A PRONÚNCIA DO PORTUGUÊS EUROPEU

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Distribuição das Vogais e das Consoantes no Português Europeu
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Fonética e Fonologia: Que diferença?

Distribuição das Vogais e das Consoantes no Português Europeu

 

As Vogais

A análise da distribuição das vogais no Português está fundamentalmente relacionada com o facto de elas receberem, ou não, o acento tónico (ou acento de palavra). A seguir encontram-se exemplos da distribuição das vogais oraise nasais acentuadas e átonas pré-tónicas, átonas pós-tónicas e átonas finais.

 
Vogais Orais
Acentuadas Átonas Pré-Tónicas
[´i] silo ['silu] [i]
[´e] selo ['selu] (N)
   
   
[´a]
[u]
[´o]    
[´u]    
Átonas pós-tónicas não finais Átonas em posição final
[i]    
[u] [u] bato ['batu]
 
Vogais Nasais
Acentuadas Átonas Pré-Tónicas
 

No que respeita à distribuição das vogais, nota-se o seguinte:

• Todas as vogais orais podem ser acentuadas, excepto a vogal .

• As vogais tónicas correspondem às que foram identificadas como fonemas da língua. Entre as átonas encontram-se duas que não ocorrem como tónicas: o e o .

• O é uma vogal alta e central, não acentuada e muito reduzida, e resulta normalmente da alteração de /e/ ou /E/ quando está entre consoantes (por exemplo selo (N) ['selu] / selar ou selo (V) / selar ) ou em fim de palavra, (por exemplo bate ). No início de palavra nunca ocorre excepto quando seguida de , ou , caso em que normalmente é suprimida, como em estar   ou esconder  . A pronúncia de aproxima-se da vogal média /e/ mas a língua eleva-se um pouco e recua (é menos audível e um pouco mais elevada que o schwa ou o e muet do Francês). Na fala coloquial, esta vogal é habitualmente suprimida.

• A vogal não acentuada é também central, resulta de uma elevação do /a/ e aproxima-se do à de but do Inglês. Ocorre entre consoantes e no fim de palavra como, por exemplo em talhar  / talha .

• Note-se que no nível fonético da norma-padrão do Português Europeu, também pode ocorrer um acentuado que resulta de um /e/ fonológico acentuado, ortograficamente <e>, quando está antes de uma consoante palatal (por exemplo em telha ou tenho ) ou antes da semivogal /j/ (por exemplo em leite ). Se o /a/ fonológico acentuado preceder uma consoante nasal, a sua realização fonética também é um ().

• Em posição final não acentuada apenas se encontram três vogais, , e [u].

• As vogais nasais são em menor número do que as orais e não ocorrem em sílaba pós-tónica, excepto nos ditongos de palavras como viagem (ditongo ), ou órgão (ditongo ) ou, ainda, nas terceiras pessoas do plural dos verbos, como falem e falam .

O Quadro 3 inclui as vogais tónicas, átonas pré- e pós-tónicas não finais, e átonas finais.

  Acentuadas Pré- e Pós-tónicas não finais Finais
Altas
Médias
Baixas    
É em posição acentuada que se encontra o maior número de vogais.
 

Por que são diferentes as vogais acentuadas e átonas?

O acento de palavra ao reforçar uma das sílabas da palavra diminui a intensidade das restantes. Essas vogais das sílabas átonas integram-se num processo fonológico que caracteriza o Português Europeu. Considera-se um processo fonológico um aspecto do funcionamento da fonologia de uma língua que atinge, de forma sistemática, vários elementos que possuem algo em comum – neste caso, o facto de as vogais estarem integradas em sílabas não acentuadas, estando sujeitas ao processo do vocalismo átono cujo funcionamento resulta da aplicação de regras gerais.

Para verificarmos a forma sistemática como funciona a redução das vogais átonas partimos de uma comparação entre palavras organizadas por pares que têm o mesmo radical fonológico (por exemplo, belo e beleza) e constatamos que a vogal desse radical tem duas realizações fonéticas: quando é acentuada e quando é átona (nos exemplos, a vogal tónica e a correspondente átona estão sublinhadas e a sílaba acentuada está precedida do diacrítico [´] embora este diacrítico não faça parte da ortografia das palavras).
 
Vogais Tónicas Vogais Átonas
'livro [i] li'vrinho [i]
'medo [e] me'droso
'belo be'leza
'sapo [a] sa'pinho
'porta por'teira [u]
'fogo [o] fo'gueira [u]
'luz [u] lu'zeiro [u]
 

Nos exemplos apresentados, às sete vogais tónicas correspondem apenas quatro átonas . Portanto, as distinções entre foram neutralizadas – ou seja, nestes dois casos as respectivas vogais sofreram uma neutralização, deixando de se distinguir. Quanto às tónicas [i] e [u], não sofrem alteração quando átonas. Se partirmos das sete vogais tónicas – vogais fonológicas – para as quatro átonas que são vogais fonéticas, verificamos uma alteração de pronúncia que resulta da aplicação das regras do vocalismo átono do Português Europeu. Essa alteração descreve-se como segue:

/a /fonológico realiza-se como fonético em posição não-acentuada;
fonológicos realizam-se como fonético em posição não-acentuada;
fonológicos realizam-se como [u] fonético em posição não-acentuada;
/i/ e /u/ não se alteram

Ou seja: /a/, vogal baixa, eleva-se passando a , média; , médias e baixas, elevam-se tornando-se altas, respectivamente, e [u]. Além disso, as vogais que são anteriores tornam-se que é central. Estas observações mostram que o vocalismo átono do português está sujeito a um processo de elevação e centralização ( anteriores  passam  a centrais) que se representa no Quadro 4.

