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Número 0: Sistemas de gestão de memórias de tradução

Quem tem medo das memórias de tradução?
Sílvia Fustegueres, Ampersand Translation Solutions


Introdução

O mundo é cada vez mais tecnicista e, logicamente, esse tecnicismo afecta também a tradução. Durante o século XX, produziram-se mais mudanças e avanços no campo da tradução do que ao longo de toda a história. Em pouco tempo, passou-se da pena à máquina de dactilografar e, em menos tempo ainda, da máquina de dactilografar ao uso do computador.


Paralelamente à evolução do hardware, no sentido mais estrito da palavra, foram aparecendo as ferramentas de ajuda à tradução: dicionários eletrónicos, sistemas de tradução automática, de tradução assistida, de reconhecimento de voz, entre outras.


Estas ferramentas propiciaram o surgimento de uma nova forma de trabalhar, fazendo com que já não fosse preciso ter que começar a traduzir num papel em branco, do nada, sem nenhum tipo de ajuda, reconstruindo o formato do documento original. Hoje em dia, no pior dos casos, dispomos de um documento com um formato sobre o qual podemos sobrescrever. Com isso aproveitamos os números, o formato e os nomes próprios que não será necessário traduzir. Já é alguma coisa.


Mas o aparecimento de ferramentas de tradução assistida permite ir mais além e reaproveitar o material traduzido anteriormente, reaproveitar uma mesma frase dentro do mesmo projecto, reaproveitar a terminologia acumulada após as sucessivas traduções, etc.


Magia? Não; memórias de tradução.



Qual o cheiro das nuvens?

O que é uma memória de tradução? Como funcionam os programas em que se baseiam? Quem tem os direitos de propriedade intelectual destas memórias? Quais são as vantagens de trabalhar com estas ferramentas?


As memórias de tradução não são mais do que bases de dados que acumulam a informação respeitante às traduções feitas utilizando um sistema de tradução assistida. Quando traduzimos usando esses sistemas, o motor do programa em questão procura na memória o material que seja igual ou semelhante ao que temos de traduzir para que o possamos utilizar. É bem simples (ou bem difícil, depende do ponto de vista).


O habitual medo do desconhecido fez com que surgissem muitos receios face à disseminação dos sistemas de tradução assistida. Mas estes receios estão a desaparer e há cada vez mais profissionais que percebem as vantagens de trabalhar com memórias de tradução.


A primeira vantagem é a economia do tempo de tradução. Por um lado, o tradutor evita ter que traduzir as coisas duas vezes, no mínimo. Por outro, deve-se destacar que implica uma redução, e em alguns casos bastante significativa, do prazo de entrega da tradução.


Deve-se ainda destacar o reaproveitamento terminológico. Graças à acumulação de material traduzido, o tradutor pode garantir que traduzirá os termos sempre da mesma forma. As memórias de tradução garantem assim uma uniformidade e uma coerência que não se limitam à tradução de termos, mas que também incluem frases ou sintagmas completos.



O dedo na ferida

Toda esta economia de tempo repercute-se, logicamente, nos preços pagos. É muito comum que os consumidores das traduções produzidas com sistemas de tradução assistida peçam um desconto, mais ou menos importante, mais ou menos justificado, mais ou menos correcto, do preço que corresponde ao material reaproveitado (tanto se trate de frases que se repetem no texto como de frases que aparecem na memória).


Esta opção, que de início não parece muito atraente, tem uma segunda leitura: o tradutor não precisa de fazer o mesmo esforço quando reaproveita um segmento idêntico a outro que já havia na memória do que se tiver de traduzir uma frase nova. As questões deste tipo devem ficar claras antes de se aceitar um serviço: deverão ser revistas todas as traduções dos segmentos que já estavam incluídos na memória? O material que já vem traduzido é aproveitável? Cada serviço é um universo diferente, e as condições de trabalho podem variar muito.


Surge assim uma nova forma de trabalhar na qual deixamos de ser 100% tradutores para nos convertermos em tradutores-revisores e aparece um novo conceito de pós-edição: deixamos de trabalhar sobre um papel em branco para trabalhar sobre propostas de tradução que, em muitos casos, nem sequer são nossas.


Voltando à questão do desconto: será ético? Se for bem feito, é ético, sim. Mas torna-se necessário implantar algum tipo de normas que permitam estabelecer níveis adequados e coerentes que correspondam ao trabalho que o tradutor deverá fazer. Actualmente, começa-se a trabalhar neste sentido e espero que no futuro se estabeleça um sistema de descontos, mais ou menos padronizado, coerente com o grau de repetição ou de correspondência exacta.



Direitos? Esperar sentados?

Uma outra questão é a dos direitos de propriedade intelectual destas memórias de tradução. Parece que este tema é mais preocupante agora do que quando as traduções se faziam sem nenhum tipo de ajuda. Poucas pessoas se questionavam sobre os direitos que tinham sobre a tradução de um contrato, de material técnico, de um anúncio publicitário, etc. Por que questionamos isso agora? Talvez porque somos mais conscientes do seu reaproveitamento?


Não parece que haja alguma lei ou norma que faça referência a este tema, mas é preciso considerar que, no geral, existem traduções que geram direitos de autor e outras não. Portanto, seria lógico pensar que isso também pode ser aplicado às memórias de tradução, e é preciso levar em consideração que as traduções feitas com ferramentas de tradução assistida costumam ser das que não geram direitos de autor.


