Integral em curso (muito lento, mas cuidado, a cargo de António Pedro Pita e de alguns outros investigadores, como Natália Bebiano), a sua memória está um pouco esquecida, apesar de o seu nome se encontrar repetidamente na toponímia das regiões do país, sobretudo a sul, nas autarquias comunistas.Referências bibliográficas:Calafate, P., dir., História do Pensamento Filosófico Português, (vol. V, tomo 2), editorial Caminho, Lisboa, 2000.Coelho, A., Desafio e Refutação – Controvérsia entre António Sérgio e Jesus Caraça sobre a Natureza e o Valor da Ciência, Livros Horizonte, Lisboa, 1990.Pacheco Pereira, J., Álvaro Cunhal – Biografia Política, vol. 2, temas&debates, Lisboa, 2001.Pita, coord., Obra Integral de Bento de Jesus Caraça, Campo das Letras, Porto (vários volumes, em curso desde 2002).
Borges de Macedo, por Carlos Leone
Jorge Borges de Macedo (Lisboa, 1921 - Lisboa, 1996)
A figura cultural de Jorge Borges de Macedo tem uma influência em Portugal que ultrapassa em muito a sua área académica por excelência, a História. Com efeito, é mesmo legítimo dizer que, tal como Vieira de Almeida excedeu a Filosofia e deixou marca em História e nas Ciências Sociais em geral, também Borges de Macedo exerceu um magistério com influência em numerosos cientistas sociais e filósofos de hoje, para além dos historiadores. Tal influência deveu-se a: capacidade argumentativa, em particular filosófica, invulgar; percurso político problemático, «da Esquerda para a Direita»; extraordinária capacidade de trabalho, sempre com originalidade.Fazendo parte de uma geração de historiadores decisiva no aggiornamento teórico e metodológico da historiografia portuguesa contemporânea, Borges de Macedo pertenceu ao «Grupo de Lisboa» (Oliveira Marques, cf. Referências bibliográficas) que, no final dos anos 1940 e início da década seguinte incluía também, entre outros, Vitorino Magalhães Godinho (com quem colaborou na tradução e divulgação das correntes então inovadoras da historiografia europeia) e Joel Serrão (tendo contribuído com vários ensaios, sobre temas de relevo, para o Dicionário de História de Portugal). O seu primeiro trabalho de fundo, A situação económica no tempo de Pombal (1951), marca o tom das suas obras iniciais, que se destacam pelos avanços que representam para a historiografia portuguesa contemporânea na área da História Económica, e que culminam com Problemas de História da Indústria em Portugal no Século XVIII (1963). Durante este período, a formação marxista (que mais tarde o próprio qualificaria como «hegeliana») transparece quer em conceitos quer em interpretações, sem esquecer ocasionais atividades extrauniversitárias, como a participação (discreta) na chamada «polémica interna do neo-realismo» nas páginas da revista Vértice dos anos 1950 (na sequência de várias intervenções anteriores na imprensa «progressista» do anos 1940). Mas rapidamente a sua carreira académica intensa o afasta das polémicas políticas do tempo e, em 1969, obtém a posição de catedrático da Faculdade de Letras, sendo igualmente seu diretor. Inequivocamente próximo do regime de Caetano, em 1974 é afastado compulsivamente da Faculdade, à qual regressará apenas em 1980. A sua ligação à Universidade Católica Portuguesa data desta época. Estes sobressaltos deveram-se tanto ao período histórico como ao temor que suscitava junto de alunos, embora mesmo entre estes os seus maiores críticos lhe reconhecessem uma capacidade intelectual fora do comum. O mesmo se verificará quando, após a sua aposentação por limite de idade, exerce o cargo de Diretor do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (desde 1990 até 1996, morrendo em funções), no qual foi particularmente controverso o regime de acesso de investigadores aos documentos da PIDE/DGS.Além da História