Manuel de Paiva Boléo
(Idanha-a-Nova, 26-03-1904 - Coimbra, 01-11-1992)

Manuel de Paiva Boléo

Manuel de Paiva Boléo,
aos 40 anos

Fez a instrução primária em Pedrógão Grande, para onde tinham ido viver pais, Manuel e os seis irmãos. Em 1914, a família muda-se para Coimbra, e aí faz o ensino liceal e a licenciatura em Filologia Românica (seguindo também as cadeiras de clássicas); chegara a frequentar Direito, durante três anos, antes de se decidir por Letras. No final de 1929, o ano em que se licencia, vai como bolseiro para Hamburgo, onde ficará como leitor de língua e literatura portuguesa (1931-1935). Neste período, dois factos definitivos: é discípulo de Fritz Krüger (do romanista trataria Boléo em vários trabalhos, enumerados a p. 2, n. 1, do artigo de Clarinda de Azevedo Maia); namora, por cartas, com a futura mulher, Maria Eugénia, que conhecera, em Coimbra, nas organizações católicas por ambos frequentadas. Regressado a Portugal, dá aulas de alemão num colégio (1937-1938) e doutora-se (1937). Em 1938, torna-se professor da Faculdade de Letras de Coimbra e casa com Maria Eugénia. Viriam a ter nove filhos (entre os quais, Maria Luísa, cujas notas muito segui neste parágrafo). Chega à cátedra em 1949.

Ao lembrar Manuel de Paiva Boléo, Orlando Ribeiro destaca a «exigência leiteana» (Memórias de um geógrafo, Lisboa, João Sá da Costa, 2003, p. 190; de Orlando Ribeiro vale a pena ler-se também «Leite de Vasconcellos e Paiva Boléo (Recordações)», Revista Lusitana, nova série, 3, 1982-1983, pp. 163-167, onde se conta, por exemplo, como o geógrafo bebeu aguardente em prol dos inquéritos de um Boléo ainda «pouco afeito ao campo», e como, depois de regressar de Hamburgo, Paiva Boléo contactara bastante com Leite de Vasconcelos). Serve a alusão para notarmos que tudo leva a ver em Boléo, no tempo pós-Leite de Vasconcelos e antes de — e, depois, ao mesmo tempo que — Luís Lindley Cintra, idêntico papel crucial para a linguística portuguesa. Esta sugestão insinua-se sobretudo no campo da dialectologia. As investigações opusculares, monográficas, calcorreadas, de Leite de Vasconcellos cedem o lugar à «actividade metódica» de Boléo; à última classificação dialectal proposta por Leite, nos Opúsculos, sucede o Mapa dos dialectos e falares de Portugal continental. Algumas diferenças, porém: enquanto Leite de Vasconcelos, se deixou discípulos, não criou equipas, Paiva Boléo procurou estimular projectos participados e formou colaboradores. Mais cedo procedeu a sínteses, o que se liga às preocupações e exercício pedagógicos: considerava docência e investigação interdependentes (como observou em réplica a uma crítica de Manuel Rodrigues Lapa, defensor da autonomia das duas actividades). Já a filologia textual não o interessou — ao contrário de Leite e de Cintra, não deixou edições críticas — nem foi medievalista. Em compensação, ocuparam-no estudos de estilística e sintaxe (na linha dos de Bally ou de Spitzer, como nota Silva Neto, p. 83). Não é relevante que Leite de Vasconcelos se tenha fixado em Lisboa, mas vemos Boléo muito mais ligado a Coimbra. Característica ainda de Paiva Boléo a defesa da polivalência e da interdisciplinaridade, enquanto Leite terá sido propriamente menos inter do que multidisciplinar. Enfim, os que trabalharam com Paiva Boléo apontam unanimemente a disponibilidade para os outros e o humanismo como traços preponderantes do seu carácter.

José G. Herculano de Carvalho coloca o final da primeira fase da dialectologia portuguesa, marcada pela acção de Leite de Vasconcelos, no fim da primeira série da Revista Lusitana, e considera que a segunda fase se inicia quando, em Coimbra, as cadeiras de Filologia Portuguesa ficaram a cargo de Boléo: «Discípulo primeiramente de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, mas tendo feito grande parte da sua formação linguística em Hamburgo, sob a direcção do Prof. Fritz Krüger, por sua vez amigo e sincero admirador de Leite de Vasconcelos, compreende-se o interesse que o professor de Coimbra manifestou desde o princípio da sua actividade docente pela dialectologia, pelas pesquisas de campo e — inovação importante a assinalar — pela aliança do estudo da linguagem popular com a cultura de que é veículo» («Os estudos...», p. 203). Na mesma resenha, apontam-se três iniciativas fundamentais de Boléo para a dialectologia portuguesa: a partir de 1942, a organização do inquérito linguístico por correspondência; a direcção de dissertações de licenciatura de tema dialectal; a criação, em 1947, da Revista Portuguesa de Filologia. (Sobre o ILB — Inquérito Linguístico Boléo —, veja-se, de Boléo, O estudo dos dialectos e falares portugueses. Um inquérito linguístico e o apêndice a O interesse científico da linguagem popular; e também o artigo de Gunther Hammermüller citado infra. Para as teses podem ver-se os elencos na Revista Portuguesa de Filologia, 9, 1958-1959, pp. 511-537, e 15, 1969-1971, pp. 837-852; as teses feitas ou publicadas posteriormente são referidas nos rodapés das pp. 283-284 do artigo de Clarinda de Azevedo Maia. Sobre a Revista Portuguesa de Filologia, veja-se a notícia de Clarinda Maia na Romanische Forschungen.)

