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Portugal | Macau | Impressões de viagem (correspondência)

Macau

Camilo Pessanha chega a Macau no dia 10 de Abril de 1894. Instala-se no “Macao Hotel”, a sua primeira morada, e começa a leccionar no Liceu de Macau a 8a cadeira: “Philosophia elementar”. Nesta escola trabalha ao lado de Manuel da Silva Mendes, Fernando Lara Reis, José Vicente Jorge, Eugénio dos Anjos Dias, Telo de Azevedo Gomes, Adelino dos Santos Diniz, Carlos Borges Delgado, Américo dos Santos Mateus, Pires de Castro, Amália Alda Jorge, Ricardo Seabra de Mascarenhas, Wenceslau de Moraes, entre outros professores. Este último torna-se grande amigo de Pessanha, por várias vezes viajando juntos para lugares como Hong Kong ou Cantão e redigindo: Camões nas Paragens Orientais (1).

No Liceu de Macau (2), Camilo Pessanha deixou boas lembranças aos seus alunos. Henriqueta Pacheco Jorge Barreiros, recorda com carinho o professor que, acompanhado do seu cão, o Arminho, chegava ao liceu no seu alto riquexó privativo, “com altas rodas, forradas de borracha maciça com o verniz a estalar de velho” (3):

“Era um professor diferente de todos os outros. Tinha uma maneira de apresentar as aulas que nos punha mais à vontade. (…) Nas aulas, Camilo Pessanha dispersava-se. Falava de tudo: das viagens, das aventuras e dos livros. A partir de um qualquer tema histórico, transformava-o num discurso totalmente improvisado, sem nunca se socorrer dos livros (…) tinha uma memória prodigiosa … (…). Nós gostávamos muito dele. Quando a aula acabava ficávamos sempre admiradas. O tempo corria tão depressa que nem dávamos por ele passar; a aula chegava ao fim, e queríamos mais (…). Embora a matéria fosse posta de lado, era um excelente professor” (4).

A par do ensino, Camilo Pessanha continua com a actividade jurídica, a princípio como advogado, mais tarde como juiz (5) (6). No entanto, o cargo de Conservador do Registo Predial, para o qual é nomeado em 1899, impede-o de continuar a leccionar no Liceu de Macau, e pede a exoneração do cargo de professor da 8a cadeira em 1900. Camilo Pessanha continuaria contudo a leccionar, como professor provisório, no Instituto Comercial: em 1909 é nomeado para a regência da cadeira de Economia Política e Direito Comercial, anexa ao Liceu de Macau, e no mesmo ano toma posse do seu cargo de professor provisório da cadeira de História da China do Instituto Comercial (Curso de Comércio), anexa ao Liceu.

Em 1911, é exonerado do cargo de professor das cadeiras “Noções de historia universal, historia da China e especialmente das suas relações politicas e commerciaes e historia patria” e “Direito commercial e economia politica” do antigo Instituto Comercial, anexas ao Liceu de Macau. Seria nomeado para reger provisoriamente, durante o ano escolar 1914-1915, as disciplinas do 1o grupo do Liceu de Macau. Só após a exoneração do cargo de Conservador do Registo Predial em 1919, Camilo Pessanha volta a reintegrar o Liceu de Macau como professor efectivo, colocado no 4o grupo. Deste Liceu foi ainda secretário e em 1925 viria a ser nomeado para exercer interinamente o cargo de reitor, o qual ocuparia somente durante alguns meses por motivos de saúde.

Apesar de ter residido tantos anos em Macau, Camilo Pessanha mantém-se sempre “perto” da pátria: corresponde-se com a família e amigos, encontra-se com amigos como Alberto Osório de Castro que em 1912 visita Macau com a sua esposa, ficando ambos alojados no Hotel Bela Vista, e regressa diversas vezes a solo pátrio (7). Em Portugal, Camilo Pessanha frequenta o “Café Martinho”, o “Royal”, o “Restaurant Londres”, a “Cervejaria Trindade” e outros espaços onde se reuniam os artistas e intelectuais do início do século XX. Camilo Pessanha confraterzina, entre outros, com Carlos Amaro, Coelho de Carvalho, Henrique Trindade Coelho, Carlos de Vasconcelos, António de Albuquerque, Mário Beirão, Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra, David de Sousa. No seu rol de amizades tem um papel preponderante a família Osório, e em especial Ana de Castro Osório (8), responsável pela publicação do único livro de poemas do autor, marco do Simbolismo português, a “Clepsidra”.

Em Macau, Camilo Pessanha habita durante inúmeros anos no número 75 da Rua da Praia Grande, juntamente com a sua companheira, a filha desta (Kuoc Ngan-Yeng, mais conhecida por Águia de Prata) e o filho de Pessanha, João Manuel, o qual daria ao autor uma neta, a D. Maria do Espírito Santo Manhão. Foi contudo com Águia de Prata que Pessanha estabeleceu uma relação mais próxima e com ela viveria até à morte, deixando-lhe a maior parte dos seus bens em testamento.