 

Representação da elevação e centralização das vogais átonas

 

A vogal elevada e centralizada é quase sempre suprimida na fala coloquial em determinados contextos ([u] também pode sê-lo mas com menos frequência).

Quando a vogal representada ortograficamente por <e> está no início de palavra e é seguida por <s> e consoante, como em estar, esbater, esconder, realiza-se como mas é regularmente suprimida (estar , esbater , esconder).

Quando a vogal está entre duas consoantes, seja em posição pré-tónica ou pós-tónica, a sua supressão é habitual (meter, despegar , velocípede , ómega ; a vogal [u] neste contexto pode também ser suprimida (psicologia ).

Quando as vogais ou [u] estão em fim de palavra, depois de uma consoante e antes de outra consoante que inicia a palavra seguinte, como em, bate depressa, toque com verdade, toco com verdade, as vogais são suprimidas na fala coloquial, sendo a supressão de mais frequente do que a de [u] (bate depressa , toque com verdade, toco com verdade . No caso de toque / toco com verdade a supressão da vogal final de toque e de toco cria uma sequência de duas consoantes iguais que se fundem numa só .

As mesmas vogais e [u] quando estão seguidas de outra vogal (como em cear passeata, soar, toalha) realizam-se como semivogais e nunca podem ser suprimidas (cear , passeata , soar, toalha ).

 

Excepções à elevação e centralização das vogais átonas

Nem todas as vogais átonas apresentam as modificações de elevação e centralização atrás indicadas. Algumas mantêm os traços das vogais tónicas. A manutenção desses traços pode dever-se ao contexto de palavra – o que permite designar estas excepções como regulares porque ocorrem sempre que se encontram nesse contexto –  ou pode resultar de uma marcação que as respectivas palavras têm no léxico da língua.

 

Excepções regulares

As vogais átonas que não seguem as regras gerais do vocalismo átono estão sempre em posição pré-tónica. Nos exemplos seguintes, as vogais tónicas e as correspondentes átonas estão integradas nas mesmas sílabas. As formas da direita como , etc. são as realizações que se esperariam, de acordo com as regras gerais do vocalismo átono, mas que não ocorrem por se tratar de formas excepcionais (por não ocorrerem estão precedidas de um asterisco).

 
 
'sal [a] sal'gado [a]
'relva rel'vado
'feltro [e] fel'tragem [e]
'molde mol'dar
'polpa [o] pol'pudo [o]
 

Embora a formação dos derivados tenha alterado o lugar da vogal acentuada, a vogal que ficou em posição átona não sofreu modificação, mantendo-se baixa. Tal excepção às regras gerais deve-se ao contexto em que a vogal está incluída, nestes caso, uma sílaba terminada em . No que respeita às vogais pós-tónicas, as palavras terminadas em também contêm vogal átona não reduzida, como revolver , cadáver , líder  . Nota-se, no entanto, uma tendência para integrar algumas destas palavras nas regras gerais da língua, com a pronúncia cadávre (plural: cadávres ).

Existem outros contextos em que as vogais átonas também não seguem a regra geral, como nas palavras seguintes:

 
 
'gaita [a] gai'teiro [a] e não *
'pauta [a] pau'tado [a] e não *
'deus [e] endeu'sar [e] e não
'foice [o] foi'cinha [o] e não [u]
'touro [o] tou'rada [o] e não [u]2
'bóia boi'ar / [o] e não [u]
 

Nestes exemplos as vogais estão integradas num ditongo decrescente ([aj], [ew] etc.) e esse contexto não permite a sua elevação (no caso de boiar, existe uma variação entre a vogal média, [o], e a vogal baixa, , mas não se dá, de qualquer modo, a elevação para [u]).

Um outro contexto que impede a aplicação das regras gerais é o contexto inicial de palavra. Neste caso, as vogais não se pronunciam como altas, ou seja, como e [u]. Além disso, também não se tornam , ou seja, centrais, embora muitas vezes evidenciem uma certa variação.

 
   

Finalmente, as palavras formadas com os sufixos –zinho, –zito, –zão etc., e com o sufixo –mente. Estas palavras também não recebem a aplicação da regra geral do vocalismo átono e as vogais tónicas da palavra primitiva, embora passem a átonas na derivada, mantêm a sua qualidade (se o sufixo for –inho ou –íssimo já as vogais átonas ficam reduzidas).

