A PRONÚNCIA DO PORTUGUÊS EUROPEU

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Variação e Norma em Português

Introdução

Variação e Norma em Português

 

Os diferentes usos que fazemos de uma língua no interior da sociedade em que vivemos (como a nossa comunicação interpessoal, a utilização nos meios de comunicação social, o ensino e o uso da língua na escola) obrigam ao estabelecimento de normas de conduta linguística que evitarão, entre outros aspectos, que a variação se acentue e dificulte a intercompreensão. A existência de tais normas – que constituem no seu todo o que genericamente se denomina a norma-padrão – é necessária como referência da produção linguística e como garante da aceitabilidade de um certo comportamento no contexto sociocultural em que estamos inseridos. Como em qualquer campo da actuação humana, a norma tem justificações sociopolíticas e históricas, de carácter pedagógico e comunicativo. É, em certas circunstâncias, um factor de identificação linguística e cultural, e de solidariedade social. Em última análise, o papel da norma linguística torna-a um instrumento essencial de cidadania nas sociedades contemporâneas.

Devemos, no entanto, ter presente que, ao verificarmos que determinada pronúncia, ou certas formas gramaticais, ou tal construção de uma frase estão de acordo com a norma-padrão, e portanto são consideradas correctas, isso não significa que linguisticamente elas sejam melhores ou piores do que as formas inaceitáveis pela norma. A noção de correcção está, assim, baseada no valor social atribuído às referidas formas.

Todas as variedades nacionais de uma língua possuem a sua norma-padrão de que a escola é especial depositária. No Português Europeu considera-se que o dialecto da região que abrange Lisboa e Coimbra tem o estatuto de norma-padrão. No Brasil aceita-se como norma-padrão a fala do Rio e de S. Paulo.

 

Todas as variantes têm o mesmo valor?

Muitas observações feitas por pessoas desconhecedoras da linguística constituem juízos de valor em relação às variedades de uma língua (nacionais ou dialectais), ou em comparação de uma língua com outra.

Quando se comparam dialectos, sociolectos ou variedades nacionais de uma única língua, os ouvintes diferenciam os falantes por possuírem este ou aquele “sotaque”. Esta observação vem muitas vezes acompanhada de um julgamento de valor: certas pronúncias são desprestigiadas, outras risíveis, há quem considere que aqui se fala “bem” ou “correctamente” e que ali a língua é “deformada” ou “incorrecta”.

Na verdade, estes julgamentos não têm justificação linguística. Os argumentos invocados para atribuir superioridade a uma variedade de língua relativamente a outra ou outras são de duas ordens: linguísticos e socioculturais. Concretizemos estes argumentos com exemplos do Português.

O modelo do passado é frequentemente invocado para uma valorização linguística. Ora a língua que os portugueses falavam no século 16, no início da colonização, tinha um sistema de vogais menos reduzido do que a norma actual do Português Europeu, era mais próxima da norma brasileira. Este é um dos vários casos que se poderiam apresentar como exemplo de um aspecto mais conservador na variedade brasileira do que na portuguesa, ainda que muitas vezes esta última variedade seja considerada mais correcta.

Mas não podemos com isto supor que a pronúncia brasileira tenha ficado suspensa no tempo. Exemplos claros de mudança são dados pela pronúncia de certas consoantes que distanciam a norma brasileira da europeia.

O mesmo argumento de conservação tem sido apresentado para julgar certos dialectos mais correctos do que outros. Também aqui esse julgamento de valor não tem fundamento linguístico. Veja-se o seguinte exemplo. Geralmente, em regiões mais isoladas, menos favorecidas pela escolarização ou pelos meios de comunicação, a língua, como a sociedade, conserva características antigas. Assim sucede com a pronúncia da consoante s em certas regiões do norte de Portugal. Sendo essa pronúncia diferente da pronúncia da norma, e estando próxima do primitivo s latino, deveria ser considerada mais correcta do que a do s padrão. Sucede, no entanto, que ela é desprestigiada e considerada incorrecta. O argumento da conservação ou da proximidade em relação à origem não pode portanto servir como base da correcção linguística

O outro tipo de argumentos que se invoca para valorizar certa(s) variedade(s) de língua é de natureza sociocultural: o número de falantes, a importância histórica, o estatuto adquirido em contextos multilingues institucionalizados. Todavia, estes argumentos não são de natureza linguística e, portanto, confirmam o que se disse: do ponto de vista linguístico não há hierarquia entre as variedades de uma língua, não há variantes mais ou menos correctas.

Concluindo: o conceito de norma-padrão, que induz a correcção e o prestígio de uma variedade da língua, decorre de se considerar que a norma culta corresponde ao sociolecto da classe dominante e ao dialecto que se fala na região em que se encontram os órgãos do poder. É a partir deste tipo de considerações socioculturais, portanto, que se define a norma-padrão de uma língua. A pronúncia do Português que aqui apresentamos é a da norma-padrão do Português Europeu.
 

Leituras complementares

Bagno, Marcos (org.) (2002) Linguística da Norma. S. Paulo: Edições Loyola.

Castro, Ivo (2003) O Linguista e a Fixação da Norma. In Mendes e Freitas (orgs,). Actas do XVIII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Lisboa: APL., 11-24

Cunha, Celso (1985). A Questão da Norma Culta Brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

Mateus, Maria Helena Mira (2005) A mudança da língua no tempo e no espaço. In Mateus, Maria Helena Mira e Fernanda Bacelar do Nascimento (orgs.) (2005) A Língua Portuguesa em Mudança. Lisboa: Editorial Caminho: 15-30.

Mattos e Silva, Rosa Virgínia (1996). O Português São Dois: Variação, Mudança, Norma e a Questão do Ensino do Português no Brasil. In Duarte & Leiria, orgs, Actas do Congresso Internacional sobre o Português. Vol. 2. Lisboa: APL/Colibri.

Peres, João Andrade e Móia, Telmo (1995) Áreas críticas da Língua Portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho, Col. Universitária.

Roncari, Cláudia e Abraçado, Jussara (orgs.) (2003) Português brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7 Letras.

Silva, Giselle M. de Oliveira e Scherre, Marta M. (orgs.) (1996) Padrões sociolinguísticos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
 
 
 
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