Espaços

Arte de navegar, roteirística e pilotagem

Alenquer, Pero de

Alenquer, Pero de
Alenquer, Pero de Nas navegações portuguesas dos últimos decénios do século XV pontificou um notável conjunto de pilotos, homens com grande experiência de navegação no alto mar e cientes das mais avançadas técnicas náuticas: protagonizaram as viagens de descobrimento e exploração ao longo na costa ocidental africana, no Atlântico Sul (e, quiçá, Norte), e os acompanharam as duas viagens decisivas de Quatrocentos: as de Bartolomeu Dias e Vasco da Gama. Assim sucedeu com um dos mais celebrados mestres do ofício no seu tempo, Pero de Alenquer. Em 1483 D. João II concedeu-lhe a mercê de se vestir como os escudeiros, dadas as suas qualidades profissionais, graças às quais se tornou no elemento chave das viagens de final de século: pilotou uma das caravelas de Bartolomeu Dias na viagem de 1487-88, e depois a nau “S. Gabriel”, capitânea da armada de Vasco da Gama. Aceita-se que tenha morrido no regresso desta última, pois ainda em 1499 D. Manuel concede a seu filho Rodrigo uma tença por morte do pai. O facto de ter sido escolhido para piloto da viagem de Bartolomeu Dias mostra que já devia possuir larga experiência de navegação atlântica, dado que as equipagens desta armada foram escolhidas entre os melhores homens do mar na época, atestando o cuidado que o rei pôs na sua organização. Outrossim se passou com a de Vasco da Gama, cuja preparação sabemos ter sido longa e cuidada, mas o facto de Alenquer ser o piloto-mor (piloto-mor era o piloto da nau onde ia embarcado o capitão-mor, por isso chamada capitânea) indicia que seria seguramente tido como o melhor piloto de então. O nome de Pero de Alenquer é porém muitas vezes referidos por causa de um outro episódio. Conta Garcia de Resende na sua Crónica de D. João II que um dia, estando o rei à mesa a dizer que só podiam vir navios de pano latino da Mina (isto é, apenas os de Portugal), porque queria manter a exclusividade desta rota, Pero de Alenquer replicou que de lá traria qualquer navio redondo. O rei negou-o, o piloto reafirmou o que dissera antes, e o monarca rematou a conversa afirmando que a “um vilão peco não há coisa que lhe não pareça que fará e enfim não faz nada”. Terminada a refeição D. João II mandou chamar Pero de Alenquer e pediu-lhe que lhe perdoasse por ter dito aquilo, mas pretendia manter o segredo da navegação para a Mina - e por isso manteve sempre a Guiné bem guardada no seu reinado, acrescenta o cronista. A história é incongruente sob vários pontos de vista, dois dos quais por demais evidentes: Portugal não era o único país onde existiam navios redondos que pudessem navegar até à Mina, ao contrário do que se afirma no texto; e não faz qualquer sentido que, pretendendo o rei manter o segredo da navegação da Mina, um dos pilotos que fazia essas viagens não soubesse que devia manter sigilo rigoroso sobre elas! Mas vale por outros motivos: mostra-nos um Pero de Alenquer próximo do rei, e dele afirma que era um “muito grande piloto da Guiné e que bem tinha descoberto”. Francisco Contente Domingues Bibliografia MENDONÇA, Henrique Lopes de, “Apontamentos sobre o Piloto Pêro d’Alenquer”, Annaes do Club Militar Naval, t. XXVI, 1896. RESENDE, Garcia de, Livro das Obras de Garcia de Resende, ed. crítica por Evelina Verdelho, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.

Aula da Esfera

Aula da Esfera
Aula da Esfera A Arte de Navegar em Portugal começou por se basear em regras essencialmente práticas e empíricas. A formação dos responsáveis pela condução dos navios tinha um carácter eminentemente prático, sendo os conhecimentos necessários transmitidos pelos mais experientes aos “aprendizes” dessa arte. A literatura náutica daquela época, redigida quase exclusivamente por pilotos, é uma prova evidente desse pragmatismo, nela se indicando as regras para condução dos navios, nos mares que os Portugueses mais praticavam. As bases matemáticas necessárias para a navegação eram bastante rudimentares, não sendo exigidos nenhuns conhecimentos especiais, nem grandes capacidades de cálculo, para levar a efeito as operações aritméticas necessárias para determinar a posição dos navios. Por esse motivo não existia em Portugal, durante o século XV e pelo menos na primeira metade do XVI, qualquer organismo institucional vocacionado para a formação dos pilotos. O “apoio científico” era garantido por astrólogos, que preparavam tabelas, prontas a utilizar, com coordenadas dos astros para serem usadas na determinação da posição dos navios. Com o passar do tempo, as exigências de precisão, no que respeita ao conhecimento da posição do navio foram aumentando. No final da primeira metade do século XVI, a Coroa decidiu criar uma aula, do Cosmógrafo-mor, que tinha, entre outras incumbências, a de ministrar formação aos futuros pilotos e a outros homens ligados às actividades náuticas, como cartógrafos e fabricantes de instrumentos. Pouco se acerca das actividades deste funcionário régio nos primeiros anos, mas as suas aulas não teriam tido grande afluência, pelo menos durante o século XVI. Situação semelhante se verificou com a cadeira de matemática criada na Universidade de Coimbra. Em 1574, o rei decidiu solicitar ao Jesuítas que instituíssem uma classe, no seu colégio de Santo Antão, em Lisboa, destinada a dar a formação matemática necessária aos homens do mar. Aproveitar-se-ia assim a experiência e a vocação para ensinar que os membros daquela ordem religiosa demonstraram desde a fundação da mesma. As lições aí ministradas ficaram conhecidas pela designação de Aula da Esfera. A origem desta designação está certamente relacionada com os inúmeros “Tratados da Esfera” redigidos na Idade Média, nos quais eram expostas noções de Cosmografia, base dos conhecimentos necessários para a Arte de Navegar. O objectivo inicial da Aula da Esfera era fornecer as ferramentas técnicas e matemáticas necessárias para os homens do mar. Por esse motivo, o seu ensino era bastante prático, e vocacionado para aquele objectivo concreto, pelo menos nos primeiros tempos do seu funcionamento. Uma característica importante desta aula é o facto de ele se afastar da prática definida para o ensino da matemática nos colégios jesuítas. Essa prática encontrava-se enunciada no Ratio Studiorum, onde se definia o plano estratégico a ser seguido pelos Jesuítas, em termos de ensino. Sendo o latim a língua culta da época usada na maioria das aulas ministradas um pouco por toda a Europa, não passou despercebido a um visitante italiano o facto de em Portugal serem dadas lições, na Aula da Esfera, em vernáculo, o que se percebe pelo facto de os alunos serem geralmente pessoas que não dominariam certamente o latim. Com o passar do tempo, e a modificação de diversos aspectos da vida nacional, a referida aula sofreu também alterações mais ou menos profundas. O programa das aulas era definido pelo professor que as ministrava, razão pela qual se notam modificações nas matérias ensinadas cada vez que o professor mudava. Analisando os diversos sumários, e nalguns casos apontamentos das próprias aulas, que chegaram até aos nossos dias, notamos uma tendência para um ensino cada vez mais teórico, afastando-se portanto do seu objectivo inicial, que era o de dar formação de índole prática. O interesse pela Arte de Navegar foi sendo cada vez menor, mantendo-se no entanto, o interesse pela cosmografia e pelo uso de globos. Nota-se por vezes, que os professores analisam os problemas que interessavam aos homens do mar, mas dum ponto de vista bastante teórico, propondo soluções sem qualquer interesse prático. Também o ensino da Geografia, que na época era conhecida como Hidrografia, foi desaparecendo, a pouco e pouco, das aulas. Após a Restauração da Independência, em 1640, os programas da Aula da Esfera sofreram alterações significativas de forma a melhor servirem as necessidades que o país conhecia. Vivendo‑se então uma situação de confronto militar eminente com Castela era premente a construção de fortificações militares, especialmente nas regiões de fronteira. Matérias como a Aritmética e a Geometria passaram a ser ensinadas na segunda metade do século XVII, fornecendo assim as bases essenciais para aqueles que mais tarde viriam a ser engenheiros militares. A inclusão no curso, por ordem régia, de lições de Arquitectura, é mais uma prova evidente da importância que na época se dava à formação de homens habilitados a construir e reparar fortificações. Muitos dos professores que ensinaram na Aula da Esfera eram estrangeiros. A insuficiência de pessoal qualificado, em Portugal, para ministrar essas matérias é uma das explicações para esse fenómeno. Por outro lado, muitas das actividades de missionação da Companhia de Jesus ocorreram no Oriente. Na China essa missionação concretizou-se através de uma actividade científica intensa por parte dos padres jesuítas, que resolveram muitos dos problemas de ordem prática que os Chineses lhes colocaram. Sendo Lisboa a via pela qual esses cientistas chegavam ao Oriente, e pertencendo aqueles territórios à Província portuguesa da Companhia compreende-se facilmente que muitos desses estrangeiros destinados ao Oriente cá ensinassem, enquanto aguardavam a partida, ou quando de lá regressavam. Embora possam ser apontadas inúmeras lacunas nas lições apresentadas na Aula da Esfera importa destacar o facto de esta ter sido o único local onde em Portugal se ensinou regularmente Matemática, numa época em que a cadeira universitária dessa disciplina não tinha praticamente nenhuns alunos. Além disso, devido ao facto de muitos dos seus professores serem estrangeiros, que tinham contactado com realidades diferentes da portuguesa, a Aula da Esfera foi a via de entrada de muitas das novidades científicas que iam surgindo um pouco por toda a Europa. António Costa Canas 06-2003 Bibliografia ALBUQUERQUE, Luís de, “A «Aula da Esfera» do Colégio de Santo Antão no século XVII”, Estudos de História da Ciência Náutica. Homenagem do Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical, 1994, pp. 533-579. LEITÃO, Henrique, “A periphery between two centres? Portugal in the scientific routes from Europe to China (16th and 17th centuries)”, in Ana Simões, Ana Carneiro, Maria Paula Diogo (eds.), Travels of learning. A Geography of Science in Europe, Dordrecht, Kluwer, 2003, pp. 19-46. LEITÃO, Henrique, “Jesuit Mathematical Practice in Portugal, 1540-1759” Archimedes, volume 6, Dordrecht, Boston, London, Kluwer Academic Publishers, pp. 229-247. Imagem: Tratado sobre a Esfera Material, Celeste e Natural, do padre Cristóvão Galo. Reproduzido de ALBUQUERQUE, Luís de, “A «Aula da Esfera» do Colégio de Santo Antão no século XVII”, Estudos de História da Ciência Náutica. Homenagem do Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical, 1994, p. 574.

