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A Sílaba no Português Europeu |
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A Sílaba no Português Europeu |
O Ataque |
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No contínuo sonoro é difícil delimitar uma palavra porque essa delimitação está relacionada, principalmente, com factores morfológicos e lexicais, e só em menor grau com a prosódia da língua. O mesmo não se passa com a sílaba que é um constituinte prosódico que contribui para o ritmo da língua. Os falantes têm uma percepção intuitiva das sílabas da sua língua embora essa percepção se baseie numa construção mental. Na realidade, a sílaba é criada no espírito do falante/ouvinte, com propriedades específicas que não decorrem da simples segmentação fonética das sequências de segmentos.
Vejamos: Na palavra desejo é fácil identificar três sílabas que, aliás, têm as características específicas das sílabas do Português: de-se-jo (a separação das sílabas faz-se aqui com utilização de um traço, mas poderia fazer-se com o símbolo [$] ou com um simples [.]). Se, porém, na fala coloquial quisermos dividir as sílabas de ela pode, , em que suprimimos a vogal átona na segunda palavra, um falante de Português não considerará esta palavra como tendo uma única sílaba, mas dirá que nessa sequência temos quatro sílabas: e-la-po-de. Esta forma de reconhecer as sílabas na cadeia sonora decorre da sua natureza de constituinte prosódico (é um dos factores que contribuem para o ritmo da língua) mas decorre também do facto de as sílabas terem uma estrutura interna organizada hierarquicamente, ou seja, o conjunto ‘sílaba’ domina os seus componentes e o falante tem um conhecimento intuitivo dessa organização hierárquica
Quais são os componentes da sílaba no Português Europeu?
Na frase: Tu vês mal encontramos três palavras, todas com uma única sílaba. Em cada sílaba existe uma vogal que é o Núcleo da sílaba. Podemos afirmar que todas as sílabas têm uma vogal, e apenas uma, que constitui o seu núcleo.
A sílaba vês (que coincide com uma palavra) tem uma consoante a seguir ao núcleo. O núcleo constitui, com a consoante que se lhe segue, a Rima da sílaba, sendo a consoante a Coda. Nas três sílabas de Tu vês mal os núcleos são precedidos de consoantes que se denominam Ataque de sílaba. Tanto o ataque como a coda da rima podem não existir. O núcleo é o único componente obrigatório.
Como a sílaba domina estes constituintes, pode representar-se com uma árvore que permite visualizar a organização hierárquica (o símbolo para indicar sílaba é ).
Estes são os constituintes das sílabas de todas as línguas do mundo. Vejamos agora as particularidades de cada um no Português Europeu.
O Ataque
Todas as consoantes simples podem ser ataque de sílaba no início ou no meio da palavra (excepto que não ocorrem em posição inicial). Veja-se como exemplo [p-p] em pa-pa, [f-f] em fo-fa, em ca-ro ou [d-d] em de-do.
Quando o ataque é constituído por duas consoantes seguidas (o número máximo permitido em Português), nem todas podem formar grupo. As sequências de oclusiva e vibrante e oclusiva e lateral são possíveis e estão exemplificadas a seguir. |
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No conjunto das sílabas com oclusiva e vibrante – os chamados ‘grupos próprios’ – encontram-se exemplos para todos os casos. Já no conjunto das sílabas com oclusiva e lateral há falhas. Estas sequências são, portanto, ataques de sílaba menos naturais no Português.
Se virmos agora outras sequências, temos dificuldade em encontrar palavras exemplificativas. |
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Todos os grupos que estão marcados com um asterisco não se encontram em palavras do Português, geralmente na sílaba inicial.
Por que serão certas sequências de consoantes inaceitáveis como ataques de sílaba?
Um dos princípios de organização silábica que está presente na maioria das sílabas do mundo é o Princípio de Sonoridade, segundo o qual
• A sonoridade dos segmentos que constituem a sílaba aumenta a partir do início até ao núcleo e diminui desde o núcleo até ao fim.
Este princípio está relacionado com a Escala de Sonoridade que estabelece a sonoridade relativa dos segmentos como segue (progressão dos menos sonoros até aos mais sonoros):
• consoantes oclusivas < fricativas < nasais < líquidas < semivogais < vogais
Isto significa que os grupos de oclusiva e líquida são mais naturais – a sílaba começa no segmento menos sonoro e vai aumentando a sonoridade até ao núcleo, ou seja, a vogal – e os outros são menos frequentes por contrariarem o princípio de sonoridade.
Completando este princípio de sonoridade temos um outro princípio, o de dissimilaridade, que estabelece para o Português uma preferência pelas sequências de consoantes que se encontrem separadas na escala de sonoridade (como as oclusivas e as vibrantes ou laterais) a consoantes que se encontrem a seguir ou muito próximas (como as oclusivas e as fricativas ou as oclusivas e as nasais). Por isso é que [dm] de admirar, [pn] de pneu ou [bs] de absurdo são menos frequentes em Português do que [br] abrir ou [pl] de plano. Os falantes sentem que se trata de sequências menos aceitáveis (ou não aceitáveis) e por isso têm dificuldade em dividir as sílabas de palavras como admirar: a separação deve ser entre ad-mirar ou a-dmirar?. Se dm fosse um grupo próprio, o falante sabia que não podia separar as duas consoantes e que ambas pertenciam ao ataque da sílaba, pelo que não hesitaria na divisão silábica da palavra.
Por outro lado, sabe-se que durante a aquisição da linguagem, as crianças inserem frequentemente vogais nas sequências não admissíveis (e.g. *peneu por pneu ou *afeta por afta), o mesmo se passando quando se “soletra” uma palavra com estas características.
Finalmente, em muitos dialectos do Português do Brasil encontra-se uma vogal introduzida (normalmente [i]) entre consoantes que não formam um ataque aceitável, passando então a constituir duas sílabas. A vogal inserida denomina-se epentética. |
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Esta vogal que é introduzida no Português do Brasil entre duas consoantes que, no Português Europeu, formam o Ataque da sílaba causa uma diferença notória entre as duas variedades da língua. A esta diferença acrescenta-se outra que é consequência da supressão, no Português Europeu, da vogal átona em sílabas pré-tónicas e pós-tónicas, criando sequências de várias consoantes que dão a sensação auditiva de que muitas palavras quase não possuem vogais. Vejam-se os seguintes exemplos com supressão de . |
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Nestes exemplos encontram-se, no nível fonético, sequências de 3 consoantes (e.g. depenicar [dpn]), de 4 consoantes (e.g. despegar ), de 5 consoantes (e.g., despregar ) e, mesmo, de 6 consoantes (e.g. desprestigiar ).
Esta característica é responsável por um dos aspectos mais peculiares da diferença de ritmo entre o Português Europeu e o Português brasileiro. |
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