Os Anos 70
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Julião Sarmento, Faces (detalhe), 1976. Filme Super 8, cor, sem som, 44´22´´, dim. variáveis. Col. Van Abbemuseum. José Manuel Costa Alves.
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Eduardo Luiz, O 7º disfarce de Zeus, 1972. Óleo sobre tela, 194 x 113 cm. Col. Centro de Arte / Col. Manuel de Brito. DR/ Cortesia Galeria III.
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Nas vésperas da revolução democrática de 1974, Portugal vivia uma conjuntura bastante desfavorável. Em primeiro lugar, colocava-se a questão de uma guerra colonial prolongada e inconclusiva. A tardia e pouco eficaz abertura do sistema político promovida pelo governo de Marcelo Caetano desde 1968 e o desgaste das estruturas institucionais do Estado Novo, com um núcleo político incapaz de resolver o impasse a que o país chegara, geravam um governo caracterizado pela lenta agonia da luta pela sobrevivência, extremamente debilitado perante a comunidade internacional. Em segundo lugar, a insatisfação geral e as dificuldades económicas e sociais da população caracterizavam a realidade isolacionista de um país que se revia ainda na famosa expressão "orgulhosamente sós", comandado por uma classe dirigente dependente de valores políticos e ideológicos ultrapassados.
Neste contexto, martirizada pela longevidade do regime, a sociedade portuguesa sofreu os efeitos negativos da intervenção política na dinâmica cultural. A relativa abertura do sistema no período final do regime reforçou inclusivamente a percepção do abismo que separava a realidade social e artística do nosso país da dinâmica internacional da contemporaneidade.
De qualquer modo, não deve ficar a ideia de que antes do levantamento militar democrático de 25 de Abril nada existia e que depois tudo se realizou e concretizou com sucesso, pois a ausência de adequadas políticas culturais foi contínua e persistente.
No que diz respeito ao contexto artístico e, em particular, à realidade das artes plásticas, o período de transição ideológica e política que caracterizou o nosso país na década de 70 apresenta uma complexa multiplicidade de referências, contribuindo indirectamente para abrir uma nova etapa na actividade artística e cultural. Se é verdade que as reformas empreendidas durante o período marcelista possibilitaram uma maior aproximação à situação internacional, não é menos certo que a política cultural de base traduzia uma ineficácia institucional expressa na falta de museus ou centros de arte contemporânea, na debilidade ou inexistência de mercado e na quase total ausência do apoio do Estado às tendências estéticas contemporâneas.
Ainda assim, com as medidas económicas tomadas pelo novo governo de Marcelo Caetano, a par das encomendas para a sede da Fundação Gulbenkian e da criação dos Prémios Soquil (1968-1972), o mercado de arte começa a dinamizar-se e a criar uma clientela que vai despertando para a arte moderna em detrimento de um gosto oitocentista enraizado. Contudo, não basta o período de alta especulativa do valor das obras de arte a que se assistiu em meados de 1973 para concluirmos que existia uma dinâmica efectiva e consistente de mercado.
Este pequeno "boom" em torno do comércio de arte em Lisboa e Porto traduziu-se na proliferação de galerias e outros espaços expositivos. No final da década de 60 e ao longo da seguinte, no Porto inauguram a Zen (1970) e o Módulo-Centro Difusor de Arte (1975), em Lisboa a Buchholz (a partir de 1965, na R. Duque de Palmela), a Dinastia (1968), a Judite da Cruz, a S. Mamede (1969), a Quadrum (1973) e o segundo espaço do Módulo (1979), e a Ogiva em Óbidos (1970). A par da acção desenvolvida na divulgação e formação de vários artistas por estas galerias, em particular pela Galeria Quadrum e pela Galeria Ogiva que desenvolveu uma estratégia de descentralização, o CAPC (Círculo de Artes Plásticas de Coimbra) teve igualmente um papel importante na experimentação e promoção de novas atitudes estéticas, com acontecimentos tão significativos como Minha Nossa Coimbra Deles (1973), Arte na Rua ou 1000001º Aniversário da Arte (1974). Estes actos simbólicos, "happenings" e "performances" pretendiam alertar a comunidade para o atraso das instituições e gerar a necessária consciencialização da urgência do trabalho a realizar.