Económica, também a Teoria da História, a História Política e Diplomática, e aspetos literários da História da Cultura foram objeto de trabalhos seus, que, desde a década de 1960, mas sobretudo a partir da década de 1970, são publicados cada vez mais na forma de prefácios, artigos, conferências, etc. Estes textos, apesar da sua curta extensão, quase sempre são extremamente originais, muito bem documentados e proporcionam ao leitor um ponto de vista original sobre temas em que, aparentemente, nada mais haveria a dizer. Para dar apenas um exemplo, que nos é particularmente caro pois o tema há muito que não conhece desenvolvimentos significativos, a conferência de 1974 «Estrangeirados: um conceito a rever». Nela encontramos uma crítica muito veemente à tradição historiográfica filiada em Sérgio, dirigida explicitamente ao artigo «Estrangeirados» incluído no Dicionário de História de Portugal e dando, por um lado, um manancial de informação documental, biográfica e bibliográfica habitualmente esquecida e, por outro, indicações metodológicas concretas (termo privilegiado por Borges de Macedo) quanto ao correto procedimento historiográfico (por oposição ao polemismo sergiano) a empregar na sua análise. Tal como sucede noutros textos seus, Borges de Macedo exprime aqui não apenas, e diríamos mesmo nem sequer fundamentalmente, uma oposição a correntes dominantes na historiografia do seu tempo (o que também faz, e com interesse) mas vai mais longe e expõe a sua conceção de História – algo que, em Portugal, talvez só Vitorino Magalhães Godinho elabora com igual mestria. Mesmo para aqueles que têm das ciências sociais e humanas um conceção antiteórica, algo comum em Portugal, esta dimensão filosófica da sua Obra não pode deixar de impressionar pela positiva, quer pelo rigor posto em fundamentá-la, quer pela capacidade polémica da sua escrita tensa, densa e marcada por um estilo austero mas em nada datado.Todos estes elementos conheceram alguma notoriedade pública quando, após décadas de prestígio intelectual na Universidade, a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia e a normalização do regime suscitaram em diversas instituições (como o Instituto de Defesa Nacional) e nos meios de comunicação social a procura da sua análise e opinião sobre questões internacionais. Nesta última fase, destaque para História Diplomática Portuguesa: constantes e linhas de força (1987) e Portugal-Europa: para além da circunstância (1988).Como é quase inevitável em Portugal, e apesar dos cargos de relevo que ocupou toda a sua vida, a originalidade de Jorge Borges de Macedo impediu que se formasse em torno da sua vasta e diversificada Obra uma «Escola» ou um conjunto de seguidores. Não obstante, como afirmámos no início, o facto de a sua atividade ser tão intensa e variada, e ter decorrido numa época em que a História e a Filosofia ainda estavam reunidas na Universidade e as Ciências Sociais ainda estarem a emergir, bem como, ainda, a sua ideologia ter mudado ao longo da vida de forma nítida, em muito contribuíram para que seja dos investigadores mais influentes da vida universitária portuguesa, que continua a recorrer muito ao seu trabalho.
Referências bibliográficas:Barata, Maria do Rosário Themudo, Elogio do Professor Doutor Jorge Borges de Macedo (1921-1996), Academia Portuguesa de História/Colibri, Lisboa, 2004. [inclui bibliografia de JBM e ainda textos de Humberto Baquero Moreno e Joaquim Veríssimo Serrão].Marques, A. H. Oliveira, org., Antologia da historiografia portuguesa, Publ. Europa-América, Lisboa, 1974 (2ª ed.).Mendonça, Manuela, Jorge Borges de Macedo: itinerário de uma vida pública, cultural e científica, Colibri, Lisboa, 1991.Serrão, Joaquim Veríssimo, dir., Estudos em Homenagem a Jorge Borges de Macedo, INIC, Lisboa, 1992.
