Miguel Torga (1907-1995)
Médico em Coimbra, foi um polígrafo fecundíssimo e figura determinante na cultura portuguesa deste século, em termos não só literários mas também cívicos.
Tangencial às tendências estéticas e ideológicas contemporâneas, desenvolveu um estilo muito pessoal na poesia (O Outro Livro de Job, 1936), na ficção (em notáveis antologias de contos, ex. Bichos) e noutros géneros, onde se destacam os 16 volumes do Diário, obra-prima das letras portuguesas.Muito sensível ao enraizamento do ser humano no seu meio ambiente, nomeadamente na montanha, encara a relação do homem com o mundo, em luta ou harmonia, num reconhecimento da dimensão cósmica que sublinha também a vertente sagrada da existência.
Miguel Torga, Bichos, 18.ª edição, Coimbra, 19
«Solidão Criadora»
Dorme e sonha a meu ladoTão alheia de mimQue me sinto um amante abandonado...Acordá-la?Gritar?O poeta é uma angústia que se calaA cantar.
Diário - V
© Instituto Camões, 2001
Mário Cláudio (1941), firmando-se de início como poeta e cultivando vários géneros literários, é sobretudo conhecido como ficcionista desde a publicação de Um Verão Assim, 1974, reafirmando-se com Damascena, 1983, e sendo reconhecido como um dos grandes vultos da ficção portuguesa contemporânea a partir da sua Trilogia da Mão (com volumes sobre Amadeo Souza-Cardoso, Guilhermina Suggia e Rosa Ramalho). O pendor para as formas literárias de reconstituição, aliando a capacidade de evocação de ambientes e figuras a uma muito pessoal subjetividade de deformação criativa, acentua-se em muitas das suas obras posteriores, como A Quinta das Virtudes, 1990, ou As Batalhas do Caia, 1995.
Fora Cândida Branca fruto de certo romance, fugacíssimo e intenso, entre um cocheiro de mala-posta, casado e pai de outras duas raparigas, e uma vendedeira de doces, da aldeia de Irivo, no fojo de Penafiel. Haviam-se avistado seus progenitores, na romaria da Senhora Aparecida, por uma longa jornada ardente, dessas que fazem desfalecer os próprios milheirais. E, no meio das espigas, engendrara-se a pequena, crescendo à sombra, depois, da doceira, a qual acharia, mais tarde, um rapaz de quinta, disposto a recebê-la, por consorte.
A Quinta das Virtudes
© Instituto Camões, 2001