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A navegação astronómica teve início ainda no século XV, quando os navegadores portugueses, ao afastarem-se da costa tiveram de recorrer a instrumentos de altura para determinar a posição do navio. Para o efeito, usaram quadrantes e astrolábios náuticos que, necessariamente tinham de estar bem divididos pois, só assim, se assegurava o rigor dos cálculos que efectuavam. Esta exigência era tal que, no século seguinte, o Regimento do Cosmógrafo-mór, promulgado em 1592, estabelecia a obrigatoriedade de exame dos mestres das cartas de marear e fabricantes de instrumentos náuticos, assim como a verificação pelo Cosmógrafo-mór, que neles devia apôr a sua assinatura como atestado de qualidade. O Regimento ia ao ponto de aplicar penas aos fabricantes não examinados e aos mestres aprovados que não submetessem as suas obras a exame. A operação de dividir a escala de um quadrante ou de um astrolábio não era fácil. Simão de Oliveira, na sua Arte de Navegar, publicada em 1606, diz-nos:" Descrito o astrolábio resta dividi-lo, a qual divisão se fará desta maneira. Divide-se cada quadrante superior em 3 partes iguais, cada uma das quais se repartirá em outras 3, e serão 9 e destas cada uma pelo meio saírão 18 que divididas cada uma em 5 ficará o quadrante dividido em 90 e cada uma das quais e ao centro do círculo ajuntando uma regra [régua] se tirarão por elas linhas pequenas, lançando as que se tirarem de 10 em 10 graus, por ambos os intervalos e as de 5 em 5 por um intervalo e parte do outro e as de um em um por um intervalo só, fazendo um grau branco e outro preto, aos quais se lhe porão os números de 10 em 10 começando os dez do ponto A e acabando em C e D onde se porão 90. Descrito e dividido o astrolábio em papel passar-se-ão ao astrolábio de latão assim os círculos como as linhas em a mesma distância, divisão e número que tiveram no papel, descrevendo os círculos com um compasso de pontas de aço e as linhas com uma ponta do mesmo, para que corte o latão divisando os graus com umas riscas pequenas, assim como em papel se usa fazer um em branco e outro em preto". Em resumo: o artista tinha que fazer o desenho no papel e depois tranferí-lo para o quadrante ou astrolábio, cometendo necessariamente vários erros que começavam pelo facto de não existirem métodos geométricos de dividir o quarto de círculo e que terminavam pela falta de rigor da gravação.
No século XVIII já se tinha melhorado o processo de divisão das escalas. John Bird (1709-1776) publica, em 1767, uma obra intitulada Method of dividing astronomical instruments, onde apresenta alguns métodos inovadores, que considera mais adequados, aconselhando a fazer o trabalho durante a manhã, em condições de temperatura constante, escolhendo para o efeito certas épocas do ano, como por exêmplo a Primavera e o Outono. Para obviar a dificuldade da divisão do quadrante, devido ao facto de não haver um método geométrico para o fazer, o artífice George Graham (1673-1751), sugere a divisão em 96 partes, isto é, primeiro em 3 partes e depois bissectando sucessivamente até alcançar aquele número. Uma tabela de conversão facilmente daria o valor do ângulo medido em graus. Todavia, esta solução, que foi defendida pelo cientista João Jacinto de Magalhães, não chegou a ter sucesso. Um modo de fugir ao penoso problema de dividir as escalas circulares, era recorrer a instrumentos que, destinados à medida de ângulos, usassem escalas rectilíneas, como acontecia com a balestilha, também foi usada pelos pilotos portugueses, a partir do início de século XVI. Perante todas estas dificuldades, tornava-se indispensável e urgente encontrar uma solução mecânica para resolver este premente problema. Depois de tentativas, feitas por outros, Jesse Ramsden (1731-1800), entre 1768 e 1773, concebeu e desenvolveu a máquina de dividir escalas circulares (Fig 2) que obteve a verdadeira notariedade. A máquina veio a ser apresentada na obra Description of an engine for dividing mathematical instruments, publicada em Londres, no ano de 1787, consagrando Ramsden como um dos mais notáveis