A PRONÚNCIA DO PORTUGUÊS EUROPEU

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O Acento de Palavra no Português

O Acento nos Verbos

 

As formas verbais não têm a mesma regularidade de acentuação que as nominais. Para compreendermos onde incide o acento tónico temos de formar três grupos de tempos verbais: os Tempos do Presente, os Tempos do Passado e os Tempos do Futuro.

 
Tempos do Presente Tempos do Passado Tempos do Futuro
Presente do Indicativo Imperfeito do Indicativo Futuro do Indicativo
Presente do Conjuntivo Perfeito do Indicativo Condicional
Imperativo Mais-que-Perfeito do Indicativo  
Infinitivo não flexionado Imperfeito do Conjuntivo  
Infinitivo flexionado Futuro do Conjuntivo  
Gerúndio Particípio passado  
 

As formas verbais do Português são constituídas pelo radical (a parte da palavra comum a todas as formas, como fal- no verbo falar), pela vogal temática (que distingue as conjugações como o /a/ na primeira a que pertence falar, /e/ na segunda a que pertence bater e /i/ na terceira a que pertence partir).e pelos sufixos de tempo e pessoa. Os verbos com que se exemplifica a constituição das formas verbais e a sua acentuação são falar, bater e partir. Nos exemplos que se seguem, o radical e a vogal temática  estão seguidos de uma fronteira, representada por [+], que os separa dos sufixos de pessoa (no caso destes exemplos, o sufixo da 1ª pessoa do plural).

 
 
 fala+mos bate+mos parti+mos
 

 

Tempos do Presente

A acentuação nos Tempos do Presente tem em conta que uma parte das formas mantém a vogal temática (como em fala+mos, bate+mos e parti+mos) e que em outras formas a vogal temática é suprimida (como em fal+o, bat+o, part+o). Quando se mantém a vogal temática, o acento incide sobre ela (Infinitivo, fa'la+r, Gerúndio, fa'la+ndo, e as 1ª e 2ª pessoas do plural do Presente do Indicativo, fa'la+mos, fa'la+is). Quando a vogal temática é suprimida (ou quando está na última sílaba, como nas 2ª e 3ª pessoas do singular do Presente do Indicativo, falas , fala) o acento incide sobre a última vogal do radical (como em 'fal+o, 'bat+o, 'part+o, 1ª pessoa do singular do Presente do Indicativo) ou sobre o sufixo do Presente do Conjuntivo que substitui a vogal temática (sufixos /e/ na primeira conjugação e /a/ nas outras duas, como em fa'le+mos, ba'ta+mos, par'ta+mos). A sílaba tónica de todas as formas verbais está antecedida do diacrítico [']:

 
Presente do Indicativo
'fal+o 'bat+o   'part+o
'fala+s 'bate+s   'parte+s
  'fala   'bate   'parte
fa'la+mos ba'te+mos par'ti+mos
fa'la+is ba'te+is par'ti+is
'fala+m 'bate+m 'parte+m
 

A pronúncia destas formas verbais na norma-padrão tem as seguintes particularidades:

• A vogal temática em falamos (1ª pessoa do plural) é a vogal média por estar seguida de uma nasal, enquanto em falais (2ª pessoa do plural) se mantém baixa, [a].

• A vogal temática de bateis pronuncia-se como , formando o ditongo com a semivogal do sufixo. (a grafia <ei> corresponde sempre a este ditongo na norma do Português Europeu).

• As Terminações das 3ªs pessoas do plural de todas as formas verbais (com excepção do Futuro e do Condicional) não são acentuadas e pronunciam-se como ditongos nasais por influência do sufixo constituído pela consoante nasal. Assim, em falam o <am> representa e em batem e partem o <em> representa .

• Embora a 2ª pessoa do plural de todos os tempos verbais seja raramente utilizada na norma-padrão do Português Europeu, deve notar-se que, na terceira conjugação a vogal temática, [i], funde-se com a vogal  do sufixo (como em partis), e tem como resultado a terminação .

 
Presente do Conjuntivo
'fale 'bata 'parta
  'fale+s   'bata+s   'parta+s
  'fale   bata   'parta
  fa'le+mos   ba'ta+mos   par'ta+mos
  fa'le+is   ba'ta+is   par'ta+is
  'fale+m   'bata+m   'parta+m
 

Neste tempo verbal, a vogal que se segue ao radical é o sufixo do Presente do Conjuntivo – graficamente, <e> na primeira conjugação e <a> nas outras duas. No que respeita à pronúncia:

Como no Indicativo, <a> na 1ª pessoa do plural das segunda e terceira conjugações representa a vogal por influência da consoante nasal (batamos e partamos).

A grafia <ei> de faleis representa o ditongo , como no Indicativo.

As terminações das 3ªs pessoas do plural pronunciam-se como ditongos nasais por influência do sufixo nasal, tal como no Indicativo, mas a sua distribuição é inversa: na primeira conjugação, como em falem, e na segunda e na terceira, como em batam e partam.

 

Tempo do Passado

Nos Tempos do Passado o acento incide sempre na vogal temática. Como as formas verbais acentuadas nesta vogal são as mais numerosas, têm sido entendidas como as que caracterizam a acentuação dos verbos em Português, tal como em outras línguas românicas como o Espanhol e o Italiano.

Nos verbos regulares, os três tempos seguintes – Imperfeito e Mais-que-Perfeito do Indicativo e Imperfeito do Conjuntivo – têm o mesmo comportamento quanto à acentuação.

 
Imperfeito do Indicativo (sufixo de tempo va / -ia)
fa'lava ba'tia par'tia
  fa'ava+s   ba'tia+s   par'tia+s
  fa'lava   ba'tia   par'tia
  fa'láva+mos   ba'tía+mos   par'tía+mos
  fa'láve+is   ba'tíe+is   par'tíe+is
  fa'lava+m   ba'tia+m   par'tia+m
 
Mais-que-perfeito do Indicativo (sufixo de tempo –ra)
fa'lara ba'tera par'tira
  fa'lara+s   ba'tera+s   par'tira+s
  fa'lara   ba'tera   par'tira
  fa'lára+mos   ba'têra+mos   par'tíra+mos
  fa'láre+is   ba'