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Terceiro momento

E entretanto o carpinteiro atravessava como uma águia os ares e saltava os mares, chegando às portas da vila, ao romper da manhã.
Sentou-se a tomar fôlego, esperando que fossem abertas as portas.
Rompeu o sol no horizonte! Como é belo o nascer do sol na nossa província!
Encaminhou-se para uma casa e bateu à porta. Apareceu-lhe a mulher e ambos se abraçaram.
O carpinteiro, porém, depois de abraçar a mulher e beijar os filhos, subiu ao sótão e foi guardar os três pães dentro de uma arca usada, onde estavam as velhas alfaias, que de nada serviam.

Nas tardes dos domingos e dias santificados, saía o carpinteiro da vila em passeio à fonte e ali se conservava, horas inteiras, com os olhos fixos na água da fonte, esperando, a cada momento, ver lá no fundo alguma das mouras encantadas. Quando começava a escurecer, voltava para casa, e ia observar os três pães escondidos na arca.
Tantas vezes abriu a arca que a esposa, na ausência do marido, foi ver o que a arca continha. Viu os três pães e ficou surpreendida. Conteriam os pães algum dinheiro? Ou algum segredo do esposo apaixonado? Resolveu pedir informações ao marido.
- Não lhes toques - respondeu o marido visivelmente incomodado, quando a mulher o interrogou.
Esta resposta simples despertou a desconfiança na mulher. Em uma tarde de domingo, na ocasião em que o marido, debruçado na fonte, espreitava as mouras, subiu a mulher ao sótão, abriu a arca e deu, com uma faca, um grande golpe em um dos pães. Imediatamente começou a sair sangue pela cutilada. Amedrontada, a mulher curiosa escondeu o pão entre os outros e fechou a arca à pressa.
Nesse mesmo momento o marido, debruçado na fonte, ouviu distintamente um enorme grito saído do interior e da parte mais funda das águas. Sentiu arrepiarem-se-lhe os cabelos e não soube explicar aquele fenómeno. A mulher nada contou ao marido.
Chegou  a noite da véspera de S. João (noite igualmente festejada por mouros e cristãos). O carpinteiro sentou-se ao lado da fonte e esperou que desse a meia-noite. Logo que deu a hora marcada, tirou dos alforges um pão, lançou-o dentro da fonte, e disse em voz alta:
- Zara!
E apareceu um relâmpago.
- Lídia! - exclamou o carpinteiro, no mesmo tom de voz, lançando o pão à fonte.
Repetiu-se o mesmo fenómeno.
- Cassima! - disse no mesmo tom.
Soou um grito, repassado de dor, e as águas permaneceram quietas.
- Cassima! - repetiu o artista, num tom de voz forte e enérgico.
Então o carpinteiro viu uma formosíssima mulher.
- O que significa isto? - perguntou o carpinteiro.
- Significa que estou condenada a passar séculos e séculos nesta fonte - respondeu a moura, soluçando.
- E de quem é a culpa?
- De tua mulher, que me cortou de um golpe a perna direita.
- Minha mulher... Naturalmente não teve a consciência do mal que fez.
- Nem a culpo.

  • *Alfaias - do ár. Al-haiâ de Al-hajâ - «roupa, objectos»

Ilustração de Maria Keil