Cartografia e Cartógrafos

Martellus, Henricus

Martellus, Henricus
Martellus, Henricus Sobre este cartógrafo pouco se sabe, dada a escassez de dados biográficos existentes sobre o mesmo. Sabemos ser de nacionalidade alemã, pois ao seu nome latinizado acrescentava o aposto “germanus”. Henricus Martellus Germanus operou em Itália, na cidade de Florença, no último quartel do século XV, na oficina do gravador e impressor de cartas náuticas, Francesco Rosselli. Alguns autores, entre os quais Roberto Almagià, admitem que Martellus tenha trabalhado em associação com Rosselli, concluindo aquele estudioso italiano que uma parte da obra cartográfica de Martellus Germanus se radica na obra de Rosselli, não obstante Armando Cortesão admitir que “apenas se pode conjecturar” a eventual associação entre os dois cartógrafos. De importância fundamental para a história da cartografia quatrocentista, avulta o planisfério de raíz ptolomaica, da autoria de Henricus Martellus, datado de c. 1489, inserido no Insularium Ilustratum Henrici Martelli Germani, de que se conhecem quatro cópias: no British Museum, na Biblioteca da Universidade de Leiden, no Musée Condé de Chantilly, e na Biblioteca Laurenziana de Florença. A raíz ptolomaica na obra deste cartógrafo foi observada por O. A. W. Dilke a propósito do grande mapa-mundi manuscrito, datado de c. 1490, com assinatura “Opus Henricus Martellus Germanus”, que se guarda na Biblioteca da Universidade de Yale, divulgado em 1963 por Alexandre Vietor. Dilke deduz que o cartógrafo, ao utilizar a Segunda Projecção de Ptolomeu na execução desta carta, foi “aparentemente a primeira pessoa que optou por este procedimento”. Na carta de Martellus, de c. 1489, encontram-se registados os resultados da segunda viagem de Diogo Cão, quando este navegador, em 1486, erigiu o seu quarto padrão em “c. de padrom” e chegou a “serra parda”, bem como as consequências da viagem de Bartolomeu Dias de 1487-88, no decorrer da qual descobriu a costa africana para além do término da última viagem de Diogo Cão, dobrou o Cabo da Boa Esperança e, tendo passado pela “ilha de fonti”, aportou a “rio do Infante” à entrada do Oceano Índico. Neste planisfério, as viagens efectuadas pelos dois navegadores portugueses são evocadas por três legendas. Na legenda inscrita sobre o Golfo da Guiné, diz-se: “Hec est Uera forma moderna affrice secundum discripcione Portugalesium Jnter mare Mediterraneum et oceanum meridionalem”. Esta legenda é bastante ilucidativa da moderna configuração do continente africano, entre o Mediterrâneo e o Índico. Uma segunda legenda ilucida-nos sobre a colocação do referido quarto padrão no Cabo do mesmo nome, quando da última viagem de Diogo Cão, e refere: “Ad hunc usq; montem qui vocatur niger per venit classis secundi regis portugalie cuia classis perfectus erat diegus canus qui in memoriam rei erexit colunam marmorea cum crucis ab mõte nigro et hic moritur”. A terceira e última inscrição, diz respeito à dobragem do Cabo e à chegada de Bartolomeu Dias à “ilha de fonte” e observa a data de 1489, portanto, imediatamente a seguir à viagem deste navegador. Reza a legenda: “ Hunq usq ad Ilha de fonti pervent ultima navegatio portugalesium. anno. d. ni. 1489”. Como refere Inácio Guerreiro, este monumento cartográfico da autoria de Henricus Martellus inscreve-se num grupo de cartas vulgarmente designadas por “luso-ptolomaicas”, que procuram conciliar uma cartografia de natureza prática, que tem por base a observação directa dos lugares e uma cartografia de raíz erudita e humanística, que ainda prevalecia nas