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Sá Nogueira, Erotropo, 1970. Técnica mista sobre tela foto-sensível, 77 x 121 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. DR/ Cortesia Fundação Calouste Gulbenkian.
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Pires Vieira, Des-Construções, 1974. Tela de algodão, esmalte sintético, corda, dim. variáveis. Col. Fundação de Serralves. Catarina Costa Cabral.
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Nikias Skapinakis, Encontro de Natália Correia, Fernanda Botelho e Maria João Pires, 1974. Óleo sobre tela, 140 x 110 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. DR/ Cortesia Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP.
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João Cutileiro, Maquete de D. Sebastião - I, 1972. Mármore, 46 x 15 x 15 cm. Col. particular. João Cutileiro Jr.
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De suma importância foi a reestruturação da secção portuguesa da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte), em 1969, mas, sobretudo, a emergência de um discurso crítico e actual por parte de Ernesto de Sousa. Crítico, comissário e artista, Ernesto de Sousa foi uma figura controversa no país de então, desenvolvendo uma estratégia de ruptura e descontinuidade para com os cânones estabelecidos. Depois de uma incursão pelo cinema e pela estética neo-realista enveredou por uma arte experimental com um forte cunho conceptual, em plena sintonia com o que se fazia fora do país. Visita a Documenta de Kassel em 1972, onde conhece pessoalmente Joseph Beuys e contacta com as ideias de Harald Szeemann, facto que marcaria o seu pensamento crítico e contribuíria para trazer novas problemáticas para o debate nacional, tais como a desmaterialização da obra de arte, a noção de "obra aberta", o artista como "operador estético" ou o papel activo do espectador. Da sua actividade como comissário e promotor de projectos devemos considerar os Encontros do Guincho (1969), Nós não estamos algures (1969), O meu corpo é o teu corpo (1971) e as exposições integradas na AICA Do Vazio à Pró-Vocação (1972) e Projectos-Ideias (1974), para além do marco histórico da década: a Alternativa Zero (1977).
As mortes de Eduardo Viana (1967) e de Almada Negreiros (1970), assim como a primeira grande retrospectiva de Vieira da Silva no nosso país, na Fundação Gulbenkian (1970), marcam, por assim dizer, o início de um novo período no panorama da arte nacional.
Ao nível das publicações também assistimos durante a primeira metade da década de 70 ao aparecimento da revista Colóquio-Artes (1971-1997), sob a direcção de José-Augusto França, e no Porto, em 1973, à Revista de Artes Plásticas. No ano seguinte seria, também da autoria de José-Augusto França, publicada A Arte em Portugal no Século XX, obra de referência para a historiografia artística nacional.
Ainda em 1973 - ano da morte de Picasso - três acontecimentos importantes merecem uma referência particular.
Durante o mês de Abril realizou-se a exposição 26 Artistas de Hoje, reunindo na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA) alguns dos trabalhos do conjunto de artistas distinguidos pelos Prémios Soquil.
Em Setembro desse ano era inaugurado, em Lagos, o monumento a D. Sebastião. Não é fácil encontrar uma figura cuja carga histórica, mítica e cultural, melhor represente a atmosfera passadista, pasmada e bloqueadora que impregnou a sociedade portuguesa durante largas décadas. Ao mesmo tempo, a figura de D. Sebastião foi uma das grandes fontes inspiradoras de uma atitude irracionalista, saudosista, reaccionária e imobilista que por muito tempo marcou correntes influentes do pensamento português. Estas considerações histórico-culturais ajudam a explicar porque é o D. Sebastião de João Cutileiro uma obra-chave deste período. Partindo da experiência técnica das suas "bonecas articuladas", o autor apresenta-nos o jovem rei como o menino que questiona o mito imperial dos portugueses, numa renovação da estatuária que definiria o novo limiar da escultura portuguesa, destronando em definitivo a linguagem escultórica do regime, protagonizada pelo trabalho de Francisco Franco. A inserção física da estátua numa praça de Lagos corresponde ao modo como o adolescente Sebastião pousa no chão o elmo e abre à sua volta um olhar claro e limpo, através do qual o seu corpo se deixa absorver pela luz.
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José de Guimarães, Máscara com Tatuagens, 1973. Acrílico sobre tela, 100 x 81 cm. Col. Museum Würth. José Manuel Costa Alves.