Capitão-mor

Capitão-mor
Capitão-mor Pedro Álvares Cabral O termo capitão (derivado do latim caput, --itis, «cabeça») designava originalmente, lato sensu, o comandante de qualquer corpo militar, primeiro a nível terrestre, e mais tarde também, a nível naval. O seu uso estava já bastante difundido por Castela, quando começou a ser adoptado em Portugal, na Baixa Idade Média. Ainda em Castela, por volta do século XV, e com a proliferação dos capitães (devido às condições sociológicas específicas aí existentes), começou-se a chamar, àquele que superintendia os demais, capitán mayor - donde o nosso capitão-mor (etimologicamente, o capitão de mais elevado grau). Este cargo de capitão-mor correspondia, em Portugal, sensivelmente ao de fronteiro-mor (o responsável militar supremo no seio de cada uma das comarcas do Reino). Convém, porém, distinguir, os vários tipos de capitães-mores que foram surgindo com o correr dos tempos em Portugal e que aparecem referenciados na documentação. Assim, fruto da reorganização censitário-militar do Reino, iniciada nos finais da Idade Média e culminando, já no tempo de D. Sebastião (1570), na criação das Companhias de Ordenanças (também chamadas dos capitães-mores das ordenanças), os capitães-mores tornaram-se a suprema autoridade militar a nível municipal (sendo os respon-sáveis pela conscrição local e pela defesa dos castelos em que eram investidos); substituindo assim o velho cargo de alcaide-mor, que durante os séculos subsequentes à Reconquista detivera idênticas prerrogativas nos concelhos portugueses. Paralelamente, no Império Português do Oriente, no Brasil e ainda em África, o termo capitão-mor passou a designar os comandantes militares das fortalezas (ainda que, muitas vezes, a documentação se lhes refira, sincopadamente, apenas como capitães); tal uso permaneceu arreigado durante muito tempo, sobretudo, na antiga colónia de Moçambique. Para além dos supra-mencionados, existia ainda o cargo de capitão-mor dos ginetes, criado por D. João II em Agosto de 1484, e que equivalia ao de comandante da Guarda Real. É, contudo, ao nível naval que se torna mais recorrente a utilização do termo capitão-mor, de tal forma que, por metonímia, a ideia de capitão-mor quase sempre nos remete para a de comandante supremo de uma armada. A documentação alude a pelo menos dois tipos de capitães-mores no contexto naval: o capitão-mor da armada (geralmente chamado apenas de capitão-mor), que ordinariamente comandava as armadas da «Carreira da Índia» (ou outras esquadras similares); seguia a bordo da nau-capitânia, e para além de exercer pessoalmente o comando sobre esta última, fiscalizava os capitães das demais embarcações; para além deste, existiu também o capitão-mor-do-mar, cargo criado em 1373 pelo rei D. Fernando I no decorrer da Segunda Guerra Fernandina. Como o almirante Lançarote Pessanha se tivesse revelado ineficaz na defesa marítima de Lisboa, permitindo o desembarque e subsequente incêndio da capital pelas forças de Henrique II de Castela, o monarca português destituiu-o do cargo, nomeando Almirante de Portugal o Conde de Barcelos e de Ourém (João Afonso Teles de Menezes, tio da rainha D. Leonor Teles), e criando o cargo de capitão-mor-do-mar na pessoa de Gonçalo Tenreiro, ficando este a comandar as naus da armada real, e aquele, como comandante das galés (pelo que, aparentemente, portanto, a distinção entre o almirante e o capitão-mor-do-mar residiria no tipo de embarcações que cada um capitaneava). Este cargo de capitão-mor-do-mar evoluiu, ao longo dos séculos, até chegar ao século XVIII, já mera-mente honorífico, sob a designação de Capitão-general da Armada Real e dos Galeões de Alto Bordo do Mar-Oceano. Os seus últimos titulares foram, respectivamente, D. João da Bemposta ( 1782), filho legiti-mado do Infante D. Francisco, Duque de Beja, e por conseguinte sobrinho do Rei D. João V; D. Pedro José de Noronha Camões de Albuquerque Moniz de Sousa ( 1788), 4.º Conde de Vila Verde e 3.º Mar-quês de Angeja; e, enfim, Martinho de Melo e Castro ( 1795), Secretário de Estado da Marinha durante o governo de D. Maria I, que o viria a suprimir. André Leitão Bibliografia MATOS, Gastão de Melo de, «Capitão», Dicionário de História de Portugal. Dir. de Joel Serrão, vol. 1, Porto, Livraria Figueirinhas, 1975, pp. 471-472. MATOS, Gastão de Melo de, Nota sobre os Postos no Exército Português, Lisboa, [s. n.], 1932. NASCIMENTO, Paulo, «Capitão-mor», Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, dir. de Luís de Albuquerque e coord. de Francisco Contente Domingues, vol. I, Lisboa, Editorial Caminho, 1994, p. 197. «Capitão-mor», Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. V, Rio de Janeiro-Lisboa, Editorial Enciclopédia, [s. d.], p. 819.

Cartografia náutica portuguesa

Cartografia náutica portuguesa
Cartografia náutica portuguesa Armando Cortesão definiu quatro grandes marcos na história da ciência náutica e da cartografia: o desenvolvimento da carta‑portulano, no século XIII, no Mediterrâneo; a invenção da navegação astronómica e consequente introdução da escala das latitudes nas cartas, em finais do século XV; a descoberta da loxodrómia e a sua representação por uma linha recta na carta desenhada segundo a projecção de Mercator; e por último o aperfeiçoamento do cronómetro, pelo inglês Harrisson, em finais do século XVIII, que permitiu a determinação da longitude no mar. Entre estes passos, o segundo é quase exclusivamente português, enquanto que em relação à projecção de Mercator podemos afirmar que ela deve muito aos estudos realizados pelo grande matemático Pedro Nunes, que descobriu o conceito de loxodrómia e cuja obra seria certamente conhecida de Mercator, que nela se teria inspirado para conceber a projecção que celebrizou o seu nome. A representação cartográfica dos lugares, que iam sendo descobertos pelos navegadores dos séculos XV e XVI, foi fundamental para o estabelecimento de viagens regulares para esses mesmos locais. Só com um conhecimento mais ou menos rigoroso das condições de navegação se pode realizar esta em segurança. A cartografia foi, entre diversos outros factores, um dos elementos fundamentais para o sucesso dos Descobrimentos portugueses. Herdeira das escolas cartográficas do Mediterrâneo, centro a partir do qual se desenvolveu a cartografia na Idade Média, a cartografia portuguesa teria recebido essa influência a partir da vinda de Mestre Jaime de Maiorca, a pedido do Infante D. Henrique, durante o primeiro quartel do século XV. No entanto, deste século são conhecidos poucos exemplares cartográficos de origem portuguesa, embora existam diversas referências nos textos da época que nos permitem deduzir que as cartas eram uma das ferramentas ao dispor dos homens do mar de então para garantirem uma navegação mais segura. Se em relação ao século XV os dados disponíveis sobre a cartografia produzida em Portugal são escassos, a situação relativa ao século seguinte é completamente diferente. São conhecidas centenas de cartas, reunidas por Avelino Teixeira da Mota e Armando Cortesão na obra Portugaliae Monumenta Cartographica. Está identificada a maioria dos autores destas obras, embora ainda existam algumas desenhas de cartas sobre as quais não foi possível descobrir a identidade do cartógrafo que a realizou. Sendo a cartografia uma arte, no sentido medieval de trabalho de artesão, não admira que as técnicas utilizadas no desenho e reprodução fossem transmitidas de pais para filhos. Por esta razão encontramos diversas famílias de cartógrafos como a família Reinel, a família Homem ou a família Teixeira. Podemos considerar a existência de duas grandes vertentes na cartografia daquela época. Por um lado, uma cartografia de características eminentemente práticas, destinada a uma utilização a bordo dos navios que, todos os anos, em largo número, viajavam nas diversas carreiras praticadas pelos Portugueses. Estas cartas teriam na sua grande maioria destruídas pela sua utilização normal a bordo desses navios. O outro tipo de cartas que seriam produzidas teria um fim diferente. Eram destinadas a uma utilização sumptuária e decorativa. Tratava‑se de autênticas obras de arte. São deste último género praticamente todas aquelas que chegaram até nós, uma vez que como não foram usadas a bordo e como eram consideradas preciosidades pelos seus detentores, foram devidamente conservadas, facto que impediu a sua destruição. Uma análise atenta de todos os exemplares cartográficos portugueses conhecidos datados daqueles séculos permite‑nos conhecer alguns elementos sobre a evolução das técnicas de construção utilizadas e sobre o rigor da informação contida nas cartas. A técnica base de construção era a das cartas‑portulano, caracterizadas por terem uma “rede” de direcções irradiando a partir de determinados pontos da carta para que os seus utilizadores pudessem facilmente conhecer a direcção que unia quaisquer dois locais representados na carta. A posição de um navio no mar, em qualquer instante, pode ser conhecida se soubermos qual a direcção em que ele navegou e qual a distância percorrida desde uma posição anterior. Este método é conhecido entre os historiadores da náutica com de rumo e estima. Daí que fosse fundamental que as cartas possuíssem os elementos necessários para que os marinheiros conseguissem marcar essa direcção. No entanto, com a progressão das navegações portuguesas, ao longo da costa africana, as distâncias percorridas no alto‑mar, sem avistar terra para rectificar a posição, foram sendo cada vez mais extensas. Os erros associados à determinação da direcção e da distância percorrida vão‑se acumulando ao longo do tempo. Assim, as posições obtidas recorrendo apenas ao rumo e estima eram afectadas por erros tanto maiores quanto maior fosse o intervalo de tempo decorrido para rectificação da posição. Os Portugueses resolveram este problema, ainda durante o século XV, adaptando técnicas astronómicas para uso a bordo dos navios, técnicas essas que permitiam um conhecimento rigoroso da latitude do navio. As cartas passaram a reflectir este avanço que se verificou a nível da Arte de Navegar, passando a conter uma escala apropriada para determinação da latitude dos diversos lugares nelas registados. A introdução da escala das latitudes e a recolha sistemática de elementos “hidrográficos” para inserir nas cartas levou a um aumento do rigor da informação contida nas mesmas. A representação do mundo herdada da obra de Ptolomeu foi completamente ultrapassada. As concepções do grande sábio grego, baseadas em elementos que em muitos casos não tinham sido confirmados por observações práticas, foram substituídas por outras que resultavam da observação directa realizada pelos Portugueses que viajavam com uma frequência cada vez maior por quase todo o mundo. Além da sua principal função que seria a marcação das posições dos navios no mar, as cartas teriam outro tipo de utilidade. Nelas eram representadas informações diversas, com intuitos decorativos ou com um interesse prático bastante acentuado. Serviam, por exemplo, como suporte para representação de imagens dos habitantes, da fauna e da flora das terras que iam sendo descobertas. Ou seja, as cartas eram uma das formas possíveis de representação do exótico, desses mundos novos, tão ao gosto do homem do Renascimento. Por outro lado, nas cartas eram inseridos muitos dos elementos que serviam para a condução da navegação, tais como representações gráficas ou tabelares dos regimentos e das regras práticas de que os pilotos se serviam para determinação de elementos de interesse náutico. Em muitas delas eram ainda representadas vistas de algumas regiões costeiras ou ainda informação de interesse político como é o caso dos elementos que atribuíam a posse de um determinado território a um dado reino europeu. A cartografia portuguesa da época das grandes descobertas servia perfeitamente para as exigências das técnicas de navegar daquele tempo. No entanto, apresentavam duas grandes limitações que só posteriormente foram resolvidas, fora de Portugal. A primeira tem a ver com a existência duma escala de longitudes. As cartas portuguesas não apresentavam esta escala pelo simples facto de a determinação desta coordenada não ser possível naquele tempo. O problema apenas foi resolvido no século XVIII. Quanto à segunda limitação prende‑se com a representação de uma superfície esférica num suporte plano. Uma vez que a Terra tem uma forma aproximadamente esférica a sua representação sem distorções apenas é possível sobre um globo. No século XVI esta foi uma das hipóteses consideradas pela cartografia. No entanto, o uso de globos apresenta duas grandes limitações. A primeira tem a ver com as dimensões. Como num globo se representa sempre a totalidade da superfície terrestre o seu tamanho teria que ser bastante grande para que fosse possível representar essa superfície com o detalhe suficiente para que o globo tivesse alguma utilidade, o que tornava impraticável o seu uso. Por outro lado, a medição ou o traçado de direcções ou distâncias sobre uma esfera, fundamental para o conhecimento da posição do navio, é bastante complexo, razão pela qual os globos nunca tiveram qualquer utilidade prática no mar. Pedro Nunes identificou praticamente todas as limitações que as cartas daquela época apresentavam na representação da superfície terrestre. A ele se deve a noção de que a distância mais curta entre dois pontos da superfície terrestre é uma linha curva. Percebeu que a técnica utilizada para marcar direcções nas cartas implicava que os meridianos fossem paralelos entre si, quando na realidade eles convergem todos nos pólos. Compreendeu que devido a essa convergência uma linha recta representada numa carta, ou seja uma direcção que faça sempre o mesmo ângulo com todos os meridianos, não corresponde a uma recta sobre a superfície do globo mas sim a uma espiral que termina nos pólos. O resultado dos estudos de Pedro Nunes tiveram certamente influência no trabalho de Mercator que concebeu uma projecção que permitiu ultrapassar essas limitações das cartas daquele tempo. António Costa Canas Bibliografia ALBUQUERQUE, Luís de “Cartografia Portuguesa”, in Luís de Albuquerque [dir.], Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 213‑216. CORTESÃO, Armando, História da Cartografia Portuguesa, 2 vols., Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1969‑1970. MOTA, Avelino Teixeira da, “Cartografia e cartógrafos portugueses”, in Joel Serrão [dir.], Dicionário de História de Portugal, vol I, Porto, Livraria Ferreirinhas, [s.d.], pp. 500‑506. MOTA, Avelino Teixeira da, CORTESÃO, Armando, Portugaliae Monumenta Cartographica, 6 vols, Lisboa, 1960.