oficinas dos cartógrafos onde Ptolomeu era modelo a observar. O facto de Martellus Germanus ter elaborado o seu mapa-mundi a partir de originais portugueses desaparecidos, realça o seu excepcional valor, dada a escassez de monumentos cartográficos portugueses executados no século XV por um lado, e, por outro, vem contribuir para a desmistificação da polémica questão da “política de sigilo”, pois, como observa Luís de Albuquerque, esta tese deve ser apenas encarada como hipótese de trabalho. Dada a abundante presença de estrangeiros na corte de Lisboa, interessados no comércio das nossas espécies cartográficas, o pretenso cuidado dos monarcas portugueses teve limitados ou nulos efeitos. Segundo Armando Cortesão, baseado em estudos de H. Winter e E. G. Ravenstein, Martim Behaim ter-se-á inspirado no mapa de Martellus na construção do seu Globo. Augusto O. Quirino de Sousa Bibliografia ALBUQUERQUE, Luis de, “A Cartografia Portuguesa dos Séculos XV e XVI”, in História e Desenvolvimento da Ciência em Portugal, vol. II, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1986, pp. 1061-1084. CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos XV e XVI, Lisboa, Seara Nova, 1935. IDEM, História da Cartografia Portuguesa, vol. II, Lisboa, 1970, pp. 204-209. GUERREIRO, Inácio, “A viagem de Bartolomeu Dias e os seus reflexos na Cartografia Europeia Coeva,”, in A Viagem de Bartolomeu Dias e a Problemática dos Descobrimentos, Actas do Seminário realizado em Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta, de 2 a 7 de Maio de 1988, pp. 133-143.

Ptolomeu

Ptolomeu
Ptolomeu Matemático, astrónomo e geógrafo grego que viveu no século II d.C. (Tebas c.90 – Canope c.168), a sua vida decorre na época dos imperadores «Antoninos». Período particularmente rico para o Império Romano, quer do ponto de vista económico e social, quer do ponto de vista cultural e intelectual. Reina a Pax Romana, e com ela desenvolvem-se as artes, as trocas intelectuais, a difusão das ideias. A obra de Cláudio Ptolomeu abarca, essencialmente, três domínios: Matemática, Astronomia e Geografia. A Mathematik Sintaxis ou Megale Sintaxis é uma das suas obras mais divulgadas. Especialmente a partir dos séculos VIII e IX, quando é traduzida para árabe com o título de Al Madjiristi, mais conhecida pelo nome latino de Almagestum. As teorias expostas por Ptolomeu, neste trabalho composto por treze majestosos livros, tornaram-se a matriz do pensamento astronómico acerca do universo durante 1700 anos. Quanto à Geografia, facto que aqui importa realçar, o alexandrino concebeu uma obra com o título de Gheograpfiké Uféghesis (tratado ou guia de Geografia ou simplesmente, como passaria a ser conhecida, por Geografia). Um dos problemas discutidos por Ptolomeu é o dos métodos para a elaboração de mapas-múndi. Esboça também vários tipos de projecção cartográfica e critica ainda os trabalhos de Marino de Tiro. Foi no Renascimento que o livro veio a ter maior impacto. Manuel Chrysolorus, um letrado vindo de Bizância para Itália, inicia sua a tradução. Contudo, seria Jacopo de Angiolo, aluno do bizantino, a concluir essa tarefa por volta do ano de 1406. Circulando primeiro com o título de Cosmografia e logo depois de Geografia, o que demonstra uma rápida modificação semântica, como argutamente aponta o Professor Luís de Albuquerque, a obra veio a ser continuamente editada: sete vezes entre 1475 e 1490. A primeira edição, na cidade de Vicenza (1475), não contém cartas, mas logo nas tiragens seguintes são acrescentados os mapas. Afigura-se digno de registo o facto de