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Eduardo Batarda, What´s in a nose?, 1973. Aguarela sobre tela, 77,3 x 58,8 cm. Col. Banco Privado Português. DR/ Cortesia Banco Privado Português.
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João Abel Manta, MFA - Sentinela do Povo. Postal, sem data. Col. Museu da Cidade - CML. DR/ Cortesia Arquivo Fotográfico do Museu da Cidade.
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De modo mais óbvio, outros eventos artísticos anunciam a iminência da mudança política. Em Dezembro de 1973 inaugura na SNBA a Exposição 73. Na sala de entrada uma representação escultórica realista de um soldado morto com a farda da guerra colonial - Jaz Morto e Arrefece de Clara Menéres. Por trás dele, na parede, um friso de pardos rostos silenciosos numa pintura de Rui Filipe. Na noite da inauguração uma performance de João Vieira envolvendo uma mulher nua pintada de dourado é ainda matéria de pequeno escândalo.
A 25 de Abril de 1974 é o "25 de Abril". A 10 de Junho, dia de Portugal, 48 artistas juntam-se para comemorar o acontecimento e pintar, em simultâneo, ao vivo, em directo diante do público e das câmaras da televisão um grande painel que tem como tema a liberdade. É um evento ingénuo e um pouco anedótico mas não vale a pena negar-lhe a sua autenticidade emocional e conjuntural. Durante a reportagem alguém diz a Júlio Pomar que a sua pintura é complicada. Pomar responde que a vida também é complicada.
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Fernando Calhau, S/ título, # 99. Materialização de um quadrado imaginário, 1974. Fotografia a cor e tinta da china sobre papel fotográfico, (4x) 8,5 x 12 cm. Col. Fundação de Serralves. DR/ Cortesia Fundação de Serralves.
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No Porto, uma "comissão para uma cultura dinâmica" formada por artistas plásticos, escritores e poetas realiza nesse mesmo dia o Funeral do Museu Nacional de Soares dos Reis. O protesto - que envolveu cerca de 500 pessoas - era dirigido contra o sistema museológico português em geral, completamente anacrónico.
Os acontecimentos políticos de 74 vieram interromper o ritmo das exposições de artes plásticas, assim como o consequente trabalho da crítica. Das páginas dos jornais quase desaparecem as referências às práticas artísticas, embora a inevitável euforia da movimentação política tenha determinado, ainda que fugazmente, a renovação da participação cultural, com a aspiração a um novo tipo de relacionamento entre artistas e público em geral.
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Clara Menéres, Mulher-terra-vida, 1977. Acrílico, terra e relva, 80 x 270 x 160 cm. Vista da instalação na exposição Alternativa Zero, Galeria de Belém. Clara Menéres.
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Como é habitual em períodos de agitação política pré- ou pós-revolucionária, vários artistas e práticas culturais foram instrumentalizados pelas mais primárias, anacrónicas e absurdas manipulações ideológicas. Se quisermos fazer um balanço, em termos estéticos, de toda esta agitação política, retenham-se os cartoons de João Abel Manta e os sumptuosos murais do MRPP, quase todos já destruídos.
Entre os alinhamentos estéticos desses anos discutia-se, simultaneamente, a dialéctica entre figurativismo e abstracção, entre a pintura e a arte conceptual (ou as acções pós-conceptuais), e reviam-se as intenções, agora libertas da censura, do surrealismo e do neo-realismo portugueses. Procurava-se nas propostas mais ligadas ao exterior, dos conceptualismos vários às tendências pós-vanguardistas, a marca de uma renovação ou as referências mais evidentes da contemporaneidade. Entre o formulário conceptualista e o registo neo-figurativo reordenavam-se as propostas estéticas dos anos 70, numa tendência crescente para a afirmação dos percursos individuais de cada artista.
Nesta interrogação e revisão da modernidade promoveram-se algumas exposições, retrospectivas, mostras temáticas, decorrentes também da situação política e social do país (a título de exemplo refira-se a exposição Pena de Morte, Tortura, Prisão Política, SNBA, 1975). Divulgaram-se práticas e intenções plurais, revelando a multiplicidade da oferta, numa convivência harmónica entre gerações de artistas, estilos, dinâmicas e referências.
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Vitor Pomar, S/título, 1979. Acrílico sobre tela, 340 x 200 cm. Col. Caixa Geral de Depósitos. Laura Castro e Caldas e Paulo Cintra.
