Os Anos 90
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João Paulo Feliciano, The Big Red Puff Sound Site, 1994. Colchão em oleado vermelho, cheio com esferovite; 2 lâmpadas fluorescentes azuis; 6 auscultadores suspensos do tecto; leitor de cd. Banda Sonora: "Teenage Drool", Tina And The Top Ten. 5 x 5 m. (dim. da sala). Col. PCR Pedro Falcão.
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No contexto internacional a década de 90 inicia-se com uma viragem política cuja afirmação passa sobretudo pela atitude crítica face ao movimento neo-expressionista de "retorno à pintura" que marcara o início da década anterior.
Embora no panorama nacional se postule uma adesão a essa viragem discursiva, de um modo explícito no caso de alguns grupos de artistas, continua a fazer-se sentir um desfasamento entre o conteúdo postulado e a forma segundo a qual esse mesmo conteúdo se exprime. Por outras palavras, no contexto internacional a recusa da "objectualização" da obra de arte exprime-se, naturalmente, por uma desmaterialização, inaugurando uma década de produção tendencialmente não-objectual, que se manifesta no recurso alargado ao vídeo e à vídeo-instalação e em novas atitudes, nomeadamente a generalizada atitude etnográfica com que os artistas abordam, doravante, as questões relativas à produção, distribuição e consumo das obras de arte.
O paradigma do artista enquanto etnógrafo foi, aliás, uma tentativa de reconfiguração do discurso benjaminiano do "artista enquanto produtor" recolocando no papel do Outro um outro cultural, cuja alteridade se define em termos de identidade e não já em termos de classe socio-económica. Ora o outro enquanto identidade cultural nunca existiu em Portugal, país que se familiarizou com o termo "proletariado" na década de 70 quando a "terceira vaga" (Alvin Toffler) já estava prestes a tornar obsoleta a própria noção de trabalho.
País, ainda, cuja memória colonial permanece até hoje escamoteada e onde o ensino continua assente em estratégias de mistificação. Nunca confrontado com vagas de imigração irredutíveis, e nunca confrontado com nenhum movimento feminista de peso, Portugal permaneceu, no seu isolamento internacional, virtualmente alheio às ondas de choque que abalaram o século XX. Devido à longevidade da ditadura salazarista, Portugal não viveu o período moderno. Não será, portanto, de estranhar que a pós-modernidade lhe tenha aparecido como um produto importado.
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José Loureiro, Minutos, 1996/97. Óleo sobre tela, 194 x 261 cm. Col. Banco Privado Português. Vitor Branco.
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Pedro Cabrita Reis, Rio, 1992 (Documental). Mármore, 255 x 630 x 2530 cm. Col. do artista. Dirk Pauwels.
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A nível nacional a década inaugura-se com a exposição 10 Contemporâneos (Serralves, 1992), comissariada por Alexandre Melo, que reúne 10 artistas (Gerardo Burmester, Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Pedro Casqueiro, Rui Chafes, José Pedro Croft, Pedro Portugal, Pedro Proença, Rui Sanches e Julião Sarmento) apresentados como protagonistas da cena artística nacional na viragem dos anos 80 para os anos 90.
No ano seguinte, também em Serralves, e com o objectivo mais específico de criar uma imagem de marca da década de 90, apresenta-se Imagens para os anos 90 (Serralves, 1993), comissariada por Fernando Pernes e Miguel von Hafe Pérez, reunindo pela primeira vez um grupo de artistas emergentes, Miguel Palma, Paulo Mendes, João Paulo Feliciano, Fernando Brito, João Louro, António Olaio, João Tabarra, Carlos Vidal, Manuel Valente Alves, Daniel Blaufuks, Miguel Ângelo Rocha, Joana Rosa, Rui Serra ou Sebastião Resende, entre outros, entre os quais estão muitos dos nomes que irão moldar a arte portuguesa dos anos 90.
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Fernanda Fragateiro Instalação na Sala Sul, Museu de História Natural, Lisboa, 1990. Madeira, gesso, cimento, tijolo e alumínio, 25 x 10 x 5 m. Cortesia da artista. Pedro Letria.
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Ana Vidigal, s/título, 1991. Técnica mista sobre tela, 180 x 200 cm. Col. Centro de Arte / Col. Manuel de Brito. Mário Soares.
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A exposição inaugura, também, uma polémica que percorre toda a década entre duas formas de entender a prática artística: uma preconizando uma atitude mais essencialista e a-histórica, a outra mais alerta em relação às questões e problemas da conjuntura cultural e social, advogando uma prática artística interventiva e comprometida.