não sabermos ao certo se as cartas são ou não da autoria de Ptolomeu. A difusão do livro, especialmente nos centros eruditos italianos e alemãs ligados à cultura humanista é extremamente importante, sobretudo porque vai obrigar a uma renovação dos estudos de Geografia. O que não foi o suficiente para impedir um choque com as descrições geográficas e cartográficas dos marinheiros ibéricos, que chegavam de paragens longínquas com uma visão diferente daquilo que era descrito na obra do alexandrino. No ano de 1490 interrompem-se as edições da Geografia. Só em 1507 são retomadas as tiragens. Estes dezassete anos, que separam a sétima da oitava edição do livro, são marcados por profundas alterações no quadro mental europeu, no que à imagem do Mundo diz respeito. Não se podia esconder por muito mais tempo os erros e lacunas que a obra do geógrafo alexandrino albergava. Nomeadamente quanto ao cálculo das dimensões terrestres; à ausência de comunicabilidade entre o oceano Índico e Atlântico; tal como uma extensão excessiva em longitude do continente asiático. A viagem que Bartolomeu Dias efectuou em 1487-1488, demonstrando que havia uma comunicação directa entre os dois oceanos (Atlântico e Índico), representa o primeiro golpe de misericórdia na geografia ptolomaica. A viagem de Cristovão Colombo, por seu turno, iniciada em 1492, descobrindo um novo continente vem reforçar a ruptura. Assim, as novas edições da Geografia, que a partir de 1507 retomam o seu curso, passam a conter as "tabulae novae", isto é, a par das cartas tradicionais aparecem novos registos cartográficos actualizando os dados geográficos. Em Portugal a obra de Ptolomeu é seguida com atenção, ao que tudo indica, pelo menos desde o tempo do Infante D.Henrique. Diogo Gomes, um dos navegadores do Infante, aponta já no seu relato alguns erros da geografia ptolomaica. Outros autores ligados à navegações, especialmente os que estão próximos da cultura humanista, vão referir-se a Cláudio Ptolomeu, ora criticando as suas posições, ora tentando encaixar as novas descobertas geográficas na Geografia do alexandrino. Duarte Pacheco Pereira, D. João de Castro e Pedro Nunes são alguns desses vultos que amiúde se referem ao geógrafo grego nos seus trabalhos. Ainda hoje em dia se constata que a primeira e única tradução para português da Geografia de Ptolomeu, o Livro I apenas, é da autoria de Pedro Nunes, que a partir da obra discutia a forma de fazer cartas com os seus alunos. Carlos Manuel Valentim Bibliografia AUJAC, Germaine, Claude Ptolémée, astronome, astrologue, géographe- connaissance et représentation du monde habité, Paris, Éditions du CTHS, 1993. BROC, Numa, La Géographie de la Renaissance, Paris, Éditions du CTHS, 1986. CORTESÃO, Armando, "Cartografia portuguesa e a Geografia de Ptolomeu", in Boletim da Academia das Ciências de Lisboa, V. XXXVI, 1964, pp. 388-404.

Ribeiro, Diogo

Ribeiro, Diogo
Ribeiro, Diogo Este cartógrafo cujo trabalho prima pela excelente qualidade era português, filho de Afonso Ribeiro e de Beatriz de Olbera. Desconhece-se a data do seu nascimento, tendo falecido a 16 de Agosto de 1533. O ofício não sabemos onde o aprendeu, mas desenvolveu o seu trabalho em Espanha, ou pelo menos a documentação disponível assim o indica. Aqui, além de fazer cartas de marear e instrumentos náuticos, também ocupou as funções de Cosmógrafo do Reino. Alguns documentos fornecem-nos dados sobre a sua vida, mas há muita coisa que ainda não sabemos, e ainda pior, poucas obrass suas chegaram até nós. Uma carta do feitor português, em Sevilha, de 18 de Julho