Coelho, Nicolau

Coelho, Nicolau
Coelho, Nicolau Segundo João de Barros, aquando da investidura de Vasco da Gama em Janeiro de 1497 no cargo de capitão-mór da armada que então se preparava para o «descobrimento da Índia», D. Manuel mandou-o chamar e «aos outros capitães que haviam de ir em sua companha: os quais eram Paulo da Gama seu irmão e Nicolau Coelho, ambos pessoas de quem el-rei confiava este cargo». Nicolau Coelho já teria então provado as suas qualidades de experiente navegador para receber tão importante nomeação do monarca: a de capitão de um dos navios da armada de Gama, a “Bérrio”. De facto, no decorrer da viagem foram-lhe confiadas as arriscadas missões de sondagem de fundeadouros para a armada, bem como a exploração do litoral africano, tendo o navegador dado provas da sua experiência e saber. Alguns dos exemplos dessas missões são o reconhecimento da costa junto à angra de Santa Helena, que serviu de fundeadouro para a armada de Gama na viagem de ida e a sondagem do canal da ilha de Moçambique, onde Nicolau Coelho demonstrou de forma evidente os seus atributos de marinheiro experiente pois, tendo-se partido o leme da “Bérrio” logo no início da aproximação à ilha, rapidamente o reparou, recuperando o governo do seu navio. Mas neste episódio da viagem o navegador demonstrou também a capacidade de diálogo e entendimento com as populações locais, tendo recebido cordialmente a bordo do seu navio o «xeque» local. Chegados ao seu objectivo, a Índia, Coelho foi novamente incumbido da exploração e sondagem do litoral, da qual dependia em larga medida a segurança da armada e, logo, o sucesso da missão. Para além disso, era também o responsável pela ligação a terra, sendo sua missão o comando e a salvaguarda dos batéis que transportaram Vasco da Gama ao encontro do samorim de Calecute e no seu regresso aos navios. Na viagem de regresso ao reino, a 25 de Abril de 1499 e por alturas dos baixos do rio Grande (na actual Guiné Bissau), Nicolau Coelho é afastado de Gama devido a uma repentina tempestade. Decidindo continuar viagem, a “Bérrio”é o primeiro navio a entrar no Tejo a 10 de Julho (ou a 8 do mesmo mês, como é defendido por alguns autores) de 1499, dando as primeiras notícias do sucesso da missão. O imp ortante papel desempenhado durante a viagem, bem como o seu mérito pessoal, foram recompensados por D. Manuel, que lhe concedeu, em 24 de Janeiro de 1500, uma tença de 50 000 réis por ano, sendo 30 000 de juro e herdade para ele e os seus descendentes, e os restantes 20 000 enquanto fosse mercê do monarca. Passados apenas cerca de seis meses após o seu regresso da Índia, Nicolau Coelho parte de novo com destino ao oriente na armada de Pedro Álvares Cabral. Chegada a armada ao Brasil, de novo foi confiado a Coelho o reconhecimento do litoral desse novo território, bem como o comando de um pequeno batel enviado a terra para estabelecer contacto com os indígenas que se encontravam na praia. Mais uma vez demonstrou Nicolau Coelho a sua experiência marinheira, bem como a facilidade de relacionamento com os novos povos contactados, qualidades que concorreram para que, ao lado de Sancho de Tovar e de Bartolomeu Dias, fosse um dos mais importantes capitães de Cabral. Em 1503, pouco mais de um ano após o seu regresso a Portugal, parte novamente com destino à Índia, ao comando da nau “Faial”, da armada de Afonso e Francisco de Albuquerque. No entanto, na viagem de regresso a Faial viria a naufragar, acabando o seu capitão por morrer nas mesmas águas que o notabilizaram. Bruno Gonçalves Neves Bibliografia CORTESÃO, Jaime, A Expedição de Pedro Álvares Cabral e o Descobrimento do Brasil, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1994 [1922]. COUTO, Jorge, A Construção do Brasil, Lisboa, Edições Cosmos, 1995. GARCIA, José Manuel, A Viagem de Vasco da Gama à Índia. 1497-1499, Lisboa, Academia de Marinha, 1999. Pereira, Moacir Soares, Capitães, Naus e Caravelas da Armada de Cabral, Coimbra, Junta de Investigação Científica do Ultramar, 1979.

Coutinho, Luís da Fonseca

Coutinho, Luís da Fonseca
Coutinho, Luís da Fonseca Viveu entre a segunda metade do século XVI a primeira metade do século XVII, sendo filho de Simão Botelho Correia e de Isabel Saraiva da Fonseca («cristãos limpos das Beiras», como se lhes refere a sua certidão de nascimento, conservada nos Reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa), muito provavelmente natural do lugar do Souto, na comarca e bispado de Lamego (onde seus pais eram moradores) foi, no dizer de Diogo Barbosa Machado, homem versado em Matemática e Filsofia, responsável pela composição da «Arte da Agulha fixa e modo de saber por ela a longitude», actividade em que empenhou mais de 4000 cruzados, para além de significativo lapso de tempo. Com efeito, procurou Luís da Fonseca Coutinho resolver, por meio da criação de uma agulha magnética, um dos problemas com que os navegadores europeus se debateriam até 1762 (altura em que ficou comprovada a fiabilidade do cronómetro inventado pelo relojoeiro inglês John Harrison)  - a  determinação exacta da longitude. No ano de 1598, pouco antes de falecer, Filipe II de Espanha abrira um concurso destinado, precisamente, a solucionar esta questão, atribuindo boa recompensa a quem inventasse um modo eficaz de medir a longitude. Nesse sentido, Coutinho construiu uma agulha «fixa em todas as partes do Mundo» (apontando sempre o Norte magnético), a qual seguiu a bordo de uma das naus da «Carreira da Índia», a S. Roque, capitaneada por um tal Constantino Menelau; ao regressar este do Oriente, em 1604, com resultados promissores, decidiu Luís Coutinho dirigir-se junto do monarca (então, Filipe III), com o intuito de lhe comunicar a sua descoberta. O soberano remeteu o assunto para o cosmógrafo-mor do Reino de Portugal, João Baptista Lavanha, o qual solicitou ao matemático português que lhe enviasse a dita agulha para Valladolid (onde então se achava a Corte), para que se pudesse testar com exactidão o invento. Embora a experiência tenha sido bem sucedida, Lavanha não ficou inteiramente convencido de que a agulha fosse eficaz no Oriente; ainda assim ordenou que Coutinho expedisse as suas agulhas nas embarcações que iam partir para a Índia nesse ano, para que pudes-sem ser experimentadas a bordo. Só em 1607, porém, Luís Coutinho voltou a falar com o monarca, tendo Filipe III - impressionado com o talento do matemático português e já amplamente convencido das virtudes da sua agulha fixa -, ordenado em Fevereiro de 1608 a constituição de uma Junta de especialistas, para discutirem o problema, não só da agulha fixa, como também das agulhas regulares (a de Norte-Sul, para medir a distância entre longitudes, e a de Leste-Oeste, para medir a distância entre latitudes), concebidas por Coutinho. Pouco depois, o Rei fixou em 6000 ducados anuais o valor da tença a atribuir ao vencedor do prémio aberto por seu pai. Com o parecer favorável de Lavanha, a agulha acabou por seguir, desta feita, para as Índias Ocidentais. Contudo, os resultados a bordo da nau Nuestra Señora de los Remedios foram pouco favoráveis à invenção de Luís Coutinho, que entretanto fora convidado a integrar uma nova Junta. Desta última faziam também parte Hernando de los Rios Coronel (que havia estado a bordo da N. S. de los Remedios, transportando a agulha de Coutinho) e o licenciado Antonio Moreno, os quais se esforçaram por desacreditar ao máximo o matemático português, bem como a sua invenção. Em 28 de Setembro de 1610, Coutinho revelava à Junta o segredo da sua invenção num peque-no «livrinho encadernado», iniciando-se no dia seguinte o seu exame. Contudo, as objecções de Rios Coronel e de Antonio Moreno impediram-no de ganhar o tão cobiçado prémio (que desejaria, provavelmente, empregar como dote para uma sua filha em idade casadoira); ainda se defendeu, mantendo-se na disputa até 1612, altura em que se retirou, infrutiferamente, da corrida. André Leitão Bibliografia GUEDES, Max Justo, «Luís da Fonseca Coutinho», Dicionário de História dos Descobrimentos Por-tugueses. Dir. de Luís de Albuquerque e coord. de Francisco Contente Domingues, vol. I, Lisboa, Edi-torial Caminho, 1994, pp. 313-315. LEITÃO, Humberto, Uma carta de João Baptista Lavanha a respeito das agulhas de Luís da Fonseca Coutinho, Coimbra, Junta de Investigações do Ultramar, 1966, separata da Revista da Faculdade de Ciências, vol. XXXIX. MACHADO, Diogo Barbosa, «Luiz da Fonseca Coutinho», Bibliotheca Lusitana: Historica, Critica, e Cronologica, na qual se Comprehende a Noticia dos Authores Portuguezes, e das Obras que Compuserão desde o Tempo da Promulgação da Ley da Graça até o Tempo Prezente, vol. III, fac-símile da edição de Lisboa, Na Oficina de Ignácio Rodrigues, 1762, Coimbra, Atlântida, 1967, p. 95.

