Autores e antologia

José Rodrigues Miguéis

José Rodrigues Miguéis
José Rodrigues Miguéis (1901-1980) É o grande escritor português da emigração. Tendo vivido na Bélgica e nos Estados Unidos, dá-nos, numa imensa obra de magistral composição ficcional, romances centrados na sua aguda experiência de afastamento da pátria, em Léah e Outras Histórias, 1959, que não deixam de se ocupar de matéria nostalgicamente nossa (Saudades para Dona Genciana, 1956), em termos críticos jocosos ou intensamente reflexivos (A Escola do Paraíso, 1960) , e sempre numa escrita vernácula de articulação narrativa exemplar. Ponho-me a olhar a Avenida cá de cima, da minha água-furtada e meu refúgio, e digo-lhe, seu Apolinário: tudo isto levou uma grande volta. Antigamente vivia-se aqui como num céu aberto. Nem faz ideia. Onde isso vai, parece que não, os dias passam devagar, mas os anos vão-se depressa. A gente só dá por isso quando já não há remédio.Foi nos tempos da República, e eu, de calção, com os sapatos nas poças da chuva, travava os primeiros corpo a corpo com a gramática latina e com o verbo Amar. A Avenida era então novinha em folha, como o regime. Começava lá em baixo, num boqueirão sinistro, um rio de lama onde às vezes havia inundação e gritos, entre ribanceiras e prédios esguios, e ia-se perder ao alto, nas quintas e azinhagas. Saudades para Dona Genciana © Instituto Camões, 2001

José Gomes Ferreira

José Gomes Ferreira
José Gomes Ferreira (1900-1985) Foi um poeta de ímpetos românticos no civismo impetuoso com que se consagrou à causa social dos tempos do salazarismo e do pós-25 de Abril, com um vibrante amor pela natureza humana e suas debilidades conflituosas, mas com um igual empenho na palavra poética e no sentido da sua fragmentação expressiva.Os seus vários volumes de Poesia (I-VI), 1948-1976, e os diversos textos de ficção, autobiográfica (Tempo Escandinavo, 1969), diarística (A Memória das Palavras, 1965) ou alegórica (Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo, 1963) granjearam-lhe justo prestígio de figura tutelar do quotidiano literário do seu tempo. Poeta, não grites.Não arranques os homens do chão das próprias sombras.Estes homens - vê - para quem as palavras são limitese não grades por onde fogem pombas © Instituto Camões, 2001

Jorge de Sena

Jorge de Sena
Jorge de Sena (1919-1978) Jorge de Sena. Caricatura de Rui Knopfli, 1977 Jorge de Sena, Sinais de Fogo, 6.ª edição. Porto, Edições ASA, 1995 É uma das figuras decisivas das nossas letras contemporâneas, pela qualidade da sua obra e pela incisividade controversa das suas intervenções, sempre atentas ao ambiente literário português, mesmo sendo professor universitário no estrangeiro (Brasil, Estados Unidos) desde 1959. Além de uma importante e extensa obra de ensaio e crítica, escreve inúmeros livros de poesia (Perseguição, 1942, Fidelidade, 1958), alguns deles com forte coesão composicional e temática (Arte de Música, 1968, Conheço o Sal, 1974, Sobre Esta Praia, 1977), e coletâneas de contos (Andanças do Demónio, 1966), assim como dois romances (O Físico Prodigioso, 1977, e Sinais de Fogo, 1979), o primeiro de um misto original de sobrenaturalidade e erotismo, o segundo de um acutilante testemunho relativo à sua experiência de vida, nomeadamente no período passado em Portugal. Para a verdade caminham corpos que a não conhecemou a conhecem apenas de nome trocado.Assim desliza o vento pelas estradas humanasentre a voz das searas ondulando nele. Coroa da Terra © Instituto Camões, 2001

José Cardoso Pires

José Cardoso Pires
José Cardoso Pires (1925-1998) esteve desde sempre ligado à ficção de implicação social, por vezes aliando as conceções neorrealistas às existencialistas (O Anjo Ancorado, 1958), e notabilizando-se por um estilo seco e enxuto que maneja com extrema sobriedade, desde O Hóspede de Job, 1963, a Balada da Praia dos Cães, 1982. Pássaros pontilhando a ramaria, o horizonte do mar por cima da copa das árvores e entre o céu e a linha de água uma luzinha fria a caminhar para o crepúsculo. Um petroleiro? Elias demora-se a olhar. Tempo ao tempo. Só no dia seguinte começará o inventário dos sinais e dos palpites, confiado como sempre no Velhaco das Algemas. Tempo ao tempo. Mais depressa se apanha um assassino que um morto, porque, como dizia o outro, o morto voa a cavalo na alma e o assassino tropeça no medo. Balada da Praia dos Cães Mais recentemente, Alexandra Alpha, 1987, e De Profundis - Valsa lenta, 1997 dão conta de um insanável gosto de ficcionar a realidade mais próxima e comum no que ela, através da perceção do ficcionista, pode revelar de inverosímil, excecional e inacessível ao olhar humano. © Instituto Camões, 2001

Irene Lisboa

Irene Lisboa
Irene Lisboa (1892-1958) Foi professora primária e escreveu uma obra abundante de tipo intimista (poesia, Um Dia e Outro Dia 1936; diário, Solidão 1939; e prosa de ficção de tipo autobiográfico, Voltar atrás, para quê?, 1956, ou centrada numa personagem matricial, Esta Cidade!), que no entanto alia o confessionalismo à problemática social e concreta, emergente de um quotidiano que analisa no seus pormenores mais comuns, característicos de personagens femininas passivas e sofredoras. "Vista de Lisboa", desenho de Ilda Moreira. Original que ilustrou uma folha publicitária de Esta Cidade! Horas da noite.Noite começada ou adiantada, noite.Como é bonito escrever!Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.No tempo vago...Ele vago e eu sem amparo. «Jeito de Escrever» © Instituto Camões, 2001