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O nónio, tal com foi concebido por Pedro Nunes era de difícil concretização. Alguns contemporâneos do matemático português, esforçaram-se por melhorar o conceito original. Um deles foi o padre jesuíta Cristóvão Clavius, de nome original Schlussel (1537-1612), nascido em Bamberg, na Baviera e que ficou com um lugar na História da Ciência, por ter sido o principal responsável pela reforma do calendário, missão que lhe foi confiada pelo papa Gregório XIII. Um outro, de nome Jacob Curtius (J. Kurtz ou Curz), também de nacionalidade alemã, foi chanceler do imperador Rudolfo II e que, como ele, se dedicou ao estudo da astronomia e matemática. Não é possível, dadas as dimensões do presente escrito, ocuparmo-nos da contribuição destes dois cientistas. Um leitor mais interessado, poderá consultar O único exemplar vivo do nónio de Pedro Nunes?, onde desenvolvemos este assunto. Foi, no entanto, Pierre Vernier que acabou de encontrar uma solução prática. Pierre Vernier (1584-1638) nasceu em Ornans, perto de Besançon, no leste da França, e recebeu de seu pai o gosto pelas matemáticas, que também o iniciou nas ciências exactas e suas aplicações práticas, especialmente, no que respeita aos instrumentos usados na cartografia. Leu as obras de Tycho Brahe e de Clavius. Foi capitão do castelo de Besançon, que comandou até falecer, tendo sido feito cidadão honorário desta cidade, como prova de reconhecimento por ter organizado a defesa militar, quando a região se encontrava ameaçada pelas incursões das hostes do alemão Ernest de Mansfeld. Tendo-se dedicado à cartografia deu conta da imperfeição dos instrumentos empregados sobre o terreno e, procurando aplicar os métodos preconizados pelo Padre Clavius, para medir os ângulos por meio do compasso e de uma escala especial, foi levado à concepção do sector móvel, descoberta que apresentou na obra La construction l'usage et les proprietés du quadrant nouveau de mathématiques, publicada em Bruxelas, no ano de 1631. Este nónio, também designado vernier, em alguns países, é pois um cursor graduado coincidente com a escala do instrumento, e que por ela deslisa, concebido de modo a que n divisões da escala correspondem a n-1 ou n+1 divisões do cursor, tendo os primeiros a designação de nónios retrógrados e os segundos nónios directos. Como exemplo, escolhemos um nónio da segunda espécie (escolhemos para o efeito uma escala rectilínea), onde é fácil de ver que cada divisão do nónio CD corresponde a 9/10 de cada uma das divisões da escala AB.
Se quizermos medir o comprimento X, vamos procurar a graduação do nónio que coincide ou fica mais próxima de uma divisão da escala AB. No caso da gravura é a sexta divisão e, assim, a medida de X é exactamente 2.6. De facto, as 8 divisões da escala AB correspondem à soma do comprimento X com as seis divisões do nónio que, como vimos, valem 9/10 daquelas. Portanto 8=6x9/10+X, onde X=2.6. O nónio de Vernier foi, sem dúvida, uma solução genial, pois era de fácil fabrico e fornecia de imediato o valor da fracção da menor divisão da escala. Pierre Vernier acaba os seus dias na cidade onde nasceu, com 57 anos de idade, sem que a sua invenção tivesse alcançado a divulgação que merecia, tendo, mesmo, passado despercebida durante longo tempo. A não existência de Academias e sociedades científicas que, a partir do século seguinte, desempenharam um papel preponderante na divulgação da Ciência foi, talvez, a principal razão do esquecimento. Este tipo de nónio teve grande expansão a partir da segunda metade do século XVIII, não só nos octantes e noutros instrumentos náuticos da mesma família de dupla reflexão como em muitos outros instrumentos de medida. Todavia, esta invenção de Vernier acabou por ser destronada, já neste século, quando começaram a ser fabricados os chamados sextantes de leitura rápida, nos quais as fracções do grau são lidas num tambor, graduado de zero a 60 minutos. Com estes sextantes a altura do astro é conseguida com a maior das simplicidades no momento da colimação. Acabamos de expor os métodos imaginados por Pedro Nunes e por Pierre Vernier, mas ficaram por esclarecer dois aspectos, que se mantém controversos:
1. A quem se deve atribuir a verdadeira invenção do nónio, ao qual Vernier deu a forma prática? 2. Qual a designação que deve ser utilisada: nónio ou vernier?
Esta discussão foi iniciada provavelmente por Lalande, quando em 1771 publicou a sua Astronomia. onde afirma que "La division qui est aujourd'hui la plus employée dans plusiers auteurs division de Nonnius, quoique Nonnius n'en soit pas tout-à-fait l'auteur; mais il en avait imaginé une autre qui eut beaucoup de célébrité, & qui pouvait conduire à celle que nous avons aujourd'hui. Voyez son traité De Crepusculis, imprimé en 1542. Le véritable auteur de la nôtre dans son état actuel fut Pierre Vernier,...", e, assim, je crois donc quil est juste de rétablir le véritable auteur dans ses droites, & dappeller Vernier, au lieu de nonnius, la pièce que forme la division dontil sagit. A primeira reacção a esta afirmação devêmo-la a João Jacinto de Magalhães, já atrás citado, que numa das suas obras, publicada em 1775, afirma: "1. Je conserve l'ancien nom de Nonius à cette pièce, que Messieurs les Petits-Maitres de la Littérature instrumentale commencerent à appeller Vernier depuis peu d'années, avec un succés pareil à celui des coeffures de femme qui, malgré tout le ridicule d'une nouveauté inutile & gênante ne manque pas d'être imitées dans la suite par quelques femmes de bon sens, de peur d'être marquées au coin du mauvait goût. 2. C'est avec une vraie joie que je recommande à ces Messieurs un autre nom bien plus joli pour la même piece, savoir celui de Clavius. La pronunciation est agréable, qu'il ne manquera pas de faire fortune parmi tous les Astronomes & Instrumentistes du bon ton. 3. Mon garant pour cette nouveauté, est le Père Pezenas, dans le chapitre , page 83 de son Astronomie des Marins, ímprimé à Avignon en 1766, in-8º où il observe que son confrere le Pere Clauvius avoit déjà parlé de cette division du Nonius, vingt ans avant Pierre Vernier. Il est remarquable que le même Auteur conserve, aprés cette anecdote, le même nom de Nonius. C'est apparement qu'il n'a pas plus de bon goût que moi. J'en suis bien fâché pour tous les deux." Muitas tem sido as opiniões acerca deste apaixonante assunto, e é perfeitamente natural que sejam tomadas posições diferentes. De facto, os autores portugueses escolhem o nome de nónio, enquanto os de expressão francesa preferem o de vernier, o que nem sempre é seguido por todos, pois temos o testemunho de Delambre que, citando Bailly, afirma em 1818 que "le vernier n'est qu'un instrument perfectionné, et que le nom de Nonius y reste avec les traces de son génie". Quanto a nós, se nos é permitido dar uma opinião, optamos pela designação de nónio, porque julgamos que a solução de Vernier não é mais do que uma fase na evolução de um processo que se iniciou com Pedro Nunes, foi aperfeiçoado por Curtius e Clavius, que esteve à beira do sucesso, acabando por ser ultrapassado, quando os sextantes, e outros instrumentos de medida, começaram a usar o já citado sistema de leitura rápida.
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