Diários de bordo

Diários de bordo
Diários de bordo A designação Diário de Bordo suscita controvérsia junto de alguns historiadores, sobretudo porque é tardio o uso do termo de forma sistemática, e os exemplos precoces são passíveis de uma outra classificação, mostrando-se algo desenquadrados do conceito que vem a cimentar-se no século XVII, e permanece até à actualidade com uma organização e obrigatoriedade que é conhecida. Parece-me no entanto útil que nos fixemos nesta expressão, adoptando a forma como chegou ao século XX, evitando confusões com alternativas menos adequadas, como “Diário de Navegação” (v.g. Diário de Navegação de Macau que regista movimentos comerciais no porto de Macau) ou o obscuro “Diário de Viagem” com múltiplas aplicações. O Diário de Bordo é pois um registo, mais ou menos regular, dos dados da navegação de um determinado navio, onde constarão rumos, singraduras, registos de observações astronómicas, posições observadas ou estimadas, manobras, aspectos meteorológicos e outras tantas efemérides consideradas como importantes para a boa condução da navegação e para uma informação posterior sobre a viagem. Ainda durante o século XV, temos o exemplo do chamado Relato da Viagem de Vasco da Gama, que em muitos aspectos tem sido visto como um diário de bordo, onde falta o registo de enormes partes da viagem (pelo menos entre 18 de Agosto e 18 de Outubro de 1497), e com informações que não teriam importância para o efeito pretendido. Aliás, ao longo do século XVI vamos encontrar vários casos em que a designação de diário não preenche em absoluto as condições que se exigiriam a um diário de bordo, e pouca importância teriam tido para a navegação. Exceptuamos dois casos especiais, que são o Diário de Navegação de Pêro Lopes de Sousa, com os registos da viagem que efectuou ao Brasil sob o comando se seu irmão Martim Afonso de Sousa, e os chamados Roteiros de D. João de Castro, onde o carácter metódico dos registos os transforma em diários de bordo, mas com um objectivo distinto da sua normal elaboração. O caso de D. João de Castro é de resto um caso à parte em quase todas as considerações de natureza náutica, no século XVI, na medida em que os seus conhecimentos e métodos estão bastante avançados e – isso é o mais importante – acabam por não ter uma utilização prática significativa nas navegações que se lhe seguiram, permanecendo como estudo erudito e rigoroso, próprio de um fidalgo da renascença, interessado por questões de mar e navegação. Até aos últimos anos do século XVI, não encontramos nenhum outro texto que possa verdadeiramente chamar-se um Diário de Bordo (o Diário da viagem de D. Álvaro de Castro ao Hadramaute, em 1548, é menos expressivo), mas é completamente absurdo pensar que eles não existiram numa forma qualquer. Não podemos aceitar que sendo a estima a forma básica e principal da navegação, se possa esquecer que para fazer estima é fundamental registar rumos, variações de rumo e distâncias percorridas, com o rigor possível e com uma enorme disciplina. É possível que numa viagem curta e numa derrota já conhecida, o piloto se dispensasse de escrever um registo da navegação, limitando-se a seguir os passos de um roteiro, mas parece-me de todo impraticável que o mesmo possa acontecer num percurso tão complexo como o de Lisboa à Índia. Além disso as cartas náuticas eram elaboradas no Reino, com base nos dados das próprias navegações, que os cartógrafos tinham de entender de qualquer forma. Quando entramos no século XVII (fim do XVI) e começamos a encontrar “verdadeiros” Diários de Bordo, verificamos que estamos a lidar com cópias sobreviventes, efectuadas à margem do procedimento normal e como resultado do zelo de alguém (provavelmente o 5º Conde da Castanheira). Com as excepções já referidas, talvez sejam estes os primeiros Diários de Bordo portugueses sobreviventes às agruras do tempo, mas não creio que, de maneira nenhuma, possam ter sido pioneiros da prática de registo de dados da navegação, que me parece inerente à técnica náutica (estima) e indispensáveis à produção cartográfica. Mais provável será que os registos dos pilotos tivessem desaparecido, como aliás aconteceu com muita outra documentação náutica portuguesa. Luís Jorge Semedo de Matos Bibliografia ALBUQUERQUE, Luís, Introdução à História dos Descobrimentos Portugueses, 4ª Ed., Mem Martins, Europa América, 1989. FONSECA, Quirino da, Diários da Navegação da Carreira da Índia nos anos de 1595, 1596, 1597, 1600 e 1603, Lisboa, Academia das Ciências, 1938. LEITÃO, Humberto, Viagens do Reino para a Índia e da Índia para o Reino (1608-1612), 3 vols, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1957/58. PINTO, João Rocha, Houve diários de bordo durante os séculos XV e XVI?, sep. Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXXIV, 1988, Lisboa, Instituto de Investigação Científica e Tropical, 1988.

Esteves, Álvaro

Esteves, Álvaro
Esteves, Álvaro Depois de um interregno durante o qual não se verificaram progressos muito assinaláveis nas viagens de descobrimento, a exploração da costa ocidental africana conheceu um notável impulso por via do contrato assinado pelo mercador Fernão Gomes, que se comprometeu à exploração de 500 léguas de costa por um período de cinco anos, que veio a ser prorrogado por mais um, até 1474, tendo como contrapartida o exclusivo da navegação comercial (por algumas excepções). Das várias viagens então realizadas, por regra bem sucedidas, ressalta a de 1471, que pela primeira vez resgatou ouro na costa da Mina: era comandada por Pêro Escobar e João de Santarém, e levava como pilotos Martim Fernandes e Álvaro Esteves, sobre o qual, mais tarde, escreveu Duarte Pacheco Pereira que “foi o mais avantajado homem do seu ofício que na Espanha então houve” (Esmeraldo de Situ Orbis, liv. II, cap. IV). Não há qualquer outra notícia que ligue o nome deste piloto aos Descobrimentos, referindo-se-lhe explicitamente. Como é frequente nesta época, existem casos de homonímia que tornam muito difícil a tarefa de rastrear percursos biográficos individualizados com rigor. Assim sucede com Álvaro Esteves, e estamos em crer que algumas das identificações já propostas carecem de fundamentação adequada. Nas vereações da Câmara do Funchal ocorrem em 1470 e 1471 duas menções a um homem do trato (ou seja, comerciante), com notória experiência de navegação (e que sabia navegar no Inverno como no Verão), segundo se refere a si próprio. Não é impossível que se trate do mesmo personagem, o qual pode ainda ser o vereador e homem-bom citado várias vezes nos mesmos registos entre 1488 e 1495. A ser assim, tratar-se-ia de um piloto que se dedicava ao comércio (oriundo da Madeira ou tendo-se fixado aí), o que não era caso único, e que teria aparecido algo esporadicamente nas viagens de descobrimento, já que da primeira daquelas suas actividades não há mais notícia. Trata-se todavia de uma simples hipótese que carece de confirmação. A sua escolha para a viagem de 1471, a par da menção de Duarte Pacheco, indicia porém e de certeza que estamos perante um dos conceituados profissionais deste período final do século XV. Francisco Contente Domingues Bibliografia DOMINGUES, Francisco Contente, “O piloto Álvaro Esteves: um problema de identificação”, in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, vol. I, Funchal, Direcção Regional dos Assuntos Culturais, 1989, pp. 378-387.

Ataíde, D. António de

Ataíde, D. António de
Ataíde, D. António de Nasceu em 1567, segundo filho do segundo conde da Castanheira e de D. Bárbara de Lara, tendo herdado o título do quarto titular da Casa, o seu sobrinho D. João de Ataíde. Era neto e homónimo do primeiro conde, vedor da Fazenda D. João III, e um dos fantasiosos nobiliários da época faz mesmo remontar a sua linhagem a Egas Moniz. D. António embarcou na armada do marquês de Santa Cruz que em 1582 foi enviada aos Açores a combater os partidários do Prior do Crato, e depois prestou em várias armadas da costa nos anos subsequentes. Em 1611 comandou a armada anual para a Índia, para o que não carecia de experiência de mar anterior, já que aos capitães-mor nada era requerido que exigisse conhecimentos náuticos, embora esta nomeação possa ter sido devida exactamente ao seu domínio da arte de navegar, já que foi encarregue pelo rei de comentar e sugerir alterações ao regimento padrão da viagem. A nau capitânea levava como piloto um dos mais experientes oficiais do ofício dessa época, com reputação estabelecida e longa prática do mar: Simão Castanho Pais. Em resultado de um desaguizado entre ambos, é o próprio capitão do navio que assegura a pilotagem e escreve o diário de bordo na viagem de regresso, uma situação a todos os títulos excepcional na Carreira da Índia e prova da suficiência de D. António, tornando-se patente que aprendeu os fundamentos da arte de navegar nos dois decénios que medearam entre a ida aos Açores e o comando desta armada. Depois do regresso a Lisboa é provido no posto de coronel de infantaria, e em 1618 no de general da armada de Portugal, comandando a armada da costa, que aguardava os navios que se aproximavam do litoral para os proteger dos ataques de piratas e corsários. É nesta qualidade que procede em 1621 à criação do primeiro corpo de infantaria de marinha, o Terço da Armada Real, precursor dos corpos destinados ao embarque de tropas de combate em navios de guerra. Logo no ano seguinte teve lugar um episódio que ficou nos anais da Carreira da Índia como uma das suas mais infaustas perdas. A nau “Nossa Senhora da Conceição” perdeu-se ao largo de Peniche, em resultado de uma explosão, depois do ataque de uma armada de dezassete vasos argelinos com a qual combateu rijamente durante dois dias, apesar de dispor apenas de 22 bocas de fogo. D. António foi considerado culpado de perda da nau por não lhe ter acorrido a tempo, enquanto capitão-mor da armada da costa, cuja missão era precisamente a de defender os navios da Índia na sua aproximação à orla litoral portuguesa: preso em casa primeiro e no Limoeiro depois, foi tirada devassa do sucedido. O processo arrastou-se por três anos, acabando por se concluir que o acusado procedera afinal como o regimento preconizava, e procurara até perseguir os piratas, embora sem sucesso. D. António deu resposta longa e cuidada aos quesitos da sua suposta culpa, afirmando desde o início que tudo se devia à perseguição dos seus inimigos, nomeadamente do desembargador Manuel Coutinho, a ponto de nem sequer se ter esperado pelo seu regresso para dar início à tentativa de inculpação. Finalmente ilibado, é feito primeiro conde de Castro Daire a 30 de Abril de 1625, alcaide-mor de Guimarães, senhor dos lugares de Paiva, Baltar e Cabril, gentil-homem de boca e mordomo-mor da rainha: uma compensação de desagravo pela injustiça a que fora sujeito. A partir desta altura, outros cargos e missões de importância atestam o alto merecimento de que sempre beneficiou junto de Filipe IV: foi conselheiro de Estado do Conselho de Portugal, presidente do Conselho de Aragão e presidente da Mesa da Consciência e Ordens. Chefiou a embaixada enviada ao imperador D. Fernando II em 1628-1630, da qual o seu secretário, Damião Ribeiro, fez um copioso relato que ainda se conserva manuscrito. No regresso é nomeado governador de Portugal, cargo que ocupa sozinho de Março de 1632 a Abril de 1633, em virtude do falecimento do conde de Vale de Reis, Nuno de Mendonça. A Restauração encontrou-o pois profundamente ligado à gestão dos Habsburgos, e talvez por isso não se livrou da prisão em 1641, por suspeita (infundada) de participação numa conjura pró-espanhola. Para a desconfiança política que com certeza suscitava junto da nova dinastia, deve também ter concorrido o facto de o seu filho mais velho, D. Jerónimo de Ataíde, ter ficado por Madrid depois do 1º de Dezembro de 1640; a presidência da Mesa da Consciência e Ordens foi-lhe retirada, mas D. António passou os últimos anos de vida em quietude, morrendo a 14 de Dezembro de 1647. D. António de Ataíde reuniu ao longo da vida a que foi sem dúvida uma das melhores bibliotecas privadas do seu tempo, no tocante à matéria naval, dada a riqueza e quantidade dos livros e manuscritos que a integraram. Conhecemos hoje alguns códices importantes que foram sua pertença, e de parte dos quais damos nota breve de seguida: 1- Códices de Harvard Conjunto de três códices pertença da Universidade de Harvard. O primeiro códice leva por título Armadas. Collecção de documentos, impressos e manuscriptos relativos às armadas de Portugal; Collecção de varios Documentos, e papeis Regios e administrativos, e contém materiais relativos ao período de 1588 a 1633. É o que contém mais informações relativas à construção e apresto de navios e armadas, como sejam as relativas a custos detalhados de construção, soldos e quintaladas, artilharia, boticas e similares. O segundo códice notabiliza-se pela inserção de impressos invulgares, a par de cópias manuscritas de documentos igualmente importantes. Tem um conteúdo algo diferente do primeiro, como o próprio título deixa logo entrever: Collecção de varios Documentos, e papeis Regios e administrativos respectivos, e abre com um documento raro: um dos dois únicos exemplares conhecidos, em perfeito estado, da relação da Armada de 1588 dada à estampa por Antonio Alvarez, em Lisboa, nesse mesmo ano. Finalmente, o terceiro volume é no essencial o copiador de D. António. 3.2. Relação das Náos e Armadas da India O códice Add. 20902 da British Library contém uma das mais interessantes relações de armadas da Índia, por na verdade serem duas, conforme notou Luís de Albuquerque na introdução da respectiva edição, tal a riqueza e detalhe dos comentários à margem. O códice foi compilado por ordem de D. António de Ataíde, que o anotou. 3.3. Compilações de Diários de Bordo Conhecem-se duas compilações de diários de bordo que estiveram na posse de D. António de Ataíde. A primeira, pertença da Academia de Ciências de Lisboa, reúne seis textos escritos entre 1595 e 1603, e foi publicada por Henrique Quirino da Fonseca. O códice está pouco anotado, ao contrário do que sucede por norma, mas é bem provável que tenha sido usado para preparar a viagem de 1611, como base de estudo prévio da experiência dos pilotos da carreira da Índia. O Arquivo Histórico Militar guarda a outra compilação, publicada por Humberto Leitão; sobreleva a anterior a vários títulos, nomeadamente pelas notas de D. António, autor do sexto e último diário pelos motivos já referidos, e bem assim porque todos eles vieram da mão de alguns dos mais reputados e experientes pilotos da época. 3.4. Livro de marinharia de Gaspar Moreira O original do livro de marinharia conhecido pelo nome de Gaspar Moreira (como sempre porque o seu nome é lá citado), que mereceu uma excelente edição de Léon Bourdon e Luís de Albuquerque; tem também notas de D. António. O seu possuidor julgava-se melhor piloto do que seria de facto: seguramente conhecia a arte, mas errou por três vezes nos comentários que escreveu no livro, evidenciando a distância que o separava dos profissionais. 3.5. Códices da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Assinalados por Charles Boxer, não pudémos encontrar o primeiro. Quanto ao segundo, trata-se de uma miscelânea de manuscritos e impressos que dizem respeito à organização marítima e naval (não só espanhola), com informação vária sobre navios, pólvora e artilharia, entre outros assuntos, sendo quase todos os documentos datados da década de 1630. 3.6. Codex Ataide (antigo Codex Lynch) Conhecido pelo nome do proprietário (Sir Henry Lynch) que o ofereceu ao King’s College, em Londres, em cujo arquivo se guarda. Contém documentação relativa à Companhia Portuguesa das Índias Orientais para o período de 1628-1633. Como é norma, está extensamente anotado. Francisco Contente Domingues Bibliografia BOXER, Charles, Charles Boxer: "Um roteirista desconhecido do século XVII. D. António de Ataíde, capitão geral da Armada de Portugal", Arquivo Histórico da Marinha, vol. I, nº 1, 1934, pp. 189-200. IDEM, "The Naval and Colonial Papers of D. António de Ataíde", Harvard Library Bulletin, vol. V, n. 1, 1951, pp. 24-50. DOMINGUES, Francisco Contente, Os Navios da Expansão. O Livro da Fabrica das Naos de Fernando Oliveira e a arquitectura naval portuguesa dos séculos XVI e XVII, Diss. de Doutoramento, Universidade de Lisboa, 2000. DOMINGUES, Francisco Contente, e GUERREIRO, Inácio, "D. António de Ataíde, capitão-mor da armada da Índia de 1611", in A Abertura do Mundo. Estudos de História dos Descobrimentos Europeus em Homenagem a Luís de Albuquerque, org. de Francisco Contente Domingues e Luís Filipe Barreto, vol. II, Lisboa, Presença, 1987, pp. 51-72. FONSECA, Henrique Quirino, Diários de Navegação da Carreira da Índia, nos anos de 1595, 1596, 1597, 1600 e 1603, Lisboa, Academia das Ciências, 1938. LEITÃO, Humberto (Introdução e notas), Viagens do Reino para a Índia e da Índia para o Reino (1608-1612). Diários de navegação coligidos por D. António de Ataíde no século XVII, 3 vols., Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1957-1958.