de 1519, refere que foi Diogo Ribeiro que fez as cartas de marear e instrumentos náuticos para a viagem de Fernão de Magalhães. Estas cartas foram feitas a partir do Padrão Real que se encontrava na Casa de la Contratación, e fora elaborado por outro português, Pedro Reinel. A 10 de Julho de 1523 é nomeado Cosmógrafo e Mestre de fazer Cartas de Marear. Esta função já a teria exercido antes na Corunha. Aí terá encontrado Martim Centurión, o qual, com a ajuda técnica do cartógrafo, traduziu o Livro de Duarte Barbosa. No ano seguinte participou como perito com funções de aconselhamento dos Delegados oficiais à Junta de Badajoz-Elvas, reunida para tentar resolver o problema da posse das Molucas. Em 1525 uma carta de António Ribeiro da Cunha para D. João III volta a referir que Ribeiro fazia esferas, cartas de marear, instrumentos náuticos e bombas metálicas para navios. No ano seguinte já estaria ao serviço da Casa de la Contratación, pois o Imperador pede ao responsável, Fernando Colombo, que mandasse Diogo Ribeiro fazer uma carta de marear, um mapa-mundo ou uma esfera redonda, além de instrumentos náuticos. Mas nove anos depois, em 1535, a Imperatriz, D. Isabel insiste para que se termine a carta de todo o mundo conhecido que tinha sido encomendada ao cartógrafo, e que ainda não estava pronta. Diogo Ribeiro também projectou umas bombas metálicas para retirar a água dos navios que fossem mais eficazes que as utilizadas até então. Em 1531 são testadas em terra com sucesso, mas é exigido que se faça um teste no alto mar, no decurso de uma viagem. Em 1533 decide-se a adopção das bombas, mas à data o seu criador tinha já falecido. Da sua obra cartográfica só chegaram a nós 4 planisférios. Temos assim: o "De Castiglione, ou de Mântua", de 1525; o de 1527 que se encontram em Weimar; outro de 1529, conservado na mesma cidade, conhecido como o "Planisfério de Weimar"; e o Planisfério "do Vaticano", de 1529. Temos também o que seria parte de um outro planisfério, que supostamente não terá sido acabado, correspondendo à zona da América, de 1532. Algumas características importantes ressaltam do seu trabalho. Em primeiro lugar, a excelência técnica na representação das várias partes do globo nas cartas, ao que não será alheio o facto de também ser cosmógrafo. Assim, é o primeiro cartógrafo a corrigir a representação do Mediterrâneo no seu eixo longitudinal, o paralelo 36º N, que passa pelo Estreito de Gibraltar e a Leste a Norte de Chipre, enquanto antes passava por Alexandria. O facto mostra que estava bem desperto para o problema da determinação das latitudes, assim como para o da declinação da agulha. Os seus mapas são acompanhados de desenhos, instrumentos náuticos, quadros e regras cosmográficas, o que é uma importante inovação. O traçado das costas da América e do Extremo Oriente, principalmente, vai sendo corrigido à medida que o cartógrafo obtém mais informações, chegando a um elevado grau de correcção. Compreensivelmente insiste em colocar o arquipélago das Molucas na parte espanhola da linha de Tordesilhas. Mas este facto não faz com que desmereça a fama de qualidade e correcção que granjeou. João G. Ramalho Fialho Bibliografia CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos séculos XV e XVI, 2 vols., Lisboa, Seara Nova, 1935. IDEM, História da Cartografia Portuguesa, 2 vols, Lisboa, Coimbra, Junta de Investigações do Ultramar/ Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, 1969-1970. IDEM, e MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartpgraphica, Reim-pressão, Vol. 1, Lisboa, INCM, 1987.