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Ana Hatherly, As Ruas de Lisboa, 1977. Colagem, 110 x 90 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. Mário de Oliveira.
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No campo das artes plásticas uma grande exposição - Alternativa Zero, Galeria Nacional de Arte Moderna, Belém, 1977 - encerra o período das convulsões pós-revolucionárias, fazendo o balanço da década de 70 no que diz respeito às experiências artísticas mais vanguardistas. Alternativa Zero, organizada por Ernesto de Sousa, constitui um balanço dos trabalhos que em Portugal se mostraram mais sintonizados com as tendências da evolução da arte contemporânea a nível internacional. Conforme o catálogo descritivo advertia a respeito do evento: "pretende ser 'algo mais' do que uma exposição: ou, encarando as coisas de outro prisma, pretende ser uma exposição aberta, com todas as consequências possíveis 'nesta' sociedade, inclusive concorrer (ainda que pouco) para transformá-la". As propostas conceptuais de Alberto Carneiro, ou de Clara Menéres com Mulher-Terra-Vida, e o vídeo de João Vieira, comprovam e exemplificam a linha plural orientadora da exposição, numa altura em que o vazio do mercado de arte não permitia uma verdadeira visibilidade das obras nacionais. A exposição intitulada Alternativa Zero - Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea marca assim o primeiro balanço dos trabalhos que em Portugal tomaram como referência as atitudes conceptuais e congéneres. Uma situação entre nós minoritária e marginalizada, da qual, no entanto, sairia uma primeira vaga de artistas que viriam a desempenhar um papel do maior relevo ao longo da década de 80.
Em 1978 realizou-se a I Bienal Internacional de Artes Plásticas de Vila Nova de Cerveira, iniciativa que, privilegiando a contemporaneidade durante as primeiras edições, promoveu a descentralização artística, revelando curiosas assimetrias culturais, numa temporária coexistência entre a tradição da expressão regional própria da localidade e a novidade das formas artísticas apresentadas.
Talvez influenciada pelo sucesso da I Bienal de Cerveira, a Secretaria de Estado da Cultura organizou, em 1979, a Iª edição da Bienal Internacional de Desenho, que veria abruptamente interrompido o seu percurso devido ao incêndio do espaço da Galeria de Belém, em 1981. Apesar da iniciativa não ter tido continuidade é importante salientar a passagem pelo espaço da galeria de alguns trabalhos que ultrapassaram a fronteira do desenho e afirmaram uma liberdade experimentalista tendo como suporte o papel e as suas potencialidades.
A década de 70 deu continuidade a muitas das linguagens plásticas produzidas por artistas das décadas anteriores mas, por outro lado, radicalizou soluções dos anos 60 e lançou e consagrou uma série de autores que mostraram opções plásticas bastante amadurecidas. Entre os artistas de continuidade, alguns dos quais consolidam a sua presença na crítica e no mercado durante este período, podemos referir Júlio Pomar, Paula Rego, Joaquim Rodrigo, Mário Cesariny, António Sena, Álvaro Lapa, José de Guimarães e Eduardo Batarda.
Na sequência de pesquisas de anos anteriores, nomeadamente na área da poesia concreta, devemos referir a ecléctica obra de Ana Hatherly, com passagens pelo desenho, pintura, "performance", "happening" (Rotura, 1977) e cinema (filme Revolução, 1975). Veja-se a sua participação na Alternativa Zero, com Poemad'entro.
No campo da pintura, Luísa Correia Pereira a trabalhar em aguarela, colagem sobre papel e outros suportes e técnicas, elaborou uma obra marcada pela representação espontânea e pelo colorido, com referências a lugares, personagens e objectos de mundos imaginados e, mais recentemente, com referências à sua própria infância. Vítor Pomar, cuja obra reivindica uma forte influência do budismo Zen, utiliza na sua pintura uma estética bicolor, com predomínio do preto e branco, mantendo-se no registo abstracto, mas passando também pela fotografia, vídeo e cinema experimental.
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Helena Almeida, #1 Desenho Habitado, 1977. 6 fotografias a preto e branco, tinta e colagem de crina, 42 x 52, 2 cm (cada). Col. Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento em depósito na Fundação de Serralves. Laura Castro Caldas e Paulo Cintra.