Em relatos de diversas pessoas que conheceram esta terceira e última morada do autor (sendo a segunda na Calçada do Tronco Velho), a casa e o quarto estavam repletos de objectos de arte oriental que coleccionava como um aficionado. No quarto encontrava-se a sua biblioteca: “Desde o “Almanaque de St. António” e os “Crimes de Diogo Alves” até aos livros de especulação filosófica, há de tudo, do mais variado que possa supor-se. Por exemplo: um solitário fascículo da “A Águia” e outro da “Lusitânia”; meia dúzia de volumes desirmanados de empertigada história de Oncken; anuários comerciais; René Basin e a “Bíblia”; história da pena de César da Silva e da de Herculano; “Como se Cura a Sifilis”; Dostoiewsky e Eduardo Noronha; um ou outro Verlaine; um ou outro Junqueiro; livros sobre a religião, de viagens, sobre política, dicionários; o “Alívio dos Tristes”, “Alfacinhas”, a “Botânica Aplicada”, “Relatório sobre o Tifo”; um tratado de armaria; a “Vida de Jesus” de Renan e a “Vida Sexual” de Egas Moniz… Livros de Direito – cursos e tratados – há umas dezenas. Sobre a China, alguns também” (9). Camilo Pessanha demonstrou grande interesse pela cultura chinesa, comprovado nas traduções e escritos que redigiu (10) e também na colecção de arte chinesa hoje patente no Museu Machado de Castro, em Coimbra.

Devido às diferenças climatéricas e ao consumo do ópio, o estado de saúde de Camilo Pessanha agrava-se de ano para ano e apesar dos, por vezes prolongados, regressos à pátria, não resiste à tuberculose pulmonar e vem a falecer em Macau a 1 de Março de 1926. Teve, de acordo com a sua vontade, um funeral sem exéquias nem música e encontra-se sepultado, junto do filho e da nora, no Cemitério S. Miguel Arcanjo, em Macau. O poeta dir-nos-ia adeus, como costumava, na voz de Verlaine:

Et je m’en vais
au vent mauvais…

Notas
(1) Camões nas Paragens Orientais (em colaboração com Wenceslau de Moraes). Porto, Tipografia Mendonça, s.d., (inclui o ensaio “Macau e a Gruta de Camões”).
(2) Sobre Camilo Pessanha e o Liceu de Macau remetemos para o texto com o mesmo nome, de Paulo Franchetti, “Camilo Pessanha e o Liceu de Macau” em http://www.unicamp.br/~franchet/pessbio.htm.
(3) in Revista de Macau, no 15, Ano V, 5o vol., pág. 19, Luís Gonzaga de Gomes (extracto de original do espólio do AHM), edição do Instituto Cultural de Macau, 1991.
(4) André Barreiros, 10 de Março de 1990 (inédito) in Homenagem a Camilo Pessanha, org., prefácio e notas de Daniel Pires, IPOR, Instituto Cultural de Macau, 1990, pág. 94.
(5) Uma excelente fonte de informação sobre a actividade judiciária do autor é a obra de Celina Veiga de Oliveira, Camilo Pessanha, o Jurista e o Homem, Colecção Camilo Pessanha, 2, IPOR / ICM, 1993.
(6) Camilo Pessanha desempenhou ainda funções / cargos de Auditor dos Conselhos de Guerra, Jurado comercial e Vogal da Assistência Judiciária.
(7) Camilo Pessanha viajou quatro vezes para Portugal:
-   de Julho de 1896 (partida) a Fevereiro de 1897 (regresso);
-   de Agosto de 1899 (partida) a Junho de 1900 (regresso);
-   de Agosto de 1905 (partida) a Fevereiro de 1909 (regresso);
-   de Fevereiro de 1915 (partida) a Maio de 1916 (regresso).
(8) Sobre Camilo Pessanha e Ana de Castro Osório, ver o artigo: “O segredo de Camilo Pessanha e Ana de Castro Osório”, António Osório in Colóquio Letras, no 155 / 156 Janeiro-Junho 2000, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
(9) Guilherme de Castilho, O Comércio do Porto, 13 de Abril de 1954 in Homenagem a Camilo Pessanha, org., prefácio e notas de Daniel Pires, IPOR, Instituto Cultural de Macau, 1990, pág. 114.
(10) Entre os diversos escritos encontramos as traduções: Literatura Chinesa, Elegias Chinesas, Leituras Chinesas, Legenda Budista, Provérbios Chineses; textos sobre a civilização chinesa: Estética Chinesa, Prefácio ao livro “Esboço Crítico da Civilização Chinesa” de J. António Filipe de Morais Palha, A Conferência do Sr. Dr. Pessanha [sobre Literatura Chinesa], Catálogo da Colecção de Arte Chinesa Oferecida ao Museu de Arte Nacional. Todos estes textos estão reunidos na obra Camilo Pessanha – Prosador e Tradutor, organização, prefácio e notas de Daniel Pires; IPOR / ICM, 1992).


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Camilo Pessanha
Uma breve apresentação

© Instituto Camões, 2004