Bolina, navegação à

Bolina, navegação à
Bolina, navegação à A navegação à bolina é, por definição, aquela que é efectuada com o vento aparente para vante do través, ou seja, menos de 90º relativamente à proa do navio, que o mesmo é dizer menos de 8 quartas. Uma quarta, por conseguinte, equivale a 11º,25 ou 11º15’. Com o vento aberto entre os 90º e os 157º,5 (8 a 14 quartas) o navio navega a um largo e com o vento a entrar por um ângulo superior a 14 quartas, navega à popa. Contrariamente a uma ideia mais ou menos generalizada, nenhum navio à vela pode navegar contra o vento. Para se deslocar na direcção de onde sopra o vento – ganhar barlavento –, terá que fazer bordos, navegando em zigue-zague, a uma bolina tanto maior – menor ângulo com o vento – quanto as suas velas e o seu aparelho permitam. Por norma, um navio de pano latino – velas que envergam no sentido longitudinal do navio (e.g. caravela) – pode navegar mais chegado ao vento (bolina cerrada) do que um navio de pano redondo – velas que envergam no sentido transversal do navio (e.g. nau). Esta razão deve-se ao facto de as vergas – paus onde enverga o pano redondo – terem o seu movimento para vante limitado, devido à presença das enxárcias – cabos que seguram o mastro para a borda. Como tal, o ângulo com que a vela pode receber o vento é sempre menor do que aquele em que a vela já está, à partida, envergada no sentido proa-popa. Esta é a justificação pela qual, muitas das vezes mal explicada, se diz que uma caravela podia andar contra o vento. O que não corresponde minimamente à verdade. É que a navegação à vela para Portugal, da Mina ou do arquipélago de Cabo Verde, só podia ser feita à bolina, pois a presença constante dos ventos alísios de nordeste (NE) a isso obrigava. Os navios tinham, consequentemente, que se afastar muito da costa e fazer a volta pelo largo, de forma a tornar possível a viagem, indo passar perto dos Açores. Com uma caravela, em vez de um navio de pano redondo, esse afastamento, ou volta pelo largo, seria um pouco menor. Mas não muito. É que, quanto mais cerrada for a bolina, maior é o abatimento – ângulo entre a proa e o rumo. No trajecto entre Cabo Verde e o cabo da Boa Esperança também os navios navegavam à bolina, até atingirem uma latitude próxima da do cabo. Nestas circunstâncias, sendo as mais das vezes navios redondos – naus – a fazer a viagem para a Índia, o afastamento da costa ocidental africana era enorme e passavam, inclusivamente, muito próximo da costa brasileira. O que terá levado ao descobrimento do Brasil, logo na segunda viagem da carreira, por Pedro Álvares Cabral. Apesar de muito se ter escrito acerca das capacidades de bolinar dos navios portugueses dos séculos XV-XVI, nem sempre as teses estão devidamente fundamentadas. E não por falta de documentação que refira as limitações de naus e caravelas. Indirectamente são fornecidas muitas informações por D. António de Ataíde na sua obra Viagens do Reino para a Índia e da Índia para o Reino (1608-1612), quando refere a proa a que os navios navegam e a direcção de onde sopra o vento. Mais explícito é o padre Fernando Oliveira, na sua Arte da Guerra do Mar, que escreve: «Os ventos que seruem pera qualquer derrota, sam os que vam com nosco, quero dizer, os que vão donde nos estamos pera laa onde imos. E vão com nosco todos os que ficão da ametade da roda ou circolo pera trás [mais de 90º com a proa], conuem asaber se irmos pera o sul, seruem largos todos os ventos que ficão da banda do norte de leste atee loeste,... qualquer destes leuaraa qualquer nauio do norte pera o sul sem trabalho. Tambem tomão as vezes os nauios do outro meyo circolo[menos de 90º com a proa], hua quarta e meia [cerca de 16º],... em especial os latinos... porem he cõ trabalho,... e descaem muyto do rumo sem aproueytar no caminho». De uma forma geral, como regra prática, e com base na documentação consultada, podemos concluir que um navio de pano redondo poderia navegar, no limite, com o vento relativo nas 6 quartas – cerca de 68º – a contar da proa. Por seu turno, uma caravela poderia bolinar com o vento relativo nas 5 quartas – cerca de 56º – a contar da proa. No entanto, em qualquer dos casos limites de bolina seriam de esperar cerca de 10º a 15º de abatimento relativamente à proa, o que tornava este tipo de mareação pouco eficaz. Era por isso preferível, não existindo obstáculos que o justificassem – e.g. baixos, ilhas, cabos – optar por uma mareação em que o vento fosse menos escasso. António Gonçalves Bibliografia ATAÍDE, António de, Viagens do Reino para a Índia e da Índia para o Reino – 1608-1612, 3 vols., Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1962 OLIVEIRA, Fernando, A Arte da Guerra do Mar, Lisboa, Ministério da Marinha, s.d.

Cartografia náutica medieval

Cartografia náutica medieval
Cartografia náutica medieval A concepção que os homens medievais tinham do mundo era bastante condicionada por factores de ordem religiosa. Como consequência deste facto, a maioria das representações do planeta, naquela época, eram essencialmente simbólicas. São exemplo dessa visão os famosos mapas T-O, nos quais se representava mundo conhecido como um círculo,  O , com um  T no seu interior. Este último representava o Mar Mediterrâneo e os rios Nilo e Don que separavam os três continentes conhecidos, Europa, Ásia e África. No centro do mundo estava a cidade santa de Jerusalém. Os mapas acima referidos não tinham, como é óbvio, qualquer utilidade prática. Ainda durante a Idade Média foi-se desenvolvendo um tipo de cartas com grande utilidade para os navegadores, as chamadas cartas-portulano. Estas não são mais do que a representação gráfica, de informação náutica que circularia numa forma descritiva, nos portulanos. Embora  descendendo de uma tradição já existente na Antiguidade, nos chamados périplos, podemos constatar que este género de informação, direcções e distâncias entre diversos pontos das costas do Mediterrâneo é contemporâneo das cartas-portulano. Estes elementos, que circulavam em suporte escrito ou era transmitidos por via oral, e as cartas eram complementares entre si. O mais antigo portulano conhecido, Il Compasso da navigare, teria sido redigido em 1296. Da mesma época que o portulano referido, finais do século XIII, será a mais antiga carta-portulano conhecida. Designada por  Pisana , pelo facto de ter sido encontrada na cidade de Pisa, teria no entanto sido desenhada em Génova. Tendo como suporte o pergaminho, nela está representada a bacia do Mediterrâneo e parte da costa atlântica até à região da Flandres. Contudo, verifica-se que o rigor da representação do Mediterrâneo é muito superior ao rigor da parte atlântica. O carácter prático e com um objectivo bem definido destas cartas, que era o de facilitarem a navegação marítima, pode ser deduzido do facto de nelas não existir praticamente nenhuma informação sobre a parte terrestre. Apenas encontramos registado o nome dos diferentes locais costeiros, não existindo qualquer género de informações sobre o interior. Uma das características mais típicas das cartas-portulano é a  teia de linhas, irradiando a partir de determinados pontos da carta, característica esta que se manteve na cartografia náutica da Idade Moderna. Estas linhas não são mais que os diversos rumos possíveis, correspondendo portanto às direcções indicadas pelas bússolas. O desenvolvimento desta cartografia estará certamente ligado à introdução das bússolas a bordo, facto que permitiu aos navegadores determinarem com muito mais rigor a direcção para onde dirigiam os seus navios. Numa primeira fase, esta rede de rumos era composta por dezasseis linhas irradiando desses pontos, mas posteriormente passaram a ter trinta e dois rumos, número que se manteve por vários séculos. Outro aspecto importante a registar relativamente a este tipo de cartas é a inexistência de um qualquer tipo de projecção subjacente às mesmas. Alguns autores tentaram propor vários tipos de projecção a partir dos quais estas cartas seriam construídas. Alguns quiseram relacioná las com a projecção de Marino de Tiro, sobre a qual dispomos de pouca informação credível. No entanto, estas cartas não seriam construídas obedecendo a um qualquer sistema matemático de projecção. A informação nelas registada seria simplesmente a direcção, conforme fornecida pelas bússolas, e a distância, estimada pelos navegadores, entre os diferentes locais. Estamos perante uma representação semelhante àquela que se utiliza para efectuar levantamentos topográficos expeditos. Dada a relativamente pequena área da superfície terrestre coberta por estas cartas, os erros cometidos ao ser adoptado este procedimento eram pequenos. Os principais centros produtores deste género de cartas situavam-se no Mediterrâneo, conforme já indicámos. Génova, Maiorca e Veneza foram os principais centros náuticos onde foram elaboradas cartas-portulano na época medieval. A partir destes locais foram sendo difundidas as técnicas tendo as mesmas chegado a outros locais do Mediterrâneo e inclusivamente das costas do Atlântico. Em relação à sua introdução em Portugal é difícil definir uma data, uma vez que não são conhecidas cartas portuguesas anteriores ao final do século XV. No entanto, existe um facto documentado, que nos permite afirmar que certamente se produziriam cartas-portulano em Portugal, pelo menos a partir do início desse século. Estamo-nos a referir à vinda para o nosso país, cerca de 1420, por iniciativa do Infante D. Henrique, de um mestre cartógrafo, Jaime de Maiorca. Certamente que o principal objectivo do convite que lhe foi dirigido seria que ele ensinasse a portugueses as mais avançadas técnicas cartográficas da época, para que elas fossem aplicadas no registo das novas terras que iam sendo descobertas pelos portugueses. E essa aplicação era certamente realizada pois são diversos os cronistas que fazem referência a esse registo, em suporte cartográfico, de novas terras conhecidas pelos portugueses. António Costa Canas Bibliografia ALBUQUERQUE, Luís de  Cartografia da Idade Média , in Luís de Albuquerque [dir.], Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 212-213. JOURDIN, Michel Molat du, RONCIÈRE, Monique de la, Les Portulans. Cartes Marines du XIIIe au XVIIe siècle, [s.l.], Office du Livre, [s.d.]. RANDLES, W. G. L. Da Terra plana ao globo terrestre, Lisboa, Gradiva, 1990.