Reinel, Pedro e Jorge

Reinel, Pedro e Jorge
Reinel, Pedro e Jorge Com Pedro Reinel dá-se início ao segundo dos quatro períodos ou “escolas” da cartografia portuguesa, estabelecidos por Armando Cortesão. Pedro Reinel, que teve no filho Jorge um continuador da sua obra, marca a transição do século XV para o XVI, no que concerne à evolução da cartografia portuguesa. A sua obra reflecte os avanços científicos originados pelas viagens de descobrimento e expansão dos navegadores portugueses, e inicia o corte com as velhas concepções ptolomaicas na construção de cartas náuticas. Os primeiros documentos que nos dão notícia de Pedro e Jorge Reinel são duas cartas de mercê, datadas de 10 de Fevereiro de 1528, outorgadas por D. João III, concendo uma tença de 15.000 reis anuais a Pedro Reinel, e uma de 10.000 reis a seu filho Jorge. Temos igualmente notícia da presença de Jorge Reinel, como assistente do Dr. Pedro Nunes, no exame para mestres de cartas de marear, feito aos cartógrafos António Martins, em 1563, e Bartolomeu Lasso e Luis Teixeira, em 1564. Para além destes documentos, nos Livros da Vereação, existentes no Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa, existem dois autos de ajuramentação, datados de 29 de Agosto de 1551 e 29 de Novembro de 1554, respectivamente, em que aparecem Jorge Reinel e Lopo Homem como “exemjnadores darte de navegar”. Pedro Reinel, para além de ser o primeiro cartógrafo português de quem se conhece produção cartográfica, foi também o primeiro a assinar um trabalho seu. A sua carta atlântica de c. de 1485 representa a costa ocidental do continente africano, e reflecte já as viagens de exploração levadas a efeito por Fernão Gomes (c. 1474) e por Diogo Cão na sua primeira viagem em 1482-1484, o que lhe confere um elevado significado e valor histórico. Esta carta, que se encontra à guarda dos Archives Departamentales de La Gironde, foi apresentada pela primeira vez em 1960, pelo Prof. Jacques Bernard. A produção cartográfica hoje conhecida, da denominada “escola” dos Reinéis, assegura-lhes um justo lugar na cartografia portuguesa, tanto em termos cronológicos, como pela qualidade técnica, rigor científico e artístico das suas produções. A sua obra é composta por mais oito cartas: a de c. 1504 está assinada Pedro Reinel, a de c. 1517, as duas de c. 1522 e a de c. 1535, são anónimas, atribuíveis a Pedro Reinel; a seu filho Jorge são atribuidas a carta anónima datada de 1510, o planisfério de c. 1519, igualmente anónimo, e a carta de c. 1540, assinada REINEL. Durante muito tempo as cartas que compõem o conhecido “Atlas Miller” foram atribuidas aos Renéis. Contudo, na sequência da descoberta do planisfério de Lopo Homem, datado de 1519, levantou-se o problema da atribuição da autoria, não só do planisfério como do referido Atlas. Assim, um grupo de especialistas reunido em Paris, em 1939, determinou que ambas as obras faziam parte de um conjunto, atribuindo a sua autoria a Lopo Homem e não aos Reinéis, opinião que não teve a concordância de Armando Cortesão, que atribuiu as cartas anónimas do mesmo Atlas a Lopo Homem-Reinéis, como hoje é conhecido. Em 1519, na sequência de uma contenda com um clérigo de nome Pero Anes, Jorge Reinel refugiou-se em Sevilha, onde, ao que parece, continuou a trabalhar no seu ofício. Seu pai, deslocou-se nesse mesmo ano àquela cidade a fim de trazer seu filho de regresso a Portugal. Porém, no seguimento dos preparativos da viagem de Fernão de Magalhães, pai e filho vêem-se envolvidos numa situação obscura, conforme reza uma carta, datada de 18 de Julho de 1519, enviada pelo feitor de Portugal em Sevilha, Sebastião Álvares, na qual informava D. Manuel que a “terra de Maluco eu vy asentada na poma e carta que ca fez o filho de Reynell, a qual nõ era acabada quando caa seu pay veo por ele, e seu pay acabou tudo e pos estas terras de Maluco e per este padram se fazem todalas cartas...”. Também Bartolomé Leonardo de Argensola, citado por Armando Cortesão e A. Teixeira da Mota, refere que Magalhães, a fim de obter o apoio de Carlos V para a sua viagem, se serviu de “vn Planisferio dibujado por Pedro Reynel”, no qual as Molucas estariam representadas a leste da linha de demarcação estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, celebrado entre Portugal e Espanha, portanto dentro do hemisfério espanhol. Durante as negociações da Junta de Badajoz-Elvas de 1524, os espanhóis terão tentado obter os serviços de Pedro e Jorge Reinel, oferecendo-lhes avultada soma, conforme Diogo Lopes de Sequeira e António de Azevedo Coutinho informavam D. João III, por carta datada de 9 de Junho de 1524. Não obstante, os dois cartógrafos mantiveram-se ao serviço de Portugal. Augusto O. Quirino de Sousa Bibliografia CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos XV e XVI, Vol. I, Lisboa, Seara Nova, 1935, pp. 28-30 e 251-305. CORTESÃO, Armando, e MOTA, A. Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Vol. I, Lisboa, INCM, 1987, pp.19-46; Vol. V, 1987, pp. 3-4. MARQUES, Alfredo Pinheiro, “Pedro e Jorge Reinel”, in Luis de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 940-941. VITERBO, Sousa, Trabalhos Náuticos dos Portugueses, Séculos XVI e XVII, Int. de José Manuel Garcia, Lisboa, INCM, [1988], pp. 258-266.