David Mourão-Ferreira, por Teresa Martins Marques
Escritor português (Lisboa, 24.2.1927 – Lisboa, 16.6.1996): poeta, ficcionista, tradutor, dramaturgo, ensaísta, cronista, crítico literário, conferencista, professor. Licenciou-se em Filologia Românica (1951) com a tese «Três Coordenadas na Poesia de Sá de Miranda», pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.Integrou os corpos redatoriais das revistas Seara Nova e Graal (1956-1957). Teve a seu cargo a rubrica de crítica de poesia no Diário Popular (1954-1957). A partir desse ano exerceu funções docentes na Faculdade de Letras como assistente, tendo desenvolvido um excecional trabalho de organização e regência da recém-criada cadeira de Teoria da Literatura, onde desenvolve estudos pioneiros, entre nós, sobre o new criticism. Em 1963 o seu contrato foi rescindido, vindo a ser novamente reconduzido a partir de 1970, lecionando Literatura Portuguesa e Francesa, tendo-lhe sido concedido, nos últimos anos de vida, o estatuto de Professor Catedrático Convidado. O seu magistério marcou sucessivas gerações de estudantes, muitos dos quais se contam hoje entre as mais prestigiadas figuras da universidade portuguesa e do ensaísmo literário. Desempenhou as funções de Secretário Geral da Sociedade Portuguesa de Autores (1965-1974), dirigiu o diário A Capital (1974-1975). Exerceu em três governos o cargo de Secretário de Estado da Cultura (1976-1979), foi vice-presidente da Association Internationale des Critiques Littéraires (1984-1992), presidente da Associação Portuguesa de Escritores (1984-1986) e do Pen Club Português (1991). Foi diretor do Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian (1981-1996), bem como da revista Colóquio-Letras (1984-1996) propriedade da mesma instituição. Sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa (onde sucedeu a Vitorino Nemésio na cadeira nº 23). Sócio-Correspondente da Academia Brasileira de Letras. Membro titular da Académie Européenne de Paris, viria também a ser agraciado com as mais prestigiosas condecorações de Portugal, do Brasil e da França. O nome de David Mourão-Ferreira ficaria também ligado ao de Amália Rodrigues que interpretou cerca de duas dezenas dos seus poemas.Como autor, D.M-F. publica os seus primeiros artigos em 1942, no jornal Gente Moça, orgão dos estudantes do Colégio Moderno. As primeiras poesias viriam à luz nas prestigiadas páginas da Seara Nova, em 1945. Todavia, é pelo teatro que o seu nome começa a aparecer com alguma regularidade nos jornais tendo colaborado como autor e ator entre 1948 e 1951, sob a direção de Gino Saviotti, no Teatro-Estúdio do Salitre, o qual constituiu, sob a bandeira do “essencialismo,” o mais inovador movimento de Teatro Experimental dos Anos Quarenta, vendo aí encenados o poema dramático Isolda e a comédia Contrabando, respetivamente em 1948 e 1950. Ainda neste ano funda, com António Manuel Couto Viana e Luís de Macedo, as folhas de poesia Távola Redonda, em cujas edições daria à estampa o seu primeiro livro de poesia – A Secreta Viagem.D.M.-F. foi um dos mais fecundos teorizadores da Távola Redonda defendendo o equilíbrio, a coerência e a proporção entre os motivos e a técnica, entre os temas e as formas, procurando conciliar os valores da tradição e da modernidade, revalorizando o lirismo, recusando a imediatez da inspiração e o aproveitamento da poesia para fins utilitaristas, demarcando-se do neorrealismo. Este ideário ver-se-ia plasmado na sua futura Obra, a qual, do ponto de vista técnico, representa a feliz aliança da força criadora e da construção rigorosa, sendo geralmente considerado como detentor da melhor oficina poética da sua geração.Até à publicação de Um Amor Feliz, em 1986, D.M.