Castro, D. João de

Castro, D. João de
Castro, D. João de Cientista notável, soldado aguerrido, navegador exímio, décimo terceiro governador da Índia e seu quarto vice–rei, D. João de Castro é um dos vultos mais brilhantes do «Humanismo Renascentista» português, produto de uma geração de ouro da cultura portuguesa onde, entre muitos outros, se podem referir os nomes de Pedro Nunes, João de Barros, Damião de Góis, Diogo de Teive, André de Resende, André de Gouveia, António Manuel de Melo, Diogo de Sá. Supõe-se que nasceu em Lisboa a 27 de Fevereiro de 1500, embora não haja registo escrito, tendo falecido em Goa a 6 de Junho de 1548. Pertencia à alta nobreza portuguesa: era filho segundo de Álvaro de Castro, vedor da fazenda de D. Manuel e D. João III, e de Leonor de Noronha. A nobreza, na qual D. João de Castro se inseria, alimentava, em meados do Século XVI, a camada superior do aparelho militar e administrativo do Estado; empenhando-se em defender um vasto Império comercial e marítimo, alicerçado em fortalezas, feitorias, possessões territoriais e domínios estratégicos espalhados um pouco por todo o Mundo conhecido. É precisamente no seio deste complexo e amplo espaço político-económico, de dimensão planetária, que D. João de Castro sobressairá pelas suas qualidades de cientista, pelos seus dotes de comandante militar e pelas suas medidas de carácter administrativo. Moço fidalgo de D. Manuel, acaba por abandonar o paço real, sensivelmente com dezoito anos, para se iniciar na arte da guerra em Tânger. Nesse palco militar permanecerá cerca de nove anos, acabando por ser armado cavaleiro pelo governador da cidade, D. Duarte de Meneses. Quando regressa a Portugal, por volta de 1527, recebe comendas e honrarias, sendo em seguida recomendado para vários cargos que se desconhecem em concreto. No ano de 1535 participa activamente numa poderosa armada, que engrossa no Mediterrâneo com forças espanholas, para dar caça ao corsário Kheir-ed-Din, mais conhecido por "Barbarroxa", que era apoiado pelos turcos. Aliás, o Império Turco em processo de expansão tanto para Ocidente, como para em Oriente em direcção às águas do Índico, esteve presente na maioria dos combates em que D. João de Castro tomou parte. Logo em 1539, quando pisa pela primeira vez solo indiano depara com um cerco a Diu, feito pelas tropas turcas comandadas por Soleimão Baxá; em 1541 participa numa armada, capitaneada por D. Cristovão da Gama, que assola as costas do Mar Vermelho em busca da frota de galés turcas; quando regressa da Índia(1542) é nomeado capitão-mor da armada de guarda-costa, com a tarefa de salvaguardar as praças marroquinas da investida turca; em 1546, já no seu consulado como 13º governador da Índia, trava uma luta heróica – saindo vencedor - contra uma força onde predominavam turcos, que, novamente, cercava a cidade de Diu. D. João de Castro frequentou assiduamente a corte do Infante D. Luís, irmão de D. João III, tornando-se amigo chegado do príncipe, chegando mais tarde a dedicar-lhe um dos seus trabalhos, o roteiro "De Lisboa a Goa". Recheada de vultos que consagravam parte do seu tempo a debater temas relacionados com a Cosmografia, a Geografia, a Náutica e a Astronomia, a corte de D. Luís foi gozando do incentivo e patrocínio do poder real, não deixando de ser compreensível que assim fosse, pois as matérias discutidas estavam envolvidas na sustentação do "Império da Pimenta", constituindo os "saberes" estratégicos do domínio português. A presença de Pedro Nunes, neste circulo real, era certamente solicitada , não só por ser professor do Infante D. Luís e de seu irmão, o Infante D. Henrique, mas também, possivelmente, devido ao valor erudito das suas propostas e ideias; tendo sido porventura nesse ambiente que D. João de Castro conheceu o grande matemático. Na verdade, a relação entre os dois homens será rica e frutuosa, com a peculiaridade de ser um dos únicos casos verificados, durante as navegações portuguesas, em que teoria e prática se aliaram, ou seja, pela primeira vez havia alguém do meio naval a solicitar os préstimos do cosmógrafo–mor e, inversamente, alguém a quem este confiava ideias para serem postas em prática. A obra de D. João de Castro é uma das mais significativas de entre as que se produziram durante os Descobrimentos. Entre pss textos que chegaram até nós avultam três excepcionais roteiros - "De Lisboa a Goa "(1538); "De Goa a Dio"(1538-1539); "De Goa a Soez" ou roteiro do "Mar Roxo"(1541); salientando-se entre os outros escritos a "Notação famosa, e muito proueitosa", a "Enformação que dom João de Crasto governador da Índia mandou a el Rey dom Joam 3º..."; atribuindo-se ainda à sua autoria o "Tratado da Sphaera, por perguntas e respostas a modo de dialogo" e "Da Geographia por modo de Dialogo". Contudo, recentemente, estes dois últimos trabalhos têm sido imputados a outros autores. Tal dúvida em nada belisca o valor dos estudos de D. João de Castro, que se cotou como uma das figuras cimeiras, no século XVI, no estudo da Astronomia Náutica e da Oceanografia. Os seus roteiros, esplendorosa obra de registo de dados e reflexão filosófica, mostram o que de melhor se produziu no meio náutico português. Mostram como já se combinava, em meados do século XVI, experimentação e a análise rigorosa da realidade, teoria e prática, experiência empírica e raciocínio hipotético. O pensamento de D. João de Castro pronuncia, pois, algo de novo. Quando embarca para a Índia a bordo da nau “Grifo”, em 1538, tenta resolver vários problemas com que se debatia a náutica quinhentista: a determinação da longitude, a representação cartográfica, a determinação da latitude, o desvio da agulha; estudando em simultâneo o regime de ventos, as correntes, o magnetismo terrestre. O seu trabalho a bordo configura, assim, um verdadeiro projecto científico, incentivado a partir da coroa. Vivendo num período muito particular, dominado por três poderosas correntes intelectuais: a tradição escolástica, o Humanismo, a moderna corrente de pensamento proporcionada pelas navegações, D. João de Castro revê muitos dos pressupostos em que se baseava o pensamento dominante, não se afastando, porém, de uma certa visão organicista do Mundo, bebida na "ortodoxia" aristótélica. Preocupado com as condições do seu conhecimento, com o papel dos sentidos na observação, apostado numa nova metodologia epistémica, D. João de Castro, apesar de não recusar em absoluto os paradigmas tradicionais, não teve receio "de sair da opinião comum", e ao fazê-lo arvorou-se como um dos elos que fazem a ponte entre as navegações portuguesas e a revolução científica do século XVII. Carlos Manuel Valentim Bibliografia ALBUQUERQUE, Luís de, "D. João de Castro – Os Descobrimentos e O Progresso Científico Em Portugal No Século XVI", in Boletim da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, nº 1, 1966, pp. 91-108. IDEM, Ciência e Experiência nos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, ICALP, 1983. IDEM, "D. João de Castro, A aliança da ciência da espada" in Navegadores, Viajantes e Aventureiros Portugueses, Séc. XV E XVI, Lisboa, Círculo de Leitores, 1987, Vol. II, pp. 106-120. AQUARONE, Jean B., D. João de Castro. Gouverneur et Vice-Roi des Indes Orientales (1500-1548), Paris, Presses Universitaires de France, 1968, 2 Vols. BARRETO, Luís Filipe, O Problema do Conhecimento na Sphaera de D. João de Castro, Lisboa, IICT, 1985. DAVEAU, Suzanne, " Qui Est L'Auteur Du Tratado da esfera Attribué À Dom joão de Castro?" in Mare Liberum, nº 10, 1995, pp. 33-54. MOTA, A. Teixeira da, "D. João de Castro, navegador e hidrógrafo", in Anais do Clube Militar Naval, Maio- Junho, 1948, pp. 301-361. ROCHA, Duarte Pinto, "D. João de Castro e o relacionamento português com os oceanos. O roteiro de Lisboa a Goa", in Actas do Colóquio Vasco da Gama, os Oceanos e o Futuro, Lisboa, Escola Naval, 1999, pp. 201-210. OBRAS Completas de D. João de Castro, edição de Armando Cortesão e Luís de Albuquerque, Coimbra, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1969-1982, 4 Vols. SANCEAU, Elaine, D. João de Castro, Porto, Livraria Civilização, 2ª ed., 1956.