Teixeira, Família

Teixeira, Família
Teixeira, Família Teixeira é um apelido importante na história da cartografia portuguesa, pois representa uma oficina e escola de cartógrafos que passou por cinco gerações durante cerca de dois séculos. O primeiro cartógrafo desta família foi Pêro Fernandes. Foi nomeado mestre de fazer cartas de marear a 23 de Maio de 1558, e seria pai de Domingos Teixeira, Luís Teixeira e de Marcos Fernandes (carta de ofício em 1592). Até nós, deste autor chegaram apenas duas cartas, que poderemos considerar da Escola dos Reineis. Temos uma de 1528, que será uma carta atlântica. Na África está desenhado o Castelo da Mina e a Igreja do Manicongo, onde termina a representação deste continente. Temos também o Atlântico, os seus vários arquipélagos e ainda se consegue ver o extremo mais oriental do Brasil. São particularidades desta carta os cinco meridianos graduados e uma rosa-dos-ventos orientada a NW. Outra sua carta está datada de c. 1525. É uma carta da Europa Ocidental, até à Islândia, e do Norte de África. Um dos filhos de Pêro Fernandes seria Domingos Teixeira, que trabalharia na segunda metade do século XVI. Dele muito pouco sabemos, apenas que o Livro de Lançamentos da Câmara de Lisboa cita, em 1565, um Domingos Teixeira que fazia cartas de marear. Foi pai do também cartógrafo Pêro de Lemos. Terá trabalhado com o irmão Luís, pois no Diário de Bordo da Nau S. Pantaleão, de 1595, refere-se que as cartas que o navio levava tinham sido elaboradas pelos irmãos Teixeira. Assim como acontece com o pai, apenas conhecemos hoje duas cartas suas. A carta atlântica que se encontra na Bodleian Library, em Oxford, não está datada, mas a indicação da cidade de S. Salvador da Bahía de Todos os Santos indica ser posterior a 1549, e comparando-a com o seu planisfério, de 1573, Armando Cortesão e Teixeira da Mota concluíram que teria sido elaborada numa data próxima a este. Daquele planisfério de 1573 existem dois exemplares, o original português e uma cópia feita por um cartógrafo estrangeiro. Encontra-se em Paris e tem a assinatura do seu autor, e está datado. Está profusamente ilustrado com brasões distribuídos pela Europa, e pelas várias regiões do mundo indicando as possessões ibéricas no Ultramar, e assemelha-se muito aos de Diogo Homem, no que respeita aos traçados da China e do Japão. Porém, neste caso a nomenclatura é mais pobre. Alias, o traçado deste cartógrafo é bastante deficiente e imperfeito, segundo as opiniões de Teixeira da Mota e Armando Cortesão. Luís Teixeira, irmão de Domingos, com quem terá trabalhado, como já vimos, e será o mais ilustre representante desta família. Foi pai de João Teixeira Albernaz e de Pedro Teixeira Albernaz. Teve carta de ofício a 18 de Outubro de 1564 para poder fazer cartas de marear, instrumentos náuticos e regimentos de altura e declinação do Sol. Tem um estilo muito próprio e trabalhos de grande qualidade. Esta qualidade proporcionou-lhe fama, principalmente no Norte da Europa, onde foram vendidas e publicadas cartas de sua autoria. Podemos dizer que fundou uma nova Escola de fazer cartas, na segunda metade do século XVI. Talvez por estas razões tenha sido nomeado em 1569 para fornecer à Armada Real as cartas e instrumentos que esta necessitasse. O número de obras suas que chegou até nós é bastante elevado, e sabemos que este não corresponde à sua totalidade. Registemos, brevemente, algumas impressões relacionadas com as suas obras mais importantes. Seguindo uma ordem cronológica, temos primeiro uma carta gravada da Ilha Terceira que foi publicada por Ortélio em 1582. Esta carta tem analogias com a carta dos Açores, também publicada por Ortélio, principalmente