-F. insistia em dizer que tinha consciência de que a sua Obra não teria um vasto público, mas que, em contrapartida, possuía leitores fiéis. Este romance viria indiscutivelmente aumentar-lhe o número desses leitores, continuando a ser objeto de sucessivas reedições. No dia seguinte à conclusão do romance, escreve: “Um Amor Feliz: um cântico de amor e de paixão erótica; uma sátira política a certa nova sociedade portuguesa; um romance do romance em que se vêem acareados o narrador e o autor; um ajuste de contas comigo mesmo.” Se pensarmos que desde os dezoito anos deixara de lado sucessivos romances inconclusos, entenderemos que contas seriam aquelas, que assim ajustou. Artur Ramos realizou a partir deste romance uma série televisiva de quatro episódios, apresentada pela RTP em 1990. Anteriormente, de duas das quatro narrativas de Gaivotas em Terra tinham sido extraídas duas longas metragens: Fado Corrido (1964) por Jorge Brum do Canto e Sem Sombra de Pecado (1983) por José Fonseca e Costa.Atentando nas sucessivas reedições da sua poesia, verificaremos que os volumes constituem organismos vivos, coerentes, nos quais os diversos textos se inter-respondem, contando “histórias” diferentes, consoante as seriações que o autor lhes conferiu, em diversas edições, nomeadamente nas recolhas poéticas, obedecendo a criteriosas reordenações poemáticas em círculos (Lira de Bolso, As Lições do Fogo), ou em ciclos (Sonetos do Cativo), jogando com a simbologia dos números quatro, sete e nove, de clara reminiscência pitagórica, cabalística ou dantesca. O ritmo, a musicalidade, a mestria das rimas assonantes, o superior domínio da metáfora e da aliteração, coadjuvadas pela antítese, ou mesmo pelo paradoxismo conferem uma personalidade singular à poesia davidiana, de perfeito recorte clássico, obedecendo, todavia, a princípios sui generis nomeadamente ao nível da metrificação, fazendo de D.M.-F. porventura, o mais clássico dos nossos poetas modernos.A obra davidiana edifica-se sobre um complexo sistema de vasos comunicantes, orquestrados pela memória interna da obra, em contraponto de harmonizações sinfónicas ou diafónicas. Com efeito, os elementos itinerantes constituem um dos aspetos mais interessantes da implícita ou explícita rede comunicante, como é, nomeadamente, o caso das obras poética e ficcional Os Quatro Cantos do Tempo e As Quatro Estações, ou do poema intitulado «Romance das Mulheres de Lisboa no Regresso das Praias», cujo primeiro verso — “Em terra, tantas gaivotas!” — inverte e subverte o título do seu primeiro volume de ficção narrativa, considerado como de novelas, mas que resultou de um trabalho de reconstrução de um anterior romance, razão por que certas personagens transitam de umas narrativas para as outras, em completa subversão da linearidade temporal do primitivo texto.O onirismo d’ Os Amantes e Outros Contos encontra-se inscrito em embrião n’ A Recordação de Panflakaio : “Sonho que sonho o que sonho” é um verso da poesia “Argumento”, inserta em Os Ramos Os Remos, a qual traduz precisamente a situação onírica que sustenta a arquitetura do conto Os Amantes. Conquanto seja o erotismo o filão mais reconhecido na Obra de D.M.-F., esta está longe de se reduzir àquela temática. Outras linhas se entrecruzam na memória, na meditação sobre a morte, no culto dos lugares, não apenas como sagradas relíquias do tempo, mas ainda como espaços de reflexão do sujeito, em processo de perda.Parafraseando um conhecido poema, de Matura Idade — “E por Vezes”—(justamente selecionado como símbolo davidiano para a antologia Rosa do Mundo-2001 Poemas para o Futuro), a angústia torna-se obsidiante imagem de fundo, que traz para o primeiro plano um sujeito que se vê através do olhar feminino e que, por vezes, se encontra e que, por vezes, se perde. Tântalo que não sacia a sede — destino que um deus lhe segredou. Fulguração do instante, revolta pelo fogo que se extingue, que não dura, mas que resiste, sendo apenas o que resta do desejo de eternidade. Na poesia davidiana o sujeito não ama porque existe, mas para que exista. E existe para sentir, por vezes, o prazer de se dissolver e ciclicamente renascer. As formas de diluição no mar – água primordial, por vezes