Maria Gabriela Llansol (1931-2008) é um caso ímpar na ficção contemporânea, de jorrante, inesperada e original criatividade. De estilo muito próprio, a sua forte personalidade afirmou-se desde 1957, com as narrativas de Os Pregos na Erva, consolidando-se com O Livro das Comunidades, 1978, e com todas as suas obras posteriores, de que poderemos salientar A Restante Vida, 1978, e Um Beijo Dado mais tarde, 1990, e Lisboaleipzig, 1994 e 1995. Aliando a subjetividade enunciativa a um forte pendor mítico de implicação lírica, que funda numa visão da vida e do mundo de tipo religioso herético, sensualista e naturalista, a sua ficção caracteriza-se por uma hibridez de registos e de convocação, temporal e espacial de entidades, que no entanto assume uma coesão que lhe é dada por uma marca discursiva persistente e inconfundível.
O texto é a única forma de identificar o sexo e a humanidade de alguém porque, ó poeta estranho, o sexo de alguém, é a sua narrativa. A sua, ou a que o texto conta, no seu lugar. Assim o sexo será como for o lugar do texto.Quando se deseja alguém, como tu desejas Infausta, e ela deseja Johann, é o seu lugar cénico que se deseja,os gestos do texto que descreve no espaçoe chamar-lheprecioso companheiro;de mim, direi que fui uma vez enviado,trouxeste a frase que nunca antes leras,o meu corpo a disse, e não reparaste que ficaste com ela escrita.
Lisboaleipzig 2
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Camões
Camões. Retrato de Fernão Gomes. IAN/Torre do Tombo
Lisboa nos inícios do séc. XVI. Duarte Galvão, Crónica d'el Rei Dom Afonso Henriques, c. 1520
Considerado o poeta da nacionalidade, através da epopeia moderna Os Lusíadas, Luís Vaz de Camões teve uma existência atribulada, atendendo ao pouco que dela se conhece. Estudou em Coimbra, esteve em Ceuta e lutou na Índia, tendo entretanto perdido um olho, e, após o seu regresso a Lisboa, frequenta o Paço, mas vive com dificuldades, de uma pensão régia exígua, não vendo reconhecido o seu mérito.Nascido em 1525, morre em 1580, após o que a sua reputação como grande poeta se firma e não cessa de aumentar, sobretudo depois da perda da independência, cujo sentimento a sua epopeia intensifica.Cultivou também o teatro, mas afirma-se sobretudo na poesia lírica (Rimas), com grande variedade de géneros: sonetos, canções, éclogas, redondilhas, etc..É o grande poeta do maneirismo português, pela filiação na tradição clássica à maneira renascentista, mas sensível ao conhecimento pela experiência que a época e as viagens lhe permitem.A sua obra é enriquecida por uma vivência sensível do sentimento e do saber, modulada na imitação dos antigos mas permeável às marcas contemporâneas de uma existência em mutação. Por isso ela se caracteriza por uma enorme complexidade, na qual sobressai a vivência aguda de tensões que comunicam ao seu lirismo uma agudeza simultaneamente experiencial e literária.
Busque Amor novas artes, novo engenhopara matar-me, e novas esquivanças;que não pode tirar-me as esperanças,que mal me tirará o que não tenho.Olhai de que esperanças me mantenhoVede que perigosas seguranças!Que não temo contrastes, nem mudanças,andando em bravo mar, perdido o lenho.Mas, conquanto não pode haver desgostoonde esperança falta, lá me escondeAmor um mal que mata e não se vê
Que dias há que na alma me tem postoum não sei quê, que nasce não sei onde,vem não sei como e dói não sei porquê.
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O Gigante Adamastor. Imagem inserta em Os Lusíadas, Lisboa, Marujo Editora, 1985
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