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Augusto Alves da Silva, Que bela família, 1992. Série de 6 fotografias, Fujicrome, 75 x 93 cm. (cada). Cortesia do artista. Cortesia do artista.
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O extremar destas posições denota, antes de mais, uma condição periférica que Portugal estava ainda longe de ultrapassar, (re) produzindo assim em solo nacional um debate a que a Europa já havia assistido na década de 30.
No entanto, e perante uma dinâmica da alteridade, a década ir-se-á definir por estratégias de ruptura que se manifestam a vários níveis: no contexto estético e artístico, em sentido estrito; no contexto geracional, com a geração de 90 a afirmar-se contra a geração de 80; no contexto institucional, com os artistas formados pelo Ar.Co (que conhece um novo impulso sob a direcção de Manuel Castro Caldas) a competirem com os artistas formados pela FBAUL. Contudo, vale a pena sublinhar que é, afinal, a ausência de real alteridade que permite e proporciona esta estrutura dicotómica que mascara, em última análise, a ausência de um real debate e de uma real dialética de produção-recepção.
Por outro lado, por razões de ordem sociológica como sejam a escassez de oportunidades de carreira, a dificuldade de internacionalização e a debilidade do mercado, a década de 90 vive o paradoxo da não-correspondência entre a intenção e o acto. Assim constata-se que os artistas nunca de facto abandonam a produção objectual acrescentando-lhe mesmo uma escala institucional, a "escala museológica" que reflecte uma apurada consciência da existência e desejo de articulação com um "público consumidor" específico e constituído pelas novas instituições públicas. Uma circunstância reforçada por um fenómeno social mais vasto: na sequência do "boom" económico dos anos 80, a sociedade portuguesa vê florescer uma nova classe abastada, cuja posição social recém-adquirida irá demonstrar um extraordinário apetite pelo consumo de produtos de prestígio. Se por um lado esse facto funciona como um incentivo à produção em geral, por outro condiciona a mesma, impondo uma exigência de convencionalidade distante de veleidades experimentalistas que não sejam enquadradas a priori por um discurso de legitimação.
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Daniel Blaufuks, Auto-Retrato (Cérebro), da série O Livro do Desassossego, 1996. Duratrans e negatoscópio, 46 x 132 x 15 cm. (3 elementos). Cortesia do artista. Cortesia do artista.
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Carlos Nogueira, Chão de Cal, projecto 1992, realização 1994. Madeira, ferro, cimento, cal, luz e som dos passos, 24 m. x 9m x 4,20 m. Museu de História Natural / Sala do Veado. Col. do artista. Carlos Nogueira.
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Assim, e de certa forma contra a corrente mais visível no contexto internacional, os artistas portugueses que veiculam um posicionamento político na sua prática artística fazem-no sobretudo ao nível do conteúdo expresso nas suas obras. Veja-se, a título de exemplo, a produção de Paulo Mendes, Pedro Cabral Santo ou dos Entertainment Co. (João Louro e João Tabarra), regra geral claramente objectual, em termos de prática plástica, e portanto, no limite, reiterativa da noção de arte como objecto mercantil apesar da convicta politização da sua postura e temáticas.
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Rui Chafes, A Manhã IV, 1992/93. Ferro, 39 x 37 x 75 cm. Col. Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Laura Castro Caldas e Paulo Cintra.
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Ana Jotta, Roger, 1995. Toalheiro mecânico desactivado, toalha bordada, 78 x 37 x 21 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP José Manuel Costa Alves.
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Neste sentido, boa parte da produção portuguesa da primeira metade da década de 90 parece enredada no paradoxo da adesão a uma postura warholiana cínica, apregoando, no entanto, uma postura brechtiana crítica e subversiva. No entanto devemos aqui assinalar dois factores não desprezíveis nesta conjuntura. Por um lado, toda a produção artística dos anos 90 caminha, de certa forma, sobre o fio da navalha, no que diz respeito à distinção operativa entre uma postura crítica e uma actuação reiterativa. Sendo que a dificuldade da gestão de uma atitude de apropriação dos signos ditos imperialistas que não se torne performativa dos mesmos se faz sentir um pouco por todo o lado. Em visão retrospectiva podemos notar que, independentemente das conquistas dos agentes, uma disposição social mais vasta condiciona a leitura, não sendo de todo a mesma coisa praticar a apropriação na década de 30 e praticar a apropriação na década de 90. Por outro lado, a vaga neo-conceptual da década gerou um mal-entendido ao nível da legibilidade das obras postulando uma hegemonia do assunto que obscureceu a percepção de outros níveis de significação. Tal problema faz-se sentir mais fortemente em países que uma condição periférica torna mais vulneráveis a défices de informação ou à deficiente gestão da mesma, reproduzindo em geral tendências hegemónicas.