metáfora da mãe e memória do tempo antes do tempo, ou as formas de diluição em terra — evasão, viagem, mudança — serão ainda uma outra forma de perdição e renascimento de quem se procura procurando, por vezes ganhando e, por vezes, perdendo ao jogo da vida. Condição trágica de quem ironicamente fica preso à busca da liberdade, como um Ícaro condenado aos trabalhos de Sísifo: ”há-de tudo prender-se aereamente solto”, lemos na “Ars Poetica”, inserta em Do Tempo ao Coração. Os Ramos Os Remos inscrevem, a partir do título, a fixidez e a flutuação. Ramos da árvore que prende, remos do barco que deriva.De uma outra forma, mais direta, de acordo com o registo escolhido, o sujeito assumirá a condição de errância na autobiografia fragmentária acoplada a um livro de aforismos sobre a sedução que muito oportunamente intitulou Jogo de Espelhos: “Sente-se, desde sempre, mais estável no movente que no fixo”. (fragmento II). D.M.-F deixa em “Testamento” a fuidez do verbo, a instabilidade do sentido, o calor da lava e o frio da cinza. O nada transmutado em tudo, o nada retomando a cor do infinito na «Ladainha dos Póstumos Natais». Como ensaísta, cronista e crítico literário, deixou-nos ainda dezassete clarividentes volumes, entre os quais o intitulado Discurso Directo que David classificava como um indireto autorretrato e por isso considerava o mais indicado para quem quisesse principiar a conhecê-lo, para além da obra de divulgação e tradução intitulada Imagens da Poesia Europeia, elaborada a partir de um programa homónimo que, como outros de sua autoria, intitulados Miradouro, Momento Literário, Música e Poesia, Hospital das Letras, lhe grangearam grande popularidade na Rádio e na Televisão. As recém publicadas Vozes da Poesia Europeia I, II, III, compilam a maior parte do seu trabalho como excecional tradutor, sendo que cada texto traduzido se metamorfoseia de forma original num autêntico poema de D. M. –F.A comunidade literária soube reconhecer o seu valor atribuindo-lhe onze prémios literários: três de Poesia, dois de Conto e Novela, quatro de Romance, um de Teatro e ainda um outro de Ensaio. As obras de D.M.-F. encontram-se traduzidas nas principais Línguas Europeias.● Bibliografia de D.M.-F:Rumos (antologia de contos e poemas, em co-autoria), Lisboa, Edição dos Autores (1946);A Secreta Viagem, Lisboa, Edições Távola Redonda (1950); Tempestade de Verão, Lisboa, Guimarães Editores (1954);Os Quatro Cantos do Tempo, Rio de Janeiro, Livros de Portugal (1958);Infinito Pessoal, Lisboa, Guimarães Editores (1962);In Memoriam Memoriae, Lisboa, Edições Minotauro (1962);Do Tempo ao Coração, Lisboa, Guimarães Editores (1966);A Arte de Amar (antologia) Lisboa, Guimarães Editores (1967); Lira de Bolso (antologia) Lisboa, Edições Dom Quixote (1969); Cancioneiro de Natal, Lisboa, Editorial Verbo (1971);Matura Idade, Lisboa, Editora Arcádia (1973);Sonetos do Cativo (antologia) Lisboa, Editora Arcádia (1974);As Lições do Fogo (antologia) Lisboa, Publicações Dom Quixote (1976);Entre a Sombra e o Corpo, Lisboa, Moraes Editores (1980);Ode à Música, Imprensa Nacional - Casa da Moeda (1980);Obra Poética (antologia -2vols) Lisboa, Livraria Bertrand (1980); Órfico Ofício, in 2º vol. da antologia Obra Poética — Lisboa, Livraria Bertrand (1980);À Guitarra e à Viola, in 1º vol. da antologia Obra Poética, Lisboa, Livraria Bertrand (1980);Antologia Poética, Lisboa, Publicações Dom Quixote (1983);Os Ramos Os Remos, Porto, Areal Editores (1985);O Corpo Iluminado, Lisboa, Editorial Presença (1987);As Pedras Contadas (antologia) Porto, Árvore, colecção Moinho de Vento (1987);Obra Poética 1948-1988, Lisboa (1988);No Veio do Cristal in Obra Poética 1948-1988 — Lisboa (1988); Lisboa Luzes e Sombras, Edição do Metropolitano de Lisboa (1992);A Arte de Amar (antologia) Lisboa, Círculo de Leitores (1992);Música de Cama (antologia) Lisboa, Editorial Presença (1994); Rime Petrose, in Colóquio-Letras, nºs 135/136, Lisboa, Janeiro-Junho (1995).
