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Tycho Brahe recorre ao nónio de Pedro Nunes
Na sequência destas considerações, arriscamos mesmo em afirmar que Pedro Nunes não possuíu um único exemplar do nónio que concebeu. Até recentemente só havia conhecimento de dois quadrantes usando o nónio. São referidos por Tycho Brahe (1546-1601), na sua obra Astronomiae Instauratae Mechanica cuja primeira edição é de 1598. Nesta obra, além de serem apresentadas gravuras dos referidos quadrantes o autor afirma - estamos a seguir a tradução inglesa de 1946 - que estes estão divididos com as usuais transversais, mas também utilisam o nónio do "famoso matemático espanhol". A tradução parece-nos incorrecta porque o termo efectivamente usado por Brahe é "hispanicus", que julgamos abranger todos os habitantes da Península Ibérica e não, particularmente, os espanhois. Além disso aquele astrónomo dinamarquês afirma que Pedro Nunes atribui o método a Ptolemeu, o que dificilmente o convence, afirmação que, a nosso ver, constitui uma homenagem à modestia do nosso grande matemático. A razão que levou Tycho Brahe a usar o nónio resulta da sua preocupação em fazer as observações astronómicas com grande precisão, o que o levou a estabelecer importantes conceitos, que fizeram escola e foram responsáveis pelo nascimento de uma nova Astronomia. Só assim, foi possível elaborar as efemérides dos fenómenos celestes com o indispensável rigor. Pelo facto, este astrónomo ocupa um destacado lugar na História da Astronomia. Sabemos que Brahe fabricava os seus próprios instrumentos, possivelmente com a ajuda de ajudantes. Nas duas décadas em que teve o seu observatório na ilha de Ven, a 27 quilómetros de Copenhague, observatório que lhe foi oferecido pelo rei da Dinamarca Frederico II, construiu 20 instrumentos dos quais nem um só sobreviveu, como aliás aconteceu a todos os outros que produziu. Assim, perdemos a oportunidade de ver a invenção de Nunes concretizada na obra do maior astrónomo do seu tempo. O nónio não foi usado por Brahe durante muito tempo. Com efeito, em 20 de Janeiro de 1587, aquele famoso dinamarquês escrevia ao matemático Cristóvão Rothmann: Mas, logo que em seguida, comecei a tomar rigorosamente a altura dos astros com a ajuda de quadrantes e me apercebi pela experiência, que a divisão comum, levada o mais longe possível, não era suficiente nos pequenos instrumentos, recorri ao subtil processo que Nunes apresenta na terceira preposição do seu De Crepusculis, e o tornei mais exacto, aumentando o número de subdivisões e calculando tábuas pelas quais se poderia conhecer imediatamente e com precisão a altura de um ponto qualquer. E, como esta invenção de Nunes, assim como a experiência me tinha provado, não satisfazia as suas promessas, eu pergunto-me se o processo, pelo qual se chega, por meio de pontos transversais, a dividir uma recta em partes muito pequenas, não poderia aplicar-se também às linhas curvas. Esta carta trás-nos algumas novidades. A primeira, mostra que Tycho aumentou o número de posições do nónio, o que pela análise das duas gravuras apresentadas na Astronomiae Instauratae Mechanica,não se descortina. Admitimos que esta experiência tenha sido feita num quadrante de grandes dimensões de que não nos chegou notícia.
A segunda, diz-nos que Brahe elaborou tábuas para o cálculo dos ângulos correspondentes às numerosas posições do nónio, o que constituiu um árduo trabalho, tanto mais que admitimos que esse cálculo teria sido feito para um ou mais nónios dispondo de mais posições do que aquelas concebidas pelo seu inventor. Mais adiante vamos saber que Clavius calculou tábuas para uma nova versão do nónio. Relativamente ao abandono do nónio, já esboçado por Tycho Brahe, no texto acima transcrito, temos ainda uma informação de Delambre, do início do século XIX, que nos afirma que Tycho renunciou à sua utilização, o que ele não teria feito se os erros não fossem maiores que um ou dois minutos. A mais importante utilização teórica do nónio deve-se ao comandante George Waymouth que, no manuscrito The Jewell of Artes, apresenta vários quadrantes para uso na astronomia e na artilharia. E é precisamente nesta obra que encontramos pela primeira vez o nónio na avaliação de ângulos horizontais. No nosso país nada disto acontecia. Para além do astrolábio náutico, que foi, na época e sem qualquer dúvida, o instrumento de alturas de maior prestígio, que os portugueses desenvolveram e fabricaram, mas cuja tecnologia era elementar, não há memória de aqui se ter feito, por exemplo, um astrolábio planisférico, que foi ferramenta indispensável dos cosmógrafos de antanho. E destes belos instrumentos, chegaram até aos nossos dias mais de 1300, pois a lista que refere este número é de 1955 e sabemos que já foram catalogados muitos outros. |
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