fabricantes de instrumentos do seu tempo. A grande inovação deste artista, que tinha oficina em Londres, foi incluir na sua máquina uma roda com 2160 dentes ligada a um parafuso sem fim que, por cada rotação, permitia uma divisão de 10 minutos de arco. E, como esse parafuso era accionado por outra roda dividida em 60 partes, a máquina atingia os 10 segundos, muito mais do que era exigido a um instrumento náutico, mas que foi extremamente útil na manufactura de material destinado a observações astronómicas em terra. Escolhida a divisão adequada, e usando um estilete, riscava-se o próprio limbo do instrumento, fazendo em curto espaço de tempo, um trabalho que, até então, demorava dias e cujo rigor não tinha qualquer comparação. Se Ramsden tivesse nascido noutro país teria sido, talvez durante algum tempo, o único a beneficiar do invento. Mas em Inglaterra, o Board of Longitude, que tinha sido criado para encontrar uma solução prática para determinar a longitude no mar, contempla o autor com 300 libras esterlinas, como prémio da sua invenção. Mas, mais, Ramsden recebe ainda 315 libras com a condição de publicar uma memória descriptiva e se colocar à disposição de dez dos seus colegas artífices, escolhidos pelo Board, para ensinar a fabricar máquinas equivalentes e a usá-las. Esta sábia medida foi uma das principais razões que explicam o espantoso desenvolvimento tecnológico e a consolidação do prestígio já então alcançado pelos fabricantes ingleses, não só de instrumentos náuticos como também de outros comummente chamados de matemática. Além disso, e o facto constituíu uma medida de grande estímulo, Jesse Ramsden é feito membro da Royal Society, quando, sabemos bem, em outras academias congéneres, não tinha acesso um simples artífice. Aliás, um outro mestre, Peter Dollond (1730-1820) foi também membro daquela prestigiada instituíção, por ter sabido corrigir as aberrações cromáticas das lentes empregadas nos instrumentos destinados à observação dos astros. Ramsden beneficiou do uso da patente desta invenção, quando, em 1765, casou com a irmã de Dollond. Não temos conhecimento de quais foram os primeiros artífices portugueses que usaram este tipo de máquina de dividir escalas. O mais antigo exemplar que existe em Portugal, julgamos ser o que se encontra no Museu do Instituto Superior Técnico. Foi fabricado em França no ano de 1855, pela firma Froment. Deixamos para agora um outro problema respeitante aos instrumentos de medida, que consiste na leitura das fracções da mais pequena divisão de uma escala que, certamente, se podia fazer por estima, mas que se tornava numa operação pouco rigorosa e que, além disso, dependia da avaliação pessoal do observador.
Levi ben Gerson (1288-1344) é o nome de um judeu que viveu no sul de França e que deixou um manuscrito em hebreu que, em 1342, Petrus de Alexandria verteu para latim por ordem do papa Clemente VI. Neste manuscrito, Levi propõe o uso de uma escala transversal, também chamada diagonal (Fig 4). É no entanto indispensável dizer-se que, no passado, a prioridade deste método foi atribuído a Thomas Digges (1546-1593) que, em 1576, o apresentou na obra A perfil description of the celestial orbes. Ficamos, no entanto, sem saber se Digges conhecia a obra de Levi, porque, no passado, era prática corrente referir ou usar invenções de outros, sem qualquer preocupação de indicar os seus verdadeiros autores. Na prática, este método consiste em expandir, de modo engenhoso, a largura da mais pequena dimensão da escala,usando diagonais entre os seus valores extremos, mas respeitantes a escalas paralelas. Deste modo, torna-se possível obter o espaço necessário para gravar as suddivisões, tanto nas escalas rectilíneas como nas circulares. São conhecidos instrumentos que dispõem de escala transversal, como acontece com o Coimbra, um astrolábio náutico, possivelmente dos fins do século XVII, existente no Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra. Este mesmo tipo de escala foi usado nos primeiros octantes, fabricados nos meados do século seguinte.
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