Conto e NovelaGaivotas em Terra, Lisboa, Editora Ulisseia (s/d) [1959]; Os Amantes, Lisboa, Guimarães Editores (1968);Os Amantes e Outros Contos, Lisboa, Livraria Bertrand (1974); Maria Antónia e Outras Mulheres (antologia de contos escolhidos) Lisboa, Círculo de Leitores (1978); As Quatro Estações, Lisboa, Galeria São Mamede (1980);Duas Histórias de Lisboa, Lisboa, Editorial Labirinto (1987); Maria da Luz e Outras Esfinges, (antologia) Lisboa, Círculo de Leitores (1992);A Recordação de Panflakaio (conto) Publicação póstuma e intr. de TMM in Infinito Pessoal –Colóquio-Letras n° 145/146, Julho-Dezembro de 1997.
RomanceUm Amor Feliz, Lisboa, Editorial Presença (1986)
TeatroContrabando, in Graal, nº2, Junho-Julho (1956);O Irmão, Lisboa, Guimarães Editores (1965).
Ensaio, Crítica, CrónicaVinte Poetas Contemporâneos, Lisboa, Ática (1960);Aspectos da Obra de Manuel Teixeira-Gomes, Lisboa, Portugália Ed. (1961);Motim Literário, Lisboa, Editorial Verbo (1962);Hospital das Letras, Lisboa, Guimarães Editores (1966);Discurso Directo, Lisboa, Guimarães Editores (1969);Tópicos de Crítica e de História Literária, Lisboa, União Gráfica (1969);Sobre Viventes, Lisboa, Dom Quixote (1976;Presença da «Presença» Porto, Brasília Ed. (1977);Lâmpadas no Escuro, Lisboa, Ed. Arcádia (1979);O Essencial Sobre Vitorino Nemésio, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda (1987);Nos Passos de Pessoa, Lisboa, Editorial Presença (1988); Marguerite Yourcenar: Retrato de Uma Voz, Lisboa, Edições Rolim (1988);Os Ócios do Ofício, Lisboa, Guimarães Editores (1989);Sob o Mesmo Tecto, Lisboa, Editorial Presença (1989);Tópicos Recuperados, Lisboa, Editorial Caminho (1992);Terraço Aberto (antologia) Lisboa, Círculo de Leitores (1992); Elogio Académico de Vitorino Nemésio, Academia das Ciências de Lisboa (1992);Evocação de Sebastião da Gama, Lisboa, Edições Ática (s/d)[1993];Magia Palavra Corpo Lisboa, Edições Cotovia (1993);Em Movimento, Edição do Metropolitano de Lisboa (1995).
Divulgação e Tradução de PoesiaImagens da Poesia Europeia — Vol. I (Grécia, Roma, Os Séculos Obscuros)- Lisboa, Realizações Artis (1972);Vozes da Poesia Europeia I (Colóquio-Letras, nº163- Janeiro-Abril de 2003);Vozes da Poesia Europeia II (Colóquio-Letras, nº164- Maio-Agosto de 2003); Vozes da Poesia Europeia III (Colóquio-Letras, nº165-Setembro- Dezembro de 2003).
VáriaJogo de Espelhos – Reflexos para um Auto-Retrato, Lisboa, Editorial Presença (1993).