Digno de nota é o facto de os artistas que adoptaram uma postura conducente a politizar a forma e não apenas o conteúdo das suas obras, a técnica e não o tema, serem aqueles cuja vivência pessoal e profissional transcende o território nacional, nomeadamente Júlia Ventura, João Penalva ou Ângela Ferreira. Através destes artistas faz-se notar uma sempre presente linha de continuidade com a anterior geração, representada pelos próprios, por António Olaio, Ana Jotta ou Helena Almeida, e que de algum modo radica nos anos 70, com Ernesto de Sousa.
Regressando ao plano cronológico devemos lembrar que a exposição Imagens para os anos 90 foi precedida por uma outra, apresentada no Convento de São Francisco em Beja e na qual os portugueses João Paulo Feliciano e Carlos Vidal, e os espanhóis Pedro Romero e Siméon Sáiz, expunham o seu Manifesto por uma alternativa politizada para a arte portuguesa no início dos anos 90. Ainda dentro desta orientação discursiva Jorge Castanho organizou em Beja, na antiga Metalúrgica Alentejana, em 1995, a exposição Espectáculo, Exílio, Deriva, Disseminação: um projecto em torno de Guy Debord com a participação de Fernando Brito, Carlos Vidal, João Felino, Paulo Mendes, João Tabarra, João Louro, Miguel Palma e Entertainment Co.
Devemos ainda lembrar que, se é verdade que Portugal se mantém numa condição periférica, é também verdade que todo um conjunto de novos factores começa, lentamente, a alterar essa situação. Ainda em 1993 uma exposição introduz o público português ao trabalho de um conjunto de artistas emergentes que viria a marcar toda a arte internacional. Integrada nas 2as Jornadas de Arte Contemporânea (Porto), comissariadas por João Fernandes, trata-se da exposição A Pasta de Walter Benjamin, comissariada por Andrew Renton que apresentou alguns dos artistas britânicos que viriam a formar a famosíssima geração dos Young British Artists (YBA): Douglas Gordon, Christine Borland, Graham Gussin ou Jane & Louise Wilson, entre outros.
Colmatando, em parte, o desfasamento entre Portugal e os principais centros europeus, alguns comissários e instituições prosseguem um aturado trabalho de divulgação. Entre eles encontramos os já mencionados Miguel von Hafe Pérez e João Fernandes, e ainda Pedro Lapa, Delfim Sardo, Isabel Carlos ou Jürgen Bock.
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Ângela Ferreira, Portugal dos Pequenitos, 1995. 1 caixa de luz vertical (alumínio, plexiglass, vinil, lâmpadas; 20 x 42 x 180 cm), 1 escultura (madeira, PVC, mangueira; 850 x 120 x 80 cm), 1 plano do parque (papel, cor; 45 x 40 cm), 1 desenho (grafite sobre papel; 25 x 120 cm). Col. Banco Privado Português. Ângela Ferreira.
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Miguel Palma, Ecossistema, 1995. Casulo em mica insuflada por ventilador, focos, ferro, alumínio, tubagens de ventilação, acrílico, temporizador, Kits de casas e fábricas à escala 1/100, 210 x 210 x 450 cm. Col. Institut d´Art Contemporain FRAC Rhôn. DR/ Cortesia do Artista.
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Isabel Carlos comissaria para a Lisboa 94 Capital Europeia da Cultura a exposição Depois de Amanhã, apresentada no recém-inaugurado Centro Cultural de Belém, espaço onde, no mesmo ano, é apresentada a não menos importante mostra Múltiplas Dimensões. Pedro Lapa inicia no Museu do Chiado o programa de exposições Interferências que, a partir de 1996, vai apresentar projectos de artistas como Miguel Palma, Augusto Alves da Silva, Gillian Wearing, Jimmie Durham, Henrik Plenge Jakobsen ou Stan Douglas. Imbuídas do ar do tempo estas iniciativas funcionam em Portugal como ilhas de contemporaneidade, apresentando visões e tendências que virão a moldar o panorama português posterior.
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Xana, Lar Doce Lar no Quarto 4, 1994. Pintura acrílica sobre MDF, 182 x 276 x 4 cm. Col. do artista. DR/ Cortesia Culturgest.
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Xana, Lar Doce Lar no Quarto 5, 1994. Pintura acrílica sobre MDF, 183 x 275 x 5 cm. Col. Mário Martins. DR/ Cortesia Culturgest.