Cosmógrafo-mor

Cosmógrafo-mor
Cosmógrafo-mor De acordo com o estipulado pelo Regimento de 1592, competia ao cosmógrafo-mor examinar todos os que pretendessem vir a fazer cartas de marear e instrumentos náuticos, para o que só ficavam habilitados depois de passada a respectiva certidão; verificar e assinar a correcção das cartas, globos e outros instrumentos náuticos, que os fabricantes lhe deviam apresentar no prazo de dez dias, uma vez terminados; servir de perito nas contendas sobre demarcações de terras e mares, descobertos e a descobrir; leccionar uma aula de matemática para pilotos, sotapilotos, mestres, contramestres e guardiães, e ainda gente nobre que quisesse assistir (para o que o regimento estipula as matérias a ensinar); certificar a capacidade profissional dos mesmos oficiais através de um exame obrigatório; e, além de outras obrigações de menor importância, devia ainda fazer a matrícula dos referidos oficiais num livro que se guardaria no Armazém da Índia, distribuindo-os depois pelas armadas, de acordo com a respectiva antiguidade, de modo a que servissem equitativamente nas viagens a organizar. O cosmógrafo-mor Pedro Nunes (1502-1578) Segundo Teixeira da Mota, que publicou e estudou este regimento, os exames realizados por Pedro Nunes correspondem ao que vem estipulado no documento em apreço, que logo na abertura alude ao regimento de 1559, presumivelmente o primeiro a regular esta função e respectivas atribuições, e que se tratava então de actualizar. Nomeado cosmógrafo-mor em 1547, Pedro Nunes, o primeiro detentor do cargo, terá sido provavelmente o autor do texto de 1559 (que não se conhece hoje em dia). É porém possível que o ensino dos pilotos tivesse começado antes, já que na abertura do Tratado em defensão da carta de marear Nunes faz uma referência explícita às reacções do homens do mar face às suas propostas de resolução de alguns dos problemas da arte de navegar da época:  E sou tão escrupuloso em misturar com regras vulgares desta arte [de navegar] termos e pontos de ciência, de que os pilotos tanto se riem&  . (Obras, I, p. 120). É portanto possível que ao ser nomeado cosmógrafo do reino em 1529, Pedro Nunes já visse serem-lhe cometidas algumas responsabilidades ao nível da preparação teórica dos pilotos, e, assim, tanto a nomeação de 1547 como a redacção do regimento de 1559 poderão ser entendidas sobretudo como um reforço de atribuições. Seja como for, o certo é que o desempenho destas funções esteve longe de corresponder a um esforço sistemático de qualificação e regulação do exercício da pilotagem e da fábrica de cartas e instrumentos. Conhecem-se apenas três cédulas de exames feitos por Pedro Nunes, número ínfimo ao pé do quantitativo de profissionais que exerciam efectivamente. O lugar esteve vago desde o passamento de Nunes, em 1578, até 1582, ano da nomeação do seu sucessor, Tomás de Orta. Apesar de ter feito quatro exames, isso não significa que o novo titular tenha tido qualquer acção de relevo; na verdade não só não reformou o regimento, como era suposto, como se deve entender que o seu apontamento prefigou mais uma recompensa régia por serviços prestados anteriormente (enquanto físico real, isto é, médico) que o desejo de promover os estudos de náutica. Ao mesmo tempo que nomeava Orta para cosmógrafo-mor de Portugal, Filipe II levou para Madrid um cosmógrafo altamente qualificado, João Baptista Lavanha, que foi ler matemática na recém criada academia da capital de Castela. A escolha de um reformado - por assim dizer - para Lisboa, e de um cosmógrafo capaz e na plena pujança da sua actividade, como Lavanha, para Madrid, indicia bem a prioridade do monarca. Incapaz para o excercício do cargo dada a sua avançada idade, Orta foi substituído na prática por Lavanha em 1591 (expressamente retornado de Madrid para o efeito), e de facto em 1596, após a sua morte. A autoria da revisão do regimento é pois de Lavanha, com quem a certificação dos profissionais conheceu um novo impulso, atestado pelos quase oitenta exames que realizou. Nos seus impedimentos, e ao contrário do que sucedeu com Nunes, Lavanha foi substituído interinamente duas vezes por Manuel de Figueiredo (1608) e Valentim de Sá (1623). Defunto em 1624, sucedeu-lhe D. Manuel de Menezes em 1625, o único cosmógrafo-mor com real conhecimento e experiência da navegação prática, e a este António de Mariz Carneiro, em 1631, por alvará de Filipe IV (e com novo alvará de nomeação de D. João I, dez anos volvidos). O sexto detentor do cargo foi uma das mais importantes figuras do meio técnico português do século XVII, Luís Serrão Pimentel, que já exercia em 1644, data em que é nomeado oficialmente. Seguiu-se-lhe o filho, Manuel Pimentel, autor de uma Arte de Navegar de 1699 (mas conhecida pela edição de 1712), que, sem apresentar novidade de monta, revela todavia conhecimento do ofício. O cargo tornou-se depois hereditário e a figura do cosmógrafo-mor perdeu qualquer relevo, vindo a ser extinto quando na posse de um dos Pimentéis. Francisco Contente Domingues Bibliografia DOMINGUES, Francisco Contente, Os Navios do Mar Oceano. Teoria e empiria na arquitectura naval portuguesa dos séculos XVI e XVII, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2004. MATOS, Rita Cortêz de, António de Mariz Carneiro Cosmógrafo-Mor de Portugal, Diss. de Mestrado, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2002. MOTA, Avelino Teixeira da, Os Regimentos do Cosmógrafo-Mor de 1559 e 1592 e as Origens do Ensino Náutico em Portugal, Coimbra, JIU-AECA (Sep. LI), 1970. NUNES, Pedro, Obras, vol. I, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. PIMENTEL, Manuel, Arte de Navegar, ed. comentada e anotada por Armando Cortesão, Fernanda Aleixo e Luís de Albuquerque, Lisboa, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1969.

Declinação Magnética

Declinação Magnética
Declinação Magnética A bússola, ou agulha de marear, começou a ser utilizada, na Europa, no século XIII, para orientação dos navios no mar. O seu princípio de funcionamento baseia‑se no facto de a Terra ter propriedades magnéticas, comportando‑se como um gigantesco íman. A extremidade, pólo, de uma barra metálica magnetizada é atraída para o pólo magnético terrestre, apontando essa barra sempre na mesma direcção, podendo assim ser usada para orientação. Pelo facto de esse pólo magnético terrestre não coincidir com o pólo geográfico, a agulha não apontará exactamente na direcção norte-sul. Ao ângulo entre as direcções norte‑sul verdadeira e magnética chama‑se declinação. Esta varia no espaço e também no tempo, variação secular. Durante os primeiros anos de utilização da agulha de marear estes fenómenos não eram conhecidos. No entanto, sabemos que no século XV já se sabia da existência do mesmo. Alguns autores atribuem a sua descoberta a Cristóvão Colombo, embora existam indícios que o mesmo já era conhecido anteriormente por construtores de bússolas flamengos e alemães. Alguns pilotos portugueses insurgem‑se contra o facto de aqueles construtores colocarem os ferros com um certo desvio debaixo da rosa‑dos‑ventos, para que esta apontasse para o Norte geográfico, no local em que a agulha era construída. Esta correcção só servia para aquele local, sinal de que certamente eles não teriam a noção da variação espacial da declinação. Nos primeiros anos do século XVI, em 1514, aparece um texto da autoria do piloto João de Lisboa conhecido como Tratado da Agulha de Marear. Deste texto interessa‑nos a teoria que defende a existência de uma relação entre a variação daquela declinação e a longitude dos lugares. O estabelecimento desta teoria só poderia ocorrer se já existisse um conhecimento profundo da variação da declinação para os locais navegados pelos Portugueses. O autor defendia a existência de uma relação directa entre a variação da declinação magnética e a longitude. Para tal definiu o “meridiano vero”, que era uma linha agónica, ou seja uma linha em que a declinação era nula. Ele próprio se contradiz na definição desta linha. De acordo com a sua regra, tendo em conta o valor da declinação em Lisboa, aquele meridiano passaria a 62,5 léguas a Oeste de Lisboa. No entanto, ele afirma que o mesmo passava por algumas ilhas do arquipélago dos Açores, situadas a uma distância cerca de quatro vezes superior à que obteve pela regra. Na sua viagem de 1538, D. João de Castro demonstrou a falsidade desta lei, ao verificar que linhas de igual declinação não se encontravam sobre um mesmo meridiano. Apesar disso, muitos pilotos e teóricos da Arte de Navegar continuaram a defender este processo. Isto continuou a acontecer porque na maior tirada feita no sentido Oeste‑Este, a travessia do Atlântico Sul, a variação da declinação ser regular, sendo os pontos obtidos por este processo mais rigorosos que os fornecidos pela estima. Além disso, a declinação servia como uma “conhecença” para alertar o navegador para a proximidade de determinado perigo. Finalmente, deve também ser aqui referida uma outra contribuição de D. João de Castro para o conhecimento dos fenómenos magnéticos a bordo. Ele notou que a presença de massas metálicas, por exemplo canhões, nas proximidades das agulhas, alterava o comportamento destas. Embora em navios de madeira este problema não fosse grave, pois bastava afastar as bússolas dessas massas metálicas, o mesmo veio a revelar‑se muito importante nos navios construídos em metal. António Costa Canas Bibliografia ALBUQUERQUE, Luís de, “Bússola”, in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses. Vol I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 147 IDEM, “Contribuição das Navegações do sec. XVI para o conhecimento do magnetismo terrestre”, Estudos de História da Ciência Náutica. Homenagem do Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical. Centro de Estudos de Cartografia Antiga, 1994, pp. 247‑267. IDEM, “Declinação magnética”, in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses. Vol I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 341.