● Bibliografia Seletiva sobre a Obra de David Mourão-Ferreira:A.A.V.V. Infinito Pessoal - Homenagem a David Mourão-Ferreira. Colóquio- Letras. N° 145/146, Julho-Dezembro 1997;A.A.VV. Letras, Sinais. Edições Cosmos, 1999.BOLETIM DO SERVIÇO DE BIBLIOTECAS E APOIO À LEITURA. David Mourão-Ferreira. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Dezembro 1996.BRITO, Marília Regina da Silva, O Amor em David Mourão-Ferreira: Da Vida à Poesia. Porto, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2002.COELHO, Eduardo Prado. «David Mourão-Ferreira: Mar, Palavra e Memória/ Leitura de Os Amantes/ Escreviver», in O Reino Flutuante, Edições 70, Lisboa, s.d. [1972], 263-289.GARCIA, José Martins. David Mourão-Ferreira - a Obra e o Homem. Lisboa Editora Arcádia, 1980.________ David Mourão-Ferreira – Narrador. Lisboa, Vega, s.d. [1988].GASTÃO, Ana Marques. «Um Outro David».Diário de Notícias (16 de Junho de 2003), 40.LEPECKI, Maria Lúcia «Uma das Vozes Cimeiras da Lírica Portuguesa», Diário de Notícias ( 4/6/89).________ «Uma Perfeita Harmonia na Disciplina da Escrita», Diário de Notícias (11/6/89).LIMA, Isabel Pires de. «Desafiando Pedras—O Poeta e o Pintor. Colóquio-Letras. Nº101.Janeiro-Fevereiro de 1988.LISBOA, Eugénio. «Uma Claridade de Sombras e de Luzes: A Obra Poética de David Mourão-Ferreira» in As Vinte e Cinco Notas do Texto, Lisboa, INCM, 1987.MALHEIRO, Helena. L'Art de la Nouvelle dans «Os Amantes» de David Mourão-Ferreíra Arquivos do Centro Cultural Português. Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1980.MARQUES, Teresa Martins. «David Mourão-Ferreira – Microleituras da Reescrita Poética», Colóquio-Letras. Nº 140/141 Abril / Setembro 1996, 253 – 258.________ « O Primeiro Projecto de Romance de David Mourão-Ferreira: Há Dezenas de caminhos…” (introdução e notas) in Mealibra, nº 14, Verão de 2004. pp.9-13.MARTINHO, Fernando J.B. Tendências Dominantes da Poesia Portuguesa da Década de 50. Lisboa, Edições Colibri, 1996.MORÃO, Paula. «David Mourão-Ferreira - O desenho do tempo»; David Mourão-Ferreira - Um Natal- no tempo com o coração»; «Sob o mesmo Tecto» in Viagens na Terra das Palavras. Lisboa, Edições Cosmos, 1993.MOURA, Vasco Graça. David Mourão-Ferreira ou a Mestria de Eros. Porto, Brasília Editora, 1978.REIS, Carlos. «Poesia e Poética», JL (5/6/96), 7.RODRIGUES, Urbano Tavares, «A Novelística Portuguesa e David Mourão-Ferreira» (Diário de Lisboa, 28/3/1957).SEIXO, Maria Alzira. «Uma Poética dos Sentidos» JL, (24/11/86).
Fernando Gil, por Carlos Leone
Fernando Gil (1937-2006) é um dos nomes maiores do pensamento e do ensino filosófico português no século XX. Poucos podem ser considerados autores de uma obra comparável à sua, pelo que não será tanto na relação com o meio português como na sua singularidade que se deve procurar o esclarecimento da sua influência e da relevância que adquiriu no espaço público português a sua morte, a 19 de março de 2006.Nascido e educado em Moçambique, Fernando Gil só abandonou o Liceu Salazar de Lourenço Marques (e seu o círculo informal de estudantes de marxismo, onde participaram outros nomes maiores das ciências sociais e humanas portuguesas, como Hermínio Martins) quando veio para Lisboa cursar Direito. Formado em 1959, não abdicou da sua vocação filosófica. Estreou-se como autor em 1961 com Aproximação Antropológica (Guimarães Editores, Lisboa,) tendo rapidamente partido para Paris, onde concluiu uma segunda licenciatura, em Filosofia, e se doutorou em Lógica (La Logique du Nom, até hoje inédito em Português) já em 1971. Aí continuou a traduzir, como já fizera em Lisboa: ficção (sobretudo ligado à editora Portugália) e ensaio (Merleau-Ponty, Jaspers, entre outros) mas, sobretudo, deu início ao seu trabalho universitário, continuado no imediato pós-25 de Abril de 1974 na Universidade de Lisboa.A trajetória universitária é decisiva, e o seu percurso em Portugal faz-se em ligação à Universidade Nova de Lisboa, a qual integra ainda no período inicial