 
 
a) devagar'zinho [a] (vs. devaga'rinho   )
  pobre'zito (vs. po'bríssimo   [u]
  papel'zinho (vs. pape'linho   )
  mulher'zona (vs. mulhe'rona   
b) parca'mente [a]  
  bela'mente  
  seca'mente  
  pobre'mente  
 

Estas palavras são as que a gramática tradicional considera terem um ‘acento secundário’. Na realidade, estes sufixos (tanto os dos nomes como o dos advérbios) funcionam como palavras que se adicionam à palavra primitiva e formam uma nova palavra que se comporta como um composto.

 

Excepções marcadas no léxico

As vogais átonas das palavras seguintes mantêm-se sem elevação nem centralização e essa manutenção não pode ser explicada em consequência do contexto. Essas são verdadeiras excepções e têm que ser aprendidas.

 

As vogais átonas pré-tónicas destas palavras estão marcadas no léxico como não sujeitas à regra do vocalismo átono e, portanto, não se reduzem. A não redução destas vogais átonas é por vezes indicada ortograficamente com uma consoante etimológica que quase nunca se pronuncia (por exemplo, redacção , baptismo ). Esse aspecto é exclusivamente ortográfico, visto que há palavras com as mesmas características que não têm indicação ortográfica, como se pode verificar nos exemplos abaixo incluídos.

 
 
dila'ção mes'trado
inva'sor pre'gar
absor'ver co'rar
      aque'cer
 

Concluindo: os vários grupos de excepções às regras das vogais átonas no Português Europeu mostram que, além das vogais , resultantes da aplicação dessas  regras, todas as outras vogais podem igualmente ocorrer em posição átona pré-tónica nos contextos de excepção.

 

Distribuição das consoantes no Português Europeu

Relativamente à distribuição das consoantes, importa verificar quais podem iniciar palavra, quais se encontram entre vogais, quais podem terminar palavra. Todas as consoantes podem ocorrer entre vogais, no meio da palavra. No início de palavra, há três consoantes que não ocorrem: . Vejam-se exemplos destas consoantes em posição medial: malha ; manha ; caro.

 

Sobre a distribuição das consoantes, note-se ainda:

Apenas três consoantes se encontram em fim de palavra.
, além de terminar palavra ou sílaba, também pode iniciar sílaba dentro da palavra (p.ex. par   / paro ).
apenas se encontra em final de palavra ou de sílaba (p.ex. cal e caldo ).
encontra-se em final absoluto de palavra. Em fim de sílaba, esta consoante alterna com conforme a sonoridade da consoante que se lhe segue (p.ex. , não-vozeada, ocorre em rasca ou em suspiro porque as consoantes seguintes, [k] e [p], são não-vozeadas; , vozeada, ocorre em rasga ou em Lisboa porque [g] e [b] são vozeadas).

 

Distribuição das semivogais (ou glides)

As semivogais ou glides que se encontram no nível fonético do Português (representadas por [j] e [w], e ) constituem, com as vogais que as antecedem, ‘ditongos decrescentes’. As semivogais têm características idênticas às das vogais [i] e [u], e , mas distinguem-se delas por terem uma pronúncia mais breve, não poderem receber o acento de palavra nem constituírem núcleo de sílaba. A existência de numerosos ditongos orais e nasais é uma das características mais evidentes da língua portuguesa. Os exemplos seguintes incluem todos os ditongos decrescentes do Português Europeu. Em ditongos nasais, as semivogais são necessariamente nasalizadas.

 
Semivogais orais
Ditongos decrescentes acentuados
   
   
Ditongos decrescentes pré-tónicos
   
 
Como se pode verificar, as semivogais constituem ditongos orais com todas as vogais, excepto nos seguintes casos: *[ij], , *[uw]. Os ditongos [ej] e [ow] existem em dialectos do Português Europeu diferentes do dialecto-padrão, e em dialectos brasileiros.
 
Semivogais nasais
   
   
 

Leituras complementares

Delgado-Martins, Maria Raquel (1973) Análise acústica das vogais tónicas do português. In Delgado Martins (2002): 41-52.

Delgado-Martins, Maria Raquel (1982). Aspects de l’accent en portugais. Voyelles toniques et atones. Hamburg: Buske.

Delgado Martins, Maria Raquel (2002) Fonética do Português. Trinta anos de investigação. Lisboa: Editorial Caminho,

Mateus, Maria Helena Mira, Falé, Isabel e Freitas, Maria João (2005) Fonética e Fonologia do Português. Lisboa: Universidade Aberta

Morais Barbosa, Jorge (1965) Études de phonologie portugaise. Lisboa: Junta de Investigações Científicas do Ultramar. (Segunda edição. Évora: Universidade de Évora 1983).

Rodrigues, Maria Celeste (2004) Lisboa e Braga: Fonologia e Variação. Lisboa: FCG/FCT.

Rio-Torto, Graça e Pereira, Isabel (2003) Condições de ocorrência e estatuto de z-sufixos.In Razão e Emoção. Miscelânia de estudos oferecida a Maria Helena Mira Mateus, Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda Vol. II: 291-306

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