Autores e antologia

Almada Negreiros

Almada Negreiros
Almada Negreiros (1893-1970) "Autorretrato" (1943)  de Almada Negreiros É o grande modernista programático da literatura portuguesa, tanto na poesia ( A Invenção do Dia Claro, 1921) como no teatro (Deseja-se Mulher, 1928), mas muito principalmente na ficção, com os textos K4 o Quadrado Azul, 1917, A Engomadeira, 1917, e o romance Nome de Guerra, 1938.Pratica um estilo inovador no plano da construção do discurso mas sobretudo na forma de expor e organizar as ideias (com brandura, violência ou puro aleatório), que nunca são secundárias na sua constante preocupação formal, a que não é alheia a sua atividade de artista plástico que o afirmou como personalidade decisiva na nossa cultura. Almada Negreiros, Nome de Guerra (escrito em 1925), 1938 Ergo-me pederasta apupado de imbecis,divinizo-Me Meretriz, ex-libris do Pecado,e odeio tudo o que não Me é por Me rirem o Eu!Satanizo-me Tara na Vara de Moisés!O castigo das serpentes é-me riso nos dentes,Inferno a arder o Meu cantar! (...)Tu, que te dizes Homem! (...)Vai vivendo a bestialidade na Noite dos meus olhos,vai inchando a tua ambição-toiro'té que a barriga te rebente rã. (...)Hei-de, entretanto, gastar a gargantaa insultar-te, ó besta! (...)Tu chegas sempre primeiro...Eu volto sempre amanhã...Agora vou esperar que morras. (...)E vós também, nojentos da Políticque explorais eleitos o patriotismo!Maquereaux da Pátria que vos pariu ingénuose vos amortalha infames!E vós também, pindéricos jornalistasque fazeis cócegas e outras coisasà opinião pública! (...)Ah! Que eu sinto claramente que nascide uma praga de ciúmes.Eu sou as sete pragas sobre o Niloe a alma dos Bórgias a penar! «A Cena do Ódio», excerto © Instituto Camões, 2001

Outros Romancistas e Poetas Contemporâneos

Outros Romancistas e Poetas Contemporâneos
Muitos outros romancistas e poetas enriquecem a nossa literatura e tornam difícil a sua sinopse. Os contemporâneos são isso mesmo: o excesso em relação ao olhar do crítico, o transbordar da vida e da sua continuidade inesgotável em relação ao crivo do historiador.Fiquemos, ainda, pois, com poetas como Egito Gonçalves, Nuno Júdice, Vasco Graça Moura, António Franco Alexandre, João Miguel Fernandes Jorge, Paulo Teixeira - e o mesmo diremos dos escritores de ficção: Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Hélia Correia, Alexandre Pinheiro Torres, Eduarda Dionísio e tantos outros.São todos estes, aliás, aqueles de que não chegámos a falar e os que nem sequer nomeámos, que dão sentido ao que aqui se escreveu, para que fique incompleto, e fazer sentir o quanto a literatura é viva e desmedida, porque ela é antes de mais leitura e tempo, e não fixidez, e não cabe afinal em nenhuma página: Texto autógrafo de Egito Gonçalves O tempo não podia correr numa ilha sem lugar e sem sombras.mas abolido o tempo, a história deixava de existir.ao princípio era a ninfa e o silêncio da máquina do mundo.era o silêncio no mais puro momento da sua glória inteligível. Vasco Graça Moura, Concerto Campestre, 1993 O profundo silêncio das floresé um lugar de ausência. Vazia moldurapara o vôo das aves, linha oscilantede ligeira névoaque nada revela do que talvez esconda. Egito Gonçalves, E no entanto Move-se, 1995 «Epístola para Dédalo»Porque deste a teu filho asas de plumagem e cerase o sol todo-poderoso no alto as desfaria?Não me ouviu, de tão longe, porém pensei que disse:todos os filhos são Ícaros que vão morrer no mar.Depois regressam, pródigos, ao amor entre o sanguedos que eram e dos que são agora, filhos dos filhos. Fiama Hasse Pais Brandão, Epístolas e Memorandos, 1996 Começo onde a memória dói.Coisas antigas do susto de viverterrores dos rostos dos outrosnem sei. Digo isto. Um espírito de meditaçãonasceu da loucura, nunca soube detais coisas foram feitos os meus diasde puros sons quebrados por sons puros. (...) Joaquim Manuel Magalhães, António Palolo, 1978 «Post-Scriptum»Que rumor consegue ainda magoar-te,deixar-te inquieto e só à volta das palavras?Que rumor pode levar-te a escrever assim,circunspecto e árido,escassos versos? Luís Filipe Castro Mendes, Modos de Música, 1996 «Poema»O mar, e por cima de nós os ramosdo crepúsculo, e os remos do sol quese afundam no mar do horizonte. Nuno Júdice, O Movimento do Mundo, 1996 Com os gravetos encalhados o vento desenhana parede o gráfico do teu sopro      Com as mãos perdidas desfazes a imagem à espera que a parede se abra Será a última parede do labirinto? Manuel Gusmão, Mapas. O Assombro a Sombra, 1996 A profunda harmonia entre ela e o mundo - uma harmonia difícil, instável, porque ela insistia sempre em viver com rigor, com uma atenção que não afrouxava nunca, mesmo quando dormia - o rigor, por exemplo, com que domava ou desmanchava os sonhos, obrigando-se a lembrá-los, obrigando-os a saltar por dentro de arcos incendiados, as flores imaginadas formando finalmente um ramo, as flores de sombra, de sol, de areia, domar o vento, aprender a cavalgar o vento, pôr um risco de azul a contornar o mar, a dura acrobacia do seu corpo, ao mesmo tempo solto e geométrico, os difíceis exercícios interiores, os saltos mortais de olhos vendados sobre um fio de arame estendido entre o possível e o impossível. Teolinda Gersão, Os Guarda-Chuvas Cintilantes, 1984 © Instituto Camões, 2001