A bibliografia de Manuel de Paiva Boléo até 1980 está elencada no primeiro volume da miscelânea que lhe foi oferecida em 1981: «Bibliografia de Manuel de Paiva Boléo», Biblos, 57, 1981, pp. VII-XLVIII; na Confluência. Revista do Instituto de Língua Portuguesa, 6, 2.º semestre de 1993, Rio de Janeiro, pp. 11-45, foi publicado um extracto com a parte filológica dessa bibliografia. As peças posteriores a 1980 estão referenciadas no artigo de Clarinda Maia, no pé das pp. 289-290. Citaremos nós apenas os trabalhos mais importantes, usando a arrumação que Manuel de Paiva Boléo destinara à colectânea dos seus trabalhos filológicos, que, como ele próprio previa, se ficou pelos dois tomos do primeiro volume: Estudos de linguística portuguesa e românica, 1 (Dialectologia e História da língua), Coimbra, Biblioteca Geral: Acta Universitatis Conimbrigensis, 1974 (tomo 1) e 1975 (tomo 2).

1) Dialectologia e história da língua - Podíamos remeter para os tomos do citado volume de 1974-1975, onde os trabalhos originais surgem com acrescentos; mas citaremos: «Dialectologia e história da língua. Isoglossas portuguesas», Boletim de Filologia, 12, 1951, pp. 1-44; «Unidade e variedade da língua portuguesa», Revista da Faculdade de Letras [de Lisboa], 20, 2.ª série, 1954; pp. 5-28; «O estudo dos falares portugueses antigos e modernos e sua contribuição para a história da língua», Actas do III Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, 2, Lisboa, 1960, pp. 418-428; com Maria Helena Santos Silva: «O 'Mapa dos dialectos e falares de Portugal continental'», Actas do IX Congresso Internacional de Linguística Românica [= Boletim de Filologia, 20, 1961, pp. 85-112].

2) Perspectivas históricas e metodológicas - Os nomes dos dias da semana em português. (Influência moura ou cristã?), Coimbra, Coimbra Editora, 1941; Introdução ao estudo da filologia portuguesa, Lisboa, «Revista de Portugal», 1946; «Metodologia do estudo etimológico de palavras antigas e modernas», Lições de linguística portuguesa, 2.ª parte, Coimbra, edição do autor, 1965, pp. 309-333; «O problema da importação de palavras e o estudos dos estrangeirismos (em especial dos francesismos) em português», Lições de linguística portuguesa, 1.ª parte, Coimbra, edição do autor, 1965, pp. 283-330; «Algumas tendências e perspectivas da linguística moderna», Revista Portuguesa de Filologia, 13, 1964-1965, pp. 279-346; «Relações da linguística com a etnografia e o folclore», Revista Portuguesa de Filologia, 19, 1987-1991, pp. 249-281.

3) Figuras da linguística portuguesa e românica - Além dos trabalhos sobre Fritz Krüger, também escreveu acerca de João da Silva Correia, José Leite de Vasconcelos, David Lopes, Cláudio Basto, Serafim da Silva Neto, que o visitara em Coimbra um ano antes da morte prematura, Karl Jaberg e Jakob Jud, com quem se encontrara em 1946, quando visitara a Suíça, Karl Vossler. O mais extenso destes trabalhos é o sobre Adolfo Coelho: «Adolfo Coelho e a filologia portuguesa e alemã no século XIX, Biblos, 23, 1947, pp. 607-691. Entre os verbetes que redigiu para a enciclopédia Verbo estão os dedicados a Manuel Said Ali, Joseph M. Piel, Gonçalves Viana, Mário Barreto, Vossler, Adolfo Coelho, Bopp, Bréal, Brunot, Amado Alonso, Ascoli, Krüger; também de história da linguística, o verbete «Palavras e Coisas».

4) Filologia, gramática e ensino de línguas - «A metáfora na língua portuguesa corrente», Biblos, 11, 1935, pp. 187-223; «Língua falada, lógica e clássicos. A propósito da discussão 'Um dos que...'», Cursos e conferências, 2, Coimbra, Biblioteca da Universidade, 1935, pp. 77-94; «Defesa e ilustração da língua. (A propósito do Instituto da Língua Portuguesa)», Biblos, 19, 1943, pp. 357-397; «A unificação da nomenclatura gramatical», Labor, 3.ª série, 243, 1965, pp. 147-157; «Relação do latim com as línguas modernas», Colóquio sobre o ensino do latim. Actas, Coimbra, 1973, pp. 201-225; com outros autores: Nomenclatura gramatical portuguesa, Lisboa, MEN-GEPAE, 1967.