desta e onde rapidamente congrega no Departamento de Filosofia um conjunto de jovens licenciados que são, hoje, nomes relevantes da cultura filosófica portuguesa (em particular através dos cursos de mestrado, em cuja implementação foi pioneiro, e na orientação de dissertações de doutoramento). Então, na segunda metade da década de 1970 e inícios da de 1980, a sua evolução intelectual já o afastara da procura de uma teoria da subjetividade como aquela com que se estreara em 1961; nos trabalhos publicados em revistas como Análise Social, Raiz e Utopia, Cultura, Prelo, entre outras, bem como na coordenação da Enciclopédia Einaudi (versão portuguesa, iniciada em
1983 pela INCM) e ainda na direção do Grupo de Investigação de Filosofia
e Epistemologia, do qual emergem publicações várias (Revista de Filosofia e Epistemologia, Estudos Filosóficos, e, até hoje, Análise), o seu percurso estava cada vez mais norteado pela questão da objetividade.Embora a publicação dos seus trabalhos tenha habitualmente sido feita primeiro em Francês (viveu em Paris até à sua morte, tendo ensinado e investigado na École des Hautes Études en Sciences Sociales), as suas obras estão todas disponíveis em Português (quase todas publicadas na Imprensa Nacional – Casa da Moeda). E o que nelas se nota é, sobretudo após Provas (INCM, 1986, volume resultante da prova de agregação em Filosofia do Conhecimento), uma elaboração constante e cada vez mais sofisticada do problema da objetividade do conhecimento, que conhecerá o seu momento decisivo com a publicação em França, em 1993, de Tratado da Evidência (INCM, 1996). A compreensão do que entendemos como «evidente» e as relações do que é «evidente» com o sujeito particular em que se produz a evidência são, por assim dizer, a versão adulta do projeto inicial de Aproximação antropológica.Como foi notado por Miguel Real na revista Prelo (3ª série, nº 1, INCM, 2006), naquele que foi o primeiro conjunto de trabalhos relevante sobre a sua obra, a sua relação com a cultura filosófica e científica portuguesa é singular: destacando-se dela pela sua especialização, contribuiu por isso mesmo para a refazer noutros moldes ao influenciar as duas gerações universitárias com que mais trabalhou (a do GIFE e a de finais da década de 1980, princípio da de 1990, como no caso do atual diretor da Análise, André Barata). Não é de estranhar que assim seja, pois Fernando Gil fez parte de um vasto contingente de «estrangeirados» da cultura portuguesa que marcou decisivamente a história intelectual e institucional (política) do século XX em Portugal.Prémio Pessoa em 1993, Fernando Gil é consagrado: já tinha recebido o Prémio PEN por Mimésis e Negação, e a sua influência científica junto de centros de decisão políticos e não apenas científicos é invulgar, agraciado oficialmente em Portugal e em França. Colabora fora da sua área de competência especializada: com Hélder Macedo (Viagens do Olhar, igualmente Prémio PEN), em debate com o neurocientista António Damásio (crítica a O Erro de Descartes, em Análise nº19, 1996), em polémica ideológica com alguns dos seus amigos mais próximos (Manuel Villaverde Cabral, Eduardo Prado Coelho) a propósito da questão da ocupação do Iraque em 2003 e da questão civilizacional existente entre o ocidente laico e o islamismo militante (Impasses, Publ. Europa-América, Lisboa, 2003, em coautoria com Paulo Tunhas), em diálogo com o musicólogo Mário Vieira de Carvalho (A Quatro Mãos, INCM, 2005). Em simultâneo, coordenava a Rede Interdisciplinar de Centros de Investigação da UNL e continuava a sua vida académica intensa, sendo Professor Convidado de universidades de vários continentes.Depois da atenção que a sua morte recebeu por parte da comunicação social, começam as iniciativas de maior relevância. Além do dossier in memoriam que lhe é dedicado no nº1 da Prelo, já referido, 2007 trará novos estudos e edições que a sua obra, de futuro como já desde há tanto tempo, não cessará de suscitar.