no traçado e topónimos. Os nomes estão em espanhol e as legendas em francês (o que não é inédito em Ortélio). Tem bastantes indicações de natureza militar e refere as derrotas sofridas pela Terceira em 1581. Continuando tanto quanto possível a seguir a cronologia, segue-se um fragmento de Planisfério que se encontra em Lisboa, no Museu da Marinha, e que será de c.1585. Embora não esteja assinado, a letra é deste cartógrafo e os nomes dos ventos, na rosa, estão indicados em italiano, o que é repetido pelo autor noutras cartas. Aqui o Japão ainda corresponde ao estilo de Fernão Vaz Dourado, pois começará a desenhá-lo num estilo próprio apenas a partir de 1591-92. Outra particularidade importante deste mapa é o sistema de linhas curvas que contém, com designações relativas à variação da agulha. Corresponderá a uma primeira tentativa de traçar linhas isogónicas. O Roteiro-Atlas do Brasil, também não datado, será de c. 1586. O texto e as cartas dever-se-ão, provavelmente à mesma pessoa, devido à semelhança de caligrafias. Sabemos que Luís Teixeira esteve no Brasil, levantando dados para futuros trabalhos, ao tempo do Governador Luís de Brito de Almeida (1573-1578), e a inclusão no Roteiro de algumas regiões que pertencem à Espanha, indicarão que a obra é posterior à união das duas coroas ibéricas. Outro importante trabalho é a já referida Carta dos Açores, publicada no Theatrum Orbis Terrarum, de Ortélio, de 1584. Também foi publicada por este autor, mas já mais tarde, uma carta do Japão, em 1595. Este traçado aparece pela primeira vez no mapa-múndi de Petrus Plancius, em 1594, publicado no Itinerário de Linschoten. Esta nova forma de traçar o Japão é considerada um avanço em relação a Vaz Dourado. Infelizmente, não sabemos ao certo quais forma as fontes utilizadas. Luís Teixeira vai encetar correspondência com Ortélio, enviando-lhe as cartas dos Açores e do Japão e prometendo-lhe outras. Nesta época, vão aparecer na Holanda gravuras com cartas de sua autoria. É o caso da carta da Guiné, de 1602. As informações necessárias para a sua feitura teriam sido fornecidas por alguém da família Rovelasco, que foi arrendatária da Mina. A originalidade desta carta é a representação do interior da Senegâmbia e Costa do Ouro. Outros trabalhos significativos seus são ainda: uma carta atlântica, de c. 1600, onde a costa ocidental da América do Sul está bastante perfeita; as cartas que acompanham o Roteiro de Gaspar Ferreira Reimão (5 na edição manuscrita, de 1610, e 3 na impressa, de 1612). Podemos também referir duas cartas do Canal da Mancha, que são cópia do Spieghel der Zeevaerdt de Lucas Waghenaer (1584). Por fim, há o Atlas-Cosmografia de 1597 e 1612, cujos planisférios e traçado das linhas de costa e seriam de Teixeira, enquanto o interior e o texto teórico seriam de João Baptista Lavanha. João G. Ramalho Fialho Bibliografia CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos séculos XV e XVI, 2 vols., Lisboa, Seara Nova, 1935. IDEM, História da Cartografia Portuguesa, 2 vols, Lisboa, Coimbra, Junta de Investigações do Ultramar/ Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, 1969-1970. IDEM, MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Reimpressão,vols. I, II e III, Lisboa, INCM, 1987. DOMINGUES, Francisco Contente, " Teixeira, Domingos", in Luís de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pág. 1019. LAGARTO, Mariana, " Teixeira, Luís", in Luís de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 1019-1020. Carta Atlântica de Luís Teixeira, c.1600, reproduzida no CORTESÃO, Armando, MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Reimpressão,vol. III, Lisboa, INCM, 1987, pag. 61.