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  Breves considerações sobre o Simbolismo

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O Simbolismo é um movimento literário que surge em finais do século XIX e que tem por base o conceito de símbolo (1). Com Baudelaire como um dos mais influentes precursores (2), esta arte da sugestão é teorizada em 1886 por Jean Moréas com o seu “Manifeste Littéraire de l’École Symboliste”, publicado no Figaro. A este escritor juntam-se nomes como Rimbaud, Mallarmé, Paul Verlaine, Jules Laforgue, Gustave Kahn, Pierre Louys, Stuart Merrill, Robert de Montesquiou, Saint-Pol Roux, Charles Morice, Rémy de Gourmont, o americano Francis Vielé-Griffin, o belga Verhaeren, bem como tantos outros.

Em Portugal, o Simbolismo, de origem francesa e com uma enorme influência de Verlaine, está intrinsecamente ligado à noção de decadência e ao pessimismo próprio desta. É uma corrente que reage contra o positivismo científico, o materialismo, a disciplina e o realismo parnasianos. Procura a espiritualidade, a transcendência física, a imaginação, proclama o ideal (parnasiano) da arte pela arte e afirma-se sobretudo na poesia (a poesia pela poesia). Anunciado em 1887 n’ A Província, dirigida por Xavier de Carvalho, o Simbolismo surge em 1889 nas revistas rivais Boémia Nova (Alberto de Oliveira, António de Melo e António Nobre) e Os Insubmissos (Eugénio de Castro, Francisco Bastos e João Meneses), e é finalmente em 1890 que Eugénio de Castro publica Oaristos (3), obra cujo prefácio apresenta o programa do Simbolismo. Neste prefácio, critica a poesia portuguesa da época que diz assentar “sobre algumas dezenas de coçados e esmaiados lugares comuns”, a “pobreza franciscana” das rimas e do vocabulário. Propõe: “a liberdade do ritmo”, versos “alexandrinos de cesura deslocada e alguns outros sem cesura”, “a adaptação do delicioso ritmo francês rondel”, “o processo da aliteração”, ornar “os versos de rimas raras, rutilantes”, vocabulário “escolhido e variado” e “algumas palavras menos vulgares” (4).

Entre os escritores portugueses com textos marcadamente característicos deste movimento ou simplesmente com traços simbolistas, figuram pois os já acima mencionados e ainda: Camilo Pessanha, Luiz de Borja (pseudónimo dos escritores Raul Brandão, Júlio Brandão e Justino de Montalvão), Alberto Osório de Castro, José Duro, D. João de Castro, Roberto de Mesquita, Teixeira de Pascoaes ou António Patrício.

Apesar de este movimento ter sido introduzido por Eugénio de Castro, seria Camilo Pessanha o expoente máximo do Simbolismo em Portugal, publicando já em 1887 o tríptico de sonetos simbolistas mais tarde intitulado “Caminho” e que viria a fazer parte da Clepsydra.

A poesia de Camilo Pessanha reúne os aspectos mais marcantes da escola simbolista. Aliado ao conceito de símbolo, encontramos a arte da sugestão que em Pessanha se traduz na utilização da técnica impressionista, na imagem visual e sonora, com a finalidade de sugerir sensações e convidar o leitor a interpretar estados de alma, sem nunca se deter “na descrição que levaria à objectividade. Por isso, porque propenso ao sonho, pensa por associação de ideias, sem propender para o Infinito. Aliás, como diz João Gaspar Simões, “O vago, o indefinido e o astral do “saudosismo” aparentavam-se muito mais ao barroquismo verbal e à eloquência sentimental de Junqueiro que a essa espécie de catarsis, toque essencial da poesia de um Camilo Pessanha”.” (5)

O termo “decadência”, também fulcral na poesia simbolista, está bem espelhado no pessimismo de Pessanha, na sua angústia que também é a do povo português (6), na sua “lírica da agonia, do afogamento, do naufrágio” (7), no saudosismo do “poeta das coisas interiores e fugidias, da realidade depurada, subjectiva, irreal. Recorda interior e não exterior, pessoal e não social, íntimas sensações, sentimentos visões” (8).

A título de conclusão, resta-nos fazer uma breve referência ao movimento que a escola simbolista anuncia e até mesmo prepara: o Modernismo. Os seus principais mentores serão Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa, o qual revela grande interesse pela poesia de Pessanha, pedindo-lhe por carta a permissão e “a honra de publicar umas dez a vinte páginas da sua colaboração” e diz-nos ainda que “Entre os poemas que era empenho nosso inserir contam-se os seguintes: “Violoncelos”, “Tatuagens”, “O Estilista” (só conheço, deste, o segundo soneto), “Castelo de Óbidos”, “O Tambor”, “Nocturno”, “Passeio no Jardim”, “Ao longe os barcos de flores”, “O meu coração desce…”, “Passou o Outono já”, “Floriram por engano as rosas bravas…”, “O Fonógrafo” (9). Alguns destes poemas eram já conhecidos pelo público, ou porque Pessanha os declamara ou porque teriam sido já publicados em jornais e revistas portuguesas dispersas. Mas, seria somente em 1920 que Pessanha veria Ana de Castro Osório publicar a Clepsydra, uma colectânea composta por trinta e sete poemas.

Notas
(1)   Sobre este conceito diz-nos Fernando Cabral Martins: “O símbolo é a palavra poética, na medida em que pode criar afinidades surpreendentes entre as coisas que significa: sentidas, recordadas, sabidas. É a palavra criadora do mundo, e o mundo inseparável da actividade que o “representa”.” (in Poesia Simbolista Portuguesa, pág. 20, Colecção Textos Literários, Editorial Comunicação, 1a ed., 1990).
(2)   Fernando Cabral Martins afirma ser o soneto de Baudelaire “Correspondences” “o emblema de toda a poesia simbolista ulterior” (in pág. 20, op. cit.).
(3)   Eugénio de Castro seleccionou este termo da obra de Paul Adam (Jacques Plowert): Petit Glossaire pour Servir à l’Intelligence des Auteurs Décadents et Symbolistes (1888).
(4)   Prefácio de Oaristos, Eugénio de Castro in Poesia Simbolista Portuguesa, Fernando Cabral Martins, Colecção Textos Literários, Editorial Comunicação, 1a ed., 1990.
(5)   CARRIÇO, Lilaz, Literatura Prática II, pág. 355, Porto Editora, 1999.
(6)   No final do século XIX, Portugal não atravessava um período nem de prosperidade nem de estabilidade política, social ou económica. Salientamos: a consciência do avanço tecnológico e da prosperidade da Europa do norte, por oposição ao sul; a transição de uma monarquia para uma república; o abismo entre a vida do campo e a vida da cidade; o humilhante Ultimatum Inglês, em 1890. Todos estes aspectos fizeram com que se gerasse um mal-estar, o conhecido pessimismo de fim-de-século, que se fez sentir por todo o país, por todo o povo português.
(7)   Ósacar Lopes, “Pessanha, o Quebrar dos Espelhos” in Homenagem a Camilo Pessanha, org., prefácio e notas de Daniel Pires, IPOR, Instituto Cultural de Macau, 1990, pág. 128.
(8)   CARRIÇO, Lilaz, Literatura Prática II, Porto Editora, 1999, pág. 355.
(9)   Carta de Fernando Pessoa a Camilo Pessanha in Homenagem a Camilo Pessanha, org., prefácio e notas de Daniel Pires, IPOR, Instituto Cultural de Macau, 1990, pág. 122/123.

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Camilo Pessanha
Uma breve apresentação

© Instituto Camões, 2004