Igualmente, cabe destacar que, no geral, as memórias integram o trabalho de mais de um tradutor, de maneira que nas situações mais frequentes o tradutor X não tem os direitos correspondentes a uma memória completa, o que torna ainda mais difícil a aplicação dos direitos e das vantagens que lhes correspondem.


Se me permitirem a piada fácil, parece que os que desejam obter o reconhecimento destes direitos bem podem esperar sentados.



João Sem Medo

Descontos não desejados, ter de aprender o uso de novas ferramentas, adaptação a uma nova forma de trabalhar e de entender o nosso trabalho... mais de uma pessoa deve recear tudo isso.


Mas não deveria ser assim. Da forma como as coisas estão, é muito importante que todos os tradutores encontrem a melhor forma de se reciclar, aprender coisas novas e, em definitivo, adaptar-se a todos os avanços tecnológicos que vão surgindo na actualidade.


Não devemos ter medo das inovações tecnológicas. Não são nem um obstáculo nem uma ameaça: pelo contrário, facilitam o trabalho e proporcionam recursos para a optimização do tempo e do nosso trabalho; oferecem igualmente a possibilidade de criar produtos (traduções) de maior qualidade.


A tecnologia evolui, e a profissão também. Não podemos ter medo e devemos adaptar-nos ao novo ambiente de trabalho e à nova forma de fazer ditada pelas novas tecnologias.


É preciso aprender a pós-editar, tanto com os programas de tradução assistida como com os de tradução automática. Devemos esforçar-nos por implantar os sistemas que ajudem a melhorar o nosso trabalho e não podemos esquecer a nossa qualidade de vida; isso significa que é preciso realizar um investimento de tempo e dinheiro, em equipamento e em formação.


Sempre se disse, e agora é mais verdade do que nunca, que um tradutor deve estar bem equipado. Devemos ter um software e um computador que nos permitam fazer um bom trabalho e optimizar o nosso tempo e os nossos recursos. Devemos pesquisar as novidades do mercado e incorporar as que pareçam mais produtivas e apropriadas no nosso círculo de trabalho.


No que toca à formação, é lógico que não nos podemos limitar a dominar as ferramentas habituais. É preciso dominar um número maior de ferramentas e mantermo-nos actualizados, aprendendo a usar as versões mais recentes dos programas que utilizamos.


Um aspecto da profissão do tradutor que tem sido negligenciado até há pouco tempo é a importância de estar bem informado e manter uma rede de comunicações. É vital estarmos informados sobre os avanços que se dão e também é vital o intercâmbio de informação com outros tradutores que nos põem a par de notícias e ofertas que recebem de outras direcções. A Internet tem contribuido muito nesse sentido, já que nela aparece uma grande quantidade de listas de discussão que facilitam o intercâmbio e a colaboração entre tradutores. Também é preciso lembrar o papel das associações, que agrupam um número cada vez maior de tradutores e que realizam uma função social, lúdica e de consultoria muito importante.


Em poucas palavras: A ACTUALIZAÇÃO É NECESSÁRIA.



Sabemos de onde vimos, mas... sabemos para onde vamos?

Hoje em dia, a presença de documentos originais em papel ainda é muito importante (fora do âmbito da localização de software e das traduções de grande volume, é lógico). Isso faz com que haja muitos profissionais que ainda não questionaram o uso de ferramentas de ajuda à tradução.


Contudo, os tradutores que recebem documentos originais em formato eletrónico já se começam a questionar sobre esta mudança no seu sistema de trabalho e, pouco a pouco, vão dando um passo à frente.


É evidente que os sistemas de tradução são cada vez mais imprescindíveis se quisermos optimizar o tempo, os recursos e a criatividade, e se quisermos responder à demanda dos consumidores de traduções, que nos pedem uma gestão integral do projecto, coerência terminológica e estilística e prazos de entrega bastante reduzidos.


Também devemos estar cientes de que existe uma tendência cada vez mais geral de integrar a tradução assistida com a automática com o propósito de aproveitar as melhores qualidades de ambas. Os fabricantes de software começam a estabelecer pontes para o intercâmbio de arquivos entre os programas de um tipo e de outro, de maneira a que o tradutor possa aproveitar a riqueza da memória do sistema de tradução assistida e, ao mesmo tempo, beneficiar dos aspectos mais positivos da tradução automática.


Desta forma, no futuro, o nosso ambiente de trabalho e a forma de traduzir evoluirão mais ainda. Existe uma necessidade cada vez maior de estarmos continuamente formados e reciclados a fim de termos um conhecimento das inovações que estão a surgir.


Para concluir, convém dizer que há certas atitudes que se devem evitar: alguém poderá afirmar algo tão conhecido como "as máquinas roubarão o nosso trabalho". Não é verdade. Faltam ainda muitos anos para que uma máquina, por si só, seja capaz de fazer uma tradução que não requeira nenhum tipo de revisão humana, no caso de algum dia isso se tornar realidade. As traduções sempre necessitarão do toque intuitivo. E é aqui que entra o revisor humano.


As máquinas não têm intuição, mas têm memória. Aproveitemo-la!

     
Outubro 2001

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