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A década de 90, na sequência da guerra no Golfo, arranca com uma atmosfera geral de crise e recessão económica em que uma nova vaga de galerias - Alda Cortez, Graça Fonseca ou Palmira Suso -, cujos projectos tinham sido concebidos num momento anterior, se vê confrontada com um contexto económico particularmente difícil. Ao longo dos anos 90, algumas das galerias mais destacadas da década anterior encerram, como é o caso da Nasoni, bloqueada por graves questões financeiras, ou da Valentim de Carvalho. A Galeria Hugo Lapa, que lhe sucedera, encerra no final de 1997 tal como a Alda Cor tez e Graça Fonseca. Entretanto vêm adquirindo protagonismo um conjunto de galerias com uma atitude mais ecléctica e mais adaptada às solicitações do mercado, privilegiando a eficácia económica em relação à legitimação cultural. É o caso das galerias Fernando Santos e Quadrado Azul, ambas do Porto, tal como uma série de outras novas galerias - André Viana (entretanto encerrada) Canvas (que deu lugar à Graça Brandão) e Presença - cuja abertura, contrastando com os encerramentos em Lisboa, transformam o Porto, no final dos anos 90, no principal centro galerístico do país. Aí se encontram também a Pedro Oliveira, uma delegação da Módulo e a Zen, sucursal da III. De resto, estas três galerias são, a nível nacional, as únicas que prolongam as suas dinâmicas das décadas anteriores.
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Miguel Soares, Untitled (VR Trooper), 1996. Chapa zincada, acrílico, turfa irlandesa, relva artificial, VR Trooper, base rotativa, strobe-light, detector de movimento, 130 x 250 x 250 cm. Greenhouse Display, Estufa Fria, Lisboa. Col. Ivo Martins. DR/ Cortesia do artista.
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Pedro Tudela, S/título da série Rastos, 1997. Bobines de fita magnética e metais variados, dim. variáveis. Vista da instalação na Fundação Cupertino de Miranda, Vila Nova de Famalicão. Col. Fundação de Serralves. ZM.
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Miguel Soares, Untitled (VR Trooper) (pormenor) DR/ Cortesia do artista.
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Não obstante, desde 1992 Lisboa tinha começado a esboçar um circuito alternativo com a criação da galeria ZDB, cujo papel será fundamental na afirmação dos percursos de muitos dos artistas que irão surgir ao longo da década. Ainda em 1992 surge também uma alternativa ao ensino facultado tanto pela FBAUL como pelo Ar.Co ao ser criada a Escola de Artes Visuais Maumaus, a qual virá mais tarde, sob a direcção de Jürgen Bock, a ser responsável pela formação de toda uma tendência artística, vincadamente centro-europeia e ancorada no conceito de "Platform art". Nesse mesmo ano Pedro Cabrita Reis é convidado para a Documenta de Kassel e inaugura uma exposição antológica no CAM da Gulbenkian.
Em 1993, um grupo auto-organizado de artistas segue as pegadas dos seus predecessores britânicos e resolve tomar nas suas próprias mãos as decisões relativas às modalidades de exposição. Esses artistas são, entre outros, Paulo Carmona, Pedro Cabral Santo, Tiago Baptista e Paulo Mendes. Após a sua estreia com a colectiva Set Up, apresentada na Faculdade de Letras de Lisboa, prosseguem um consequente programa expositivo que integra, entre outros, eventos como Greenhouse Display (Estufa Fria, 1996), Jetlag (Reitoria da Universidade de Lisboa, 1996), Zapping Ecstasy (CAPC, 1996), X-Rated (ZDB, 1997), O Império Contra-Ataca (ZDB, 1998), (A)casos (&)materiais (CAPC, 1999), Plano XXI (G-Mac, Glasgow, 2000), Urban Lab - Bienal da Maia (2001), geralmente comissariados por Paulo Mendes ou Pedro Cabral Santo.
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Paulo Mendes, L´Art de Vivre (Portrait) / Ken C´est Moi, Barbie C´est Moi, Action Man C´est Moi, 1997/98. Fotografia a cores, 12 partes, 39, 5 x 29, 5 cm. (cada), Ed. 6 exemplares. Col. Fundação Portugal Telecom; Col. Ivo Martins. Arquivo Paulo Mendes.
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Pedro Cabral Santo, Exit (For You Guys), 1998-99. Vídeo, cor, som, 20´. Vista da projecção na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002. Col. particular. DMF.
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João Tabarra, This is not a drill (no pain, no gain) (detalhe), 1999. Fotografia a cores, 180 x 275 cm. MNAC. Cortesia do artista.