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Relativamente aos percursos individuais, à margem das disciplinas tradicionais, cabe mencionar Alberto Carneiro que nestes anos inicia os seus "teatros-ambientes" com obras tão significativas como Canavial: memória/metamorfose de um corpo ausente (1968-1970), Uma floresta para os teus sonhos (1970) ou Uma linha para os teus sentimentos estéticos (1970-71), para além das suas propostas mais perto da land art como Operação Estética em Vilar do Paraíso (1973). Também Helena Almeida parte para a exploração de outros media, mormente a fotografia, onde a auto-representação e as noções de espaço e de corpo performativo são referências constantes.
António Palolo estende as suas pesquisas às áreas do filme, vídeo e instalação numa proximidade com as tendências neo-conceptuais, afastando-se da pintura com referências pop e minimalistas do início da década. Também Julião Sarmento passa a utilizar a fotografia e a realizar filmes, mantendo as temáticas sexuais características do seu trabalho pictórico anterior.
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Vista da exposição Alternativa Zero, 1977. Col. Fundação de Serralves. DR/ Cortesia Fundação de Serralves.
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Ana Vieira, Ambiente - Sala de Jantar, 1971. Técnica mista, alt. 2m x 3,12m x 3,12m. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. Carlos Azevedo.
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Ainda numa linguagem conceptual encontramos o trabalho de Graça Pereira Coutinho, emigrada em Londres, que utiliza materiais naturais (terra, palha, areia, folhas, giz), métodos artesanais, impressões de mãos, palavras ilegíveis, rabiscos e memórias de vivências pessoais para criar soluções entre escultura e pintura. Numa outra vertente conceptual, mormente ao nível do questionar do próprio conceito da obra de arte e seus mecanismos de recepção e divulgação, temos o trabalho de Manuel Casimiro, também emigrado em França. Trata-se de uma obra que remete para o acervo imagético da história da arte, dando protagonismo a uma forma ovóide que vai ganhando importância durante a década de 70.
Consciente de que os anos 70 são o período de conjugação de técnicas, José Barrias, residente em Milão desde a década de 60, para além do seu trabalho teórico, desenvolve diversos ciclos temáticos no campo das artes plásticas. Nessa linha de investigação de mistura de géneros devemos considerar a obra de Ana Vieira, designadamente as suas instalações-ambiente dos anos 70, onde o espectador assume um papel fundamental quer pelo convite a participar quer por ser impedido de entrar nos espaços criados pela autora.
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Pedro Calapez, S/título (detalhe), 1982. Grafite sobre papel, 280 x 150 cm. Col. Maria de Belém Sampaio. José Manuel Costa Alves.
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Remetendo para o pós-minimalismo, refiram-se as obras de Fernando Calhau e Zulmiro de Carvalho. Este último explora nas suas esculturas a plasticidade de materiais como a madeira, o ferro ou a pedra. Enquanto isso, Fernando Calhau adopta certos valores op(ticos) e desenvolve trabalhos mais próximos do conceptualismo, através do uso da fotografia e do filme.
Também Pires Vieira apresenta um registo minimalista na sua pintura dos anos 70, desenvolvendo, no início da década, pesquisas em torno das cores puras e passando depois a preocupar-se com questões relacionadas com "desconstruções" da pintura, a sua decomposição em estruturas e processo de elaboração. Destas operações resultam telas penduradas sem armação, com formas geométricas padronizadas recortadas.
No que diz respeito às actividades de grupo, a década de 70, marcada pelo ambiente de festa e utopia próprio do contexto socio-político, assiste a uma série de projectos colectivos, alguns já referidos, e à formação de grupos de artistas que partilhavam alguns objectivos artísticos e sociais, nomeadamente o cruzamento das várias disciplinas (com reminiscências do Fluxus), a recusa de academismos e a intervenção social e política. Neste contexto surge o grupo Acre formado, em 1974, por Clara Menéres, Lima de Carvalho e Alfredo Queiroz Ribeiro, com actividades como pintar o pavimento da Rua Augusta ou a distribuição de diplomas de artista - ao jeito de Piero Manzoni - na Galeria Opinião. Mais dedicado à pintura e à performance, o grupo Puzzle, com actividade entre 1975 e 1980, optou por questões ligadas à função social da arte e do artista.
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