5) Sintaxe e estilística - «Tempos e modos em português. Contribuïção para o estudo da sintaxe e da estilística do verbo», Boletim de Filologia, 3, 1934-1935, pp. 15-36; O perfeito e o pretérito em português em confronto com as outras línguas românicas, dissertação de doutoramento, Coimbra, Biblioteca da Universidade, 1937; «O realismo de Eça de Queiroz e a sua expressão artística», Biblos, 17, 1941, pp. 697-731; «Os valores temporais e modais do futuro imperfeito e do futuro perifrástico em português», Biblos, 41, 1965, pp. 87-115.

6) Onomástica - «Os estudos de antroponímia e toponímia em Portugal», Revista de Portugal, série A — Língua portuguesa, 18, 1953, pp. 145-152; «Os matronímicos nos apelidos populares portugueses», Revista de Portugal, série A — Língua portuguesa, 18, 1953, pp. 81-89; «Os nomes étnico-geográficos e as alcunhas colectivas: seu interesse linguístico, histórico e psicológico», Biblos, 31, 1955, pp. 1-19; «Onomástica», Verbo. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 14, 1973, cc. 619-621; «Toponímia», Verbo. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 17, 1975, cc. 1685-1688.

7) O Português europeu e a língua portuguesa do Brasil - «Português europeu e português do Brasil», Biblos, 8, 1932, pp. 641-653; «Brasileirismos. (Problemas de método)», Brasília, 3, 1946, pp. 3-82; «Filologia e história. A emigração açoriana para o Brasil», Biblos, 20, 1944, pp. 405-442; «O Congresso de Florianópolis, comemorativo do bicentenário da colonização açoriana», Brasília, 5, 1950, pp. 603-667; Discurso [«O 'espaço linguístico' português»], I Simpósio luso-brasileiro sobre a língua portuguesa contemporânea. Actas, Coimbra, 1968, pp. 25-30; «A língua portuguesa do Continente, dos Açores e do Brasil. (Problemas de colonização e povoamento)», Revista Portuguesa de Filologia, 18, 1980-1986, pp. 591-625.

Manuel de Paiva Boléo foi secretário de redacção do Boletim de Filologia, entre 1936 e 1938, e da Biblos, entre 1939 e 1946. Fundou, em 1947, e dirigiu, até ao fim da vida, a Revista Portuguesa de Filologia. Nesta, impressiona o número de recensões a seu cargo.

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Pormenor do Mapa dos dialectos e falares de Portugal Continental, apresentado, em 1959, ao 9.º Congresso Internacional de Linguística Românica (Manuel de Paiva Boléo & Maria Helena Santos Silva, «O 'Mapa dos dialectos e falares de Portugal continental'», Boletim de Filologia, 20, 1961, pp. 85-112).

Nesta notícia usámos: Clarinda de Azevedo Maia, «Manuel de Paiva Boléo (1904-1992)», Revista Portuguesa de Filologia, 20, 1992-1995, pp. 281-298; Maria José de Moura Santos, «Jubileu universitário do Prof. Doutor Manuel de Paiva Boléo», Biblos, 50, 1974, pp. 641-648; José Gonçalo Herculano de Carvalho, «Boléo (Manuel de Paiva)», VERBO. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 3, Lisboa, Verbo, 1965, cc. 1531-1532; Luísa de Paiva Boléo, «Cronologia de Manuel de Paiva Boléo», Antonio Viudas Camarasa, Patrimonio lingüístico iberoamericano. Los conservadores del patrimonio. Manuel de Paiva Boléo, www.dialectus.com; «Homenagem ao Doutor Manuel de Paiva Boléo», Biblos, 58, 1982, pp. 512-516; «Manuel de Paiva Boléo (1904-1992)», Biblos, 68, 1992, pp. 646-649; Serafim da Silva Neto, Manual de Filologia Portuguesa, 3.ª ed., Rio de Janeiro, Presença, 1977, pp. 82-86; Gunther Hammermüller, «O I.L.B. à margem dum atlas linguístico de Portugal?», M. Fátima Viegas Brauer-Figueiredo (org.), Actas do 4.º Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas. Universidade de Hamburgo, 6 a 11 de Setembro de 1993, Lisboa/Porto/Coimbra, Lidel, 1995, pp. 131-144; José Gonçalo Herculano de Carvalho, «Os estudos dialectológicos em Portugal nos últimos vinte anos», Estudos linguísticos, 2.ª ed., 1, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, pp. 197-215; Clarinda de Azevedo Maia, «Revista Portuguesa de Filologia», Romanische Forschungen, 100 (1-3), 1988, pp. 231-239.