Escola de Sagres

Escola de Sagres
Escola de Sagres Vista sobre a fortaleza de Sagres A existência ou não da Escola de Sagres já foi amplamente debatida no panorama historiográfico português. Porém, desde o princípio do século XX que a ideia de uma escola náutica fundada pelo Infante D. Henrique, onde se agrupariam os mais variados sábios, de várias partes da Europa, com objectivo de obter uma vasta informação sobre determinadas áreas científicas como a geografia, a astronomia ou a cartografia, se encontra ultrapassada. Esta ideia é sobretudo uma lenda que carece de provas evidentes, devida principalmente a escritores e historiadores ingleses que procuraram promover a figura e a acção do Infante de Sagres. O infante D. Henrique fundou de facto uma vila no Algarve. Em 1443 pediu a seu irmão, o regente D. Pedro, que lhe concedesse a região inóspita de Sagres, para aí fundar uma vila. O pedido foi concedido e a vila foi fundada no lugar de Terçanabal. O infante deixou convenientemente explicitados os objectivos da fundação desta vila, numa carta testamentária datada de 19 de Setembro de 1460. Esta seria um ponto de assistência aos navegadores que aí passassem perto e precisassem de mantimentos ou de aguardar por boas condições de navegação. Em toda a documentação do príncipe analisada até hoje, não encontramos qualquer tipo de referência a uma escola náutica em Sagres, nem sequer é uma ideia presente em nenhum escrito que seja seu contemporâneo. Gomes Eanes de Zurara apenas faz referência à vila em construção. Duarte Pacheco Pereira tal como João de Barros, apenas menciona uma vila fundada pelo Infante na Angra de Sagres. Só em 1567 na Crónica do Príncipe D. João, Damião de Góis começou a dar consistência à lenda da erudição do Infante, quando escreve que o príncipe era um homem muito dado ao estudo das letras, principalmente da Astrologia e Cosmografia. Para cultivar esses estudos e mandar navios para a Costa africana, D. Henrique teria fundado uma vila no sítio de Sagres. Duarte Leite, num estudo sobre a Escola de Sagres, apresentou Samuel Purchas como o verdadeiro introdutor do tema em Portugal e no resto da Europa, corria o ano de 1625. Este afirmou que o Infante contratou o mestre catalão Jaime de Maiorca, para dirigir uma escola de marinha, e não apenas para ensinar os marinheiros portugueses a fazerem verdadeiras cartas de marear. O próprio João de Barros o afirma, mas Purchas entende que esta escola seria uma condição indispensável para a realização das viagens marítimas do período henriquino. Em 1660, D. Francisco Manuel de Melo atribuiu ao infante um considerável conhecimento cosmográfico e matemático e afirma que este teria fundado a vila algarvia não só para pôr em prática esse tipo de conhecimentos, mas também para garantir assistência aos nautas que precisassem de apoio. Cerca de 100 anos depois, a ideia já começava a ficar enraizada, como é possível comprovar através da obra de Francisco José Freire Nobres Vida do Infante D. Henrique, escrita e dedicada à Majestade Fidelíssima de El-Rei D. Joseph I N.S. Pouco tempo depois, António Ribeiro dos Santos descreveu entusiasticamente a Escola onde se erguera um observatório astronómico, o primeiro que tinha existido em Portugal. Em Sagres haviam-se concentrado eminentes sábios, capitães e pilotos experientes. O Infante tinha transformado o seu paço real numa escola de estudos náuticos, com um seminário de geógrafos, matemáticos, astrónomos e náuticos. Já no século XIX, o Cardeal Saraiva afirmou que os progressos da marinha portuguesa só tinham sido possíveis graças à escola fundada por D. Henrique, uma vez que tinha sido na escola que os vários instrumentos náuticos, utilizados nos descobrimentos, foram fabricados e aperfeiçoados. Segundo o Cardeal, também teriam sido estudados nesta escola métodos para a determinação de latitudes e longitudes marítimas. Muitos historiadores estrangeiros também trabalharam sobre esta matéria, tentando procurar os alicerces científicos das navegações do século XV. O escritor Malte-Brun afirmou que no Portugal de quatrocentos proliferavam escolas para o estudo da navegação, acrescentado que Colombo tinha aprendido a sua «arte» numa dela. A historiografia romântica deu o contributo final para o enraizamento da Escola de Sagres na memória colectiva dos portugueses. Oliveira Martins, na sua obra Os Filhos de D. João I¸ compilou uma suposta lista bibliográfica que teria sido utilizada pelo infante e pelos mestres da escola. Esses livros teriam sido adquiridos pelo infante D. Pedro, durante o seu longo périplo pela Europa. Tal tese foi refutada sucessivamente, uma vez que as obras que figuram nessa lista e nomeadamente as cartas de Gabriel de Valseca e os livros de Jorge Peurbach, nunca poderiam ter sido trazidas para Portugal por D. Pedro. A descrença na questão surgiu ainda durante o século XIX, quando vários historiadores começaram a rever esta tese. Em 1877 o marquês de Sousa Holstein afirmou que não teria existido propriamente uma escola, mas sim uma academia científica, que tratava de problemáticas náuticas e geográficas. Seguiram-se autores como Luciano Pereira da Silva ou Joaquim Bensaúde, os quais demonstraram que a náutica da época apenas criou regras e regimentos empíricos, logo os marinheiros não necessitariam de grandes conhecimentos astronómicos; e por certo o infante nunca chegou a ler obras de homens citados por Oliveira Martins, como Johannes de Monte Régio ou Jorge de Peurbach. O último grande defensor de uma verdadeira escola náutica em Sagres foi Jaime Cortesão. O autor defende a imagem do infante e da sua escola daqueles que pretendem criar uma lenda anti-infantista, homens como Duarte Leite que afirmavam que o príncipe não se interessaria muito pela cultura geográfica e científica do seu tempo. É importante afirmar que o infante revelou ao longo da sua vida preocupações culturais, que estão bem presentes na protecção que deu à Universidade, embora nenhuma cadeira de ensino matemático tenha sido aí criada durante o seu tempo. Será Duarte Leite o primeiro acérrimo defensor da não existência da Escola de Sagres, pois para o escritor ela é apenas um mito nacional. Segundo a sua tese, os pilotos henriquinos não se distinguiram dos árabes ou dos nautas que navegavam no Mediterrâneo. Nem sequer é conhecida a existência de sábios ou técnicos estrangeiros que viessem para Portugal, excepto daquele que aparece referido como Jaime de Maiorca. Durante o século XX desconstruiu-se a tese da escola científica, mas neste capítulo é importante perceber, tal como afirma Teixeira da Mota, que a lenda teve a sua grande expansão durante os séculos XVIII e XIX, ou seja, numa época em que as academias científicas proliferavam por todo o mundo. Talvez por isso, os historiadores de então transportassem a sua realidade para o século XV e o julgassem à luz dela. Para estes homens os acontecimentos do tempo do infante eram, sem dúvida, fruto de uma revolução das técnicas de navegação, logo, as descobertas teriam sido levadas a cabo por instituições científicas, que trabalhavam directamente sobre os problemas apresentados pelos marinheiros. Para a historiografia actual, sem pôr em causa o interesse que o Infante teria de ter tido pelos problemas da navegação, pois deles dependia o sucesso das viagens que promovia (mas sem que isso queira dizer também que seria um sábio ou um perito na arte de navegar), a Escola de Sagres, mais do que uma instituição académica, transformou-se sobretudo num símbolo, símbolo do infante D. Henrique e de todas as actividades relacionadas com as navegações portuguesas do seu tempo. Símbolo da progressão das técnicas de navegação adquiridas empiricamente pelos navegadores que enfrentaram o Atlântico no século XV, e que criaram as bases da navegação astronómica, tal como veio a ser praticada nos séculos subsequentes - no que é aliás uma das consequências mais importantes dos Descobrimentos. Luísa Gama Bibliografia Sumária: ALBUQUERQUE, Luís de, «Escola de Sagres», Dicionário de História de Portugal. Dir. de Joel Serrão, Vol. III, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, pp.716-717. GARCIA, José Manuel, Sagres, Vila do Bispo, Edição da Câmara Municipal de Vila do Bispo, 1990. LEITE, Duarte, História dos Descobrimentos. Colectânea de esparsos. Organização, notas e estudo final de Vitorino Magalhães Godinho, Lisboa, Editora Cosmos, 1958. MOTA, A. Teixeira da, A Escola de Sagres, Lisboa, 1960, Separata dos Anais do Clube Militar Naval.

Faleiro, Francisco e Rui

Faleiro, Francisco e Rui
Faleiro, Francisco e Rui O reinado de D. João II foi marcado por inúmeras intrigas palacianas. O processo conturbado que foi a sua sucessão permitiu a continuação desse ambiente. Essas condições vão manter-se ao longo do reinado de D. Manuel. Muitos homens sentem-se despeitados, ao verem as suas ideias ser recusadas e decidem oferecer os seus préstimos a outros monarcas. Foi o caso de Fernão de Magalhães que foi para Castela e se propôs demonstrar que as ilhas Molucas, ricas em especiarias, se encontravam no hemisfério que pelo Tratado de Tordesilhas ficara no lado dos Reis Católicos. Magalhães não foi sozinho. A concretização do seu projecto implicava a resolução de um problema técnico complicado, a determinação, com algum rigor, da longitude das ditas ilhas. Para solucionar esta questão Magalhães socorreu-se do auxílio de Rui Faleiro, que tal como ele teria certamente razões para se sentir despeitado com o monarca português. Assim em 1517, Rui Faleiro vai para Sevilha levando consigo o seu irmão Francisco. Tendo aceite o projecto, Carlos I considerou ambos, Magalhães e Rui Faleiro, em pé de igualdade, tendo iguais atribuições na viagem que se iria realizar. A cada um deles estava destinado o cargo de capitão-geral da armada. A função de Faleiro seria construir alguns instrumentos necessários à condução da viagem e, tarefa bem mais importante, preparar um regimento no qual apresentasse propostas para solução do principal problema técnico da viagem, a obtenção da longitude. O  prato azimutal de Francisco Faleiro segundo a figura que vem no Tratado da Esfera, in Avelino Teixeira da Mota, O Regimento da altura de Leste-Oeste de Rui Faleiro, p. 119. Razões não totalmente esclarecidas, embora se tenha invocado a saúde, levaram ao seu afastamento da preparação da expedição em 1519. Magalhães, mesmo depois de Faleiro ter sido afastado do planeamento da viagem, continuou a exigir a entrega do dito regimento, para o utilizar no decorrer da mesma. Teixeira da Mota, que estudou a fundo este problema, chegou à conclusão que as instruções de Faleiro estariam incluídas nas regras náuticas que estão no final da relação da viagem de Magalhães, escrita pelo italiano António Pigaffeta. Posteriormente estudou um documento existente no Arquivo das Índias de Sevilha que considerou como contendo o texto das referidas instruções de Faleiro. Luís de Albuquerque afirma que Teixeira da Mota teria deixado inédito um estudo que preparava sobre o assunto, referindo ainda que o texto de Faleiro continua desaparecido. Faleiro propunha três processos para obtenção da longitude: pela latitude da Lua, pelas conjunções e oposições da Lua com o Sol e com outros astros e pela declinação da agulha. Este último seria o método que teria a sua predilecção pois explica detalhadamente o mesmo, enquanto que para o uso dos outros não fornece praticamente informação nenhuma. No entanto, o processo que teve alguma utilidade durante a viagem foi o segundo. Magalhães apresentou o regimento aos pilotos e a Andrès de San Martín, cosmógrafo que substituíra Faleiro na expedição, para que se pronunciassem sobre o valor das propostas de Faleiro. Os pilotos negaram qualquer validade ao texto, enquanto que San Martín considerou que seria possível obter as longitudes pela conjunção da Lua. O processo foi experimentado, por diversas vezes, durante a viagem com resultados razoáveis para as capacidades técnicas da época. Quanto a Francisco Faleiro começou, tal como seu irmão, por trabalhar na preparação da viagem de Magalhães, tendo como encargo construir alguns instrumentos náuticos. Também foi afastado da expedição que fez a circum-navegação do globo, tendo no entanto ficado encarregue de superintender a preparação da armada que se seguiria à de Magalhães. Manteve-se em Castela, sendo conhecidos inúmeros pareceres de sua autoria, como cosmógrafo. Foi chamado a pronunciar-se sobre propostas de construção de cartas e sobre determinados padrões a que a mesmas deveriam obedecer, sobre instrumentos náuticos ou sobre métodos de cálculo a utilizar sobre determinados assuntos náuticos. Foi autor de um Tratado del Esphera y del Arte del Marear: conel Regimiento de las Alturas: cõ alguas reglas nuevamente escritas muy necessarias, publicado em 1535 e tendo privilégio real por dez anos concedido em 1532. Este texto contém partes baseadas na obra de Sacrobosco, mas vai mais além, pois Faleiro reelaborou aquele famoso texto medieval, de modo a que o mesmo melhor servisse para os seus intentos. Dedica diversos capítulos às regras práticas a serem usadas pelos navegantes, tendo especial interesse o oitavo, que ele dedica à declinação da agulha e à utilização desta para determinação da longitude. O interesse desta parte texto reside no facto de ser o mais antigo texto impresso que se conhece onde é descrito um instrumento para, pela observação do Sol, se conseguir determinar a dita declinação. Em 1537, Pedro Nunes propõe um instrumento de sombras que é o aperfeiçoamento do proposto por Faleiro. Foram levantadas dúvidas sobre quem teria sido o inventor do processo, se Nunes se Faleiro, apontando os dados conhecidos para a primazia de Faleiro. Desconhecem-se as datas em que teriam falecido, embora se saiba que Francisco Faleiro ainda era vivo em 1574, sendo certamente bastante idoso, pois vivia em Espanha há 57 anos. António Costa Canas Bibliografia ALBUQUERQUE, Luís de,  Faleiro, Francisco e Rui , in Luís de Albuquerque [dir.], Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 402. MOTA, Avelino Teixeira da,  A contribuição dos irmãos Rui e Francisco Faleiro no campo da náutica em Espanha , in Avelino Teixeira da Mota [org.], A viagem de Fernão de Magalhães e a questão das Molucas. Actas do segundo colóquio luso-espanhol de história ultramarina, Lisboa, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1975, pp. 315-341. IDEM, O Regimento da altura de Leste-Oeste de Rui Faleiro, Lisboa, Edições Culturais da Marinha, 1986.