Autores e antologia

António Nobre

António Nobre
António Nobre (1867-1900) Inserido entre as correntes ultrarromântica, simbolista, decadentista e saudosista (interessada na ressurgência dos valores pátrios), é o poeta do Só, 1892, um livro de lamentação e nostalgia que exibe um subjetivismo macerado pelos conflitos que marcam a geração finissecular, mas temperado por uma autoironia que modela também certos contributos formais de rotura dos géneros poéticos, nomeadamente na utilização do discurso coloquial e na diversificação estrófica e rítmica dos poemas. Vista do rio Mondego e da cidade de Coimbra Manuel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,Foi Coimbra. Foi esta paisagem triste, triste,A cuja influência a minha alma não resiste. (...)Vá! Dize aos choupos do Mondego que se calemE pede ao vento que não uive e gema tanto: (...)Histeriza-me o vento, absorve-me a alma toda,O Vento afoga o meu espírito num marVerde, azul, branco, negro, cujos vagalhõesSão todos feitos de luar, recordações. «Carta a Manuel» © Instituto Camões, 2001

António Lobo Antunes

António Lobo Antunes
António Lobo Antunes (1942) foi a grande revelação do final da década de oitenta, com dois romances de grande êxito: Memória de Elefante e Os Cus de Judas, que traçam, numa escrita desenvolta e de prodigiosos efeitos metafóricos, uma visão decetiva da guerra colonial e da geração que de forma contrafeita lhe deu corpo. De produção romanesca regular a partir de então, tem alcançado grande projeção internacional e mantém uma aguda consciência crítica do ambiente contemporâneo e da memória nacional do passado recente, com Auto dos Danados, 1985, ou Manual dos Inquisidores, 1996, ou mesmo do passado português mais glorioso, em gesto simultâneo de homenagem e de libelo acusatório e dolorido (As Naus, 1988). Não são só os ratos, aliás, que moram connosco no sótão. Possuímos um jardim zoológico completo de formigas, melgas, traças, centopeias, aranhas, grilos, carunchos, que presumo alimentarem-se da mesma falta de comida do que nós, sem contar as borboletas que se esmagam contra as lâmpadas, no verão, e se reduzem de imediato a um pozinho escuro de verniz. E há os pombos. E as rolas. E os barcos, como lesmas, no Tejo. E os vizinhos em camisola interior, incapazes de voar, crucificados nos craveiros das varandas. E tu e eu, cada vez mais transparentes e magros, a prepararmos o pequeno almoço de meio grama de heroína da injecção da manhã. Auto dos Danados © Instituto Camões, 2001

Almeida Garrett

Almeida Garrett
Almeida Garrett (1799-1854) Almeida Garrett, Frei Luiz de Sousa,  fac-símile da edição da Quinta do Pinheiro Foi o introdutor do Romantismo em Portugal com o poema "Camões", 1825, desenvolveu o teatro (criando o Teatro Nacional e escrevendo obras de repertório, entre as quais se conta a obra-prima Frei Luís de Sousa, 1843), cultivou o romance histórico (O Arco de Sant'Ana, 1845) e foi um notável poeta do amor e das suas contradições, da sensualidade e da mulher. Não te amo, quero-te: o amor vem da alma. E eu na alma - tenho a calma, A calma - do jazigo. Ai! Não te amo, não.Não te amo, quero-te: o amor é vida. E a vida - nem sentida A trago eu já, comigo. Ai, não te amo, não!Ai! não te amo, não; e só te quero De um querer bruto e fero Que o sangue me devora, Não chega ao coração. Folhas Caídas, 1853 (excerto) © Instituto Camões, 2001

Antero de Quental

Antero de Quental
Antero de Quental (1842-1891) Antero de Quental (pintura de Columbano) Está ligado à poesia realista e simbolista com as Odes Modernas, 1865, que se integram no programa de modernização da sociedade portuguesa desenvolvido pela Geração de 70, à qual pertence, mas é nos Sonetos Completos, 1886, que o melhor da sua poesia emerge, cruzando o simbolismo de timbre ainda romântico com a poesia de ideias e com a reflexão filosófica, na expressão de conflitos íntimos e sociais que pessoalmente o levarão ao suicídio. A tristeza do tempo! O espectro mudoQue pela mão conduz... não sei aonde!- Quanto pode sorrir, tudo se esconde...Quanto pode pungir, mostra-se tudo. -Cada pedra, que cai dos muros lassosDo trémulo castelo do passado,Deixa um peito partido, arruinado,E um coração aberto em dois pedaços! Odes Modernas © Instituto Camões, 2001

Almeida Faria

Almeida Faria
Almeida Faria (1943) Muito jovem, publicou dois excelentes romances, Rumor Branco, 1962, e A Paixão, 1965 que revelam um talento seguro na arte de narrar, praticando simultaneamente inovações espetaculares, de desarticulação discursiva e de hibridez de modalidades, na escrita romanesca. A sua carreira posterior tem-se mantido regular, sublinhando os efeitos intertextuais (nomeadamente incluindo textos da arte e da comunicação em geral) e uma aguda ironia que afirma uma vocação satírica na observação de costumes e de ambientes político-sociais, nomeadamente na transição do 25 de Abril (Lusitânia, 1980, O Conquistador, 1990). A morte os aflorou, com sua negra asa, com seu mistério fino e arrepiante e cavo, e então os homens viram quão sós e só entregues a si mesmos estavam e ao seu nada; mas o perigo passou, ou pensam que passou, e as bocas, ainda há pouco pejadas de desgraça, unem-se já para soltar um uivo ou um soluço, o uivo de cada cão que escapou à tormenta e sente o sabor da morte ainda em cima, o soluço de alívio e também de tristeza daqueles que se livram dum infinito túnel. A Paixão © Instituto Camões, 2001