Agustina Bessa-Luís

Agustina Bessa-Luís
Na ficção, Agustina Bessa-Luís (1922) afirmou-se com A Sibila (1954), que cria um modo muito próprio de narração no romance, utilizando constantes derivações em relação ao discurso romanesco central, mas escapando à tendência abstractivante que daí resulta, através de um regionalismo radicalizado em atitudes psicológicas peculiares e de um estilo centrado na subjetividade dos juízos narrativos. Ah, rotina doce dessa vida em comum, porém extraordinária de independência e qualidade solitária! A fazenda progredia, iam envelhecendo as mulheres; os cabelos que eram há pouco ainda castanhos apareciam grisalhos, depois brancos; Joaquim abandonava de todo o seu cargo de lavrador, raramente vigiava os moços ou escolhia o gado e até deixava de visitar a amiga, seca e escura como um tronco castigado dos temporais. Bebia de madrugada a sua dose de aguardente que o mantinha numa benévola e distraída disposição durante todo o dia; tinha uma embriaguez discreta, quase afável, e delicados sonhos povoavam-lhe a mente. Os Quatro Rios, 1964 Desenvolve no seu romance uma conceção do tempo que sublinha a sua qualidade de duração interior e de continuidade, que prolonga até à sua ficção mais recente, em A Corte do Norte, 1987, ou O Concerto dos Flamengos, 1994. © Instituto Camões, 2001

Alexandre Herculano

Alexandre Herculano
Alexandre Herculano (1810-1877) Poeta (Tristezas do Desterro, 1838) e romancista (Eurico, o Presbítero, 1844), teve a paixão da reconstituição histórica, elevando os estudos de História à sua consideração científica.É um dos grandes escritores da geração romântica, desenvolvendo os temas da incompatibilidade do homem com o meio social e experienciando a dimensão ética do escritor face à incompreensão do mundo. Ai, que és tu, existência?! Um pesadelo,Um sonho mau, de que se acorda em trevas,Na vala dos cadáveres, em meioDa única herança que pertence ao homem,Um sudário e o perpétuo esquecimento.(...)E da pátria a saudade, em sonho triste,Imóvel, do viver me tece a noite. Tristezas do Desterro, excerto © Instituto Camões, 2001