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Através destas exposições toda uma nova vaga de artistas será apresentada, juntando-se nomes como Rui Toscano, Miguel Soares, Carlos Roque, Alexandre Estrela, ou Rui Valério, aos já mais afirmados Ângela Ferreira, João Tabarra, Miguel Palma, João Louro, Entertainment Co., Paulo Mendes, João Paulo Feliciano, Fernando José Pereira, Pedro Cabral Santo, Augusto Alves da Silva, Rui Serra, Cristina Mateus e Miguel Leal.
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António Olaio, What happened to Henri Matisse, 1997. Óleo sobre tela, 90 x 250 cm. Col. Gerardo Burmester. António Olaio.
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Paralelamente, adquire notoriedade um outro grupo de artistas, maioritariamente oriundos do Ar.Co, integrando, entre outros, Francisco Tropa, José Drummond, Edgar Massul, André Maranha, Rui Calçada Bastos e Noé Sendas. A inicial rivalidade entre os dois grupos, em grande parte derivada do contexto escolar, ir-se-á esbater com a crescente profissionalização do meio, a qual irá ainda produzir uma triagem assaz diversa da original.
Entretanto convém não esquecer que a renovação de atitudes e processos convive com o desenvolvimento de pesquisas no âmbito das disciplinas mais consagradas. Destaque-se o aprofundamento da exploração das possibilidades contemporâneas da pintura, na diversidade das suas dimensões e tradições, em vários artistas cujas obras se vem desenvolvendo de modo consistente. Vejam-se a original evocação da história da pintura por Miguel Branco, a reinvenção da paisagem por João Queiroz, a exploração das texturas abstractas por João Jacinto, o efeito surpreendente da peculiar técnica pictórica de Gil Heitor Cortesão, o vigor do registo narrativo pulsional de Fátima Mendonça ou a evolução do trabalho de José Loureiro no sentido de uma sistemática demonstração pela prática do inesgotável potencial da pintura, para além de todas as codificações formais.
Da maior importância na definição do panorama artístico português e do seu coeficiente de profissionalização foi a criação do Ministério da Cultura, em 1995, e do Instituto de Arte Contemporânea. Dirigido desde o início por Fernando Calhau, o IAC terá um papel fundamental na dinamização dos circuitos de produção e divulgação de que a arte portuguesa tanto carece, retomando em 1997 a participação nacional na Bienal de Veneza (Julião Sarmento, com comissariado de Alexandre Melo).
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Alexandre Estrela, Biovoid, 1998. Fibra de vidrio e holograma, 500 x 250 cm. Apresentado na Sala do Veado. Col. do artista. Alexandre Estrela.
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Rui Toscano, Infinity, 2001. Retroprojecção vídeo, DVD, 35´´, loop, 350 x 150 cm. Cortesia do artista / Cristina Guerra Contemporary Art. Video Still - Cortesia do artista.
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Outros acontecimentos convergem no mesmo sentido, desde a constituição da Colecção Berardo e respectiva inauguração do Sintra Museu de Arte Moderna, até à decisiva inauguração do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, com a exposição internacional Circa 1968, comissariada por Vicente Todolí e João Fernandes.
Não será, portanto, exagero afirmar que esta segunda metade da década de 90 representa um imenso progresso em termos institucionais. Para além da Fundação de Serralves, assistimos à criação ou dinamização do Centro Cultural de Belém, da Culturgest e do Museu do Chiado, sem esquecer o papel desempenhado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.
Uma política cultural mais consciente da contemporaneidade cosmopolita permitiu construir uma base mais sólida de circulação e programação, sendo que, ao contrário do que se costuma afirmar, os artistas portugueses adquiriram uma razoável plataforma de apoios institucionais, a qual permite uma relativa facilidade no acesso a bolsas e subsídios.
Contudo, a falta de grandes coleccionadores sediados em território nacional funciona ainda e sempre como uma desvantagem, limitando as ambições dos agentes culturais a um horizonte local que, em última análise, pode manietar as aspirações de internacionalização de grande parte dos artistas.
Estando a sociedade civil, neste caso, desfasada do Estado, Portugal continua a carecer dos meios de afirmação necessários para impor uma imagem a nível internacional. Se é bem verdade que muitos artistas conseguem encontrar canais de acesso e de integração em circuitos internacionais, é também verdade que existe uma enorme dificuldade de sustentação dos mesmos a longo prazo.
Hoje, como antes, a arte contemporânea é um produto de importação, não tendo o país conseguido, ainda, desenvolver estratégias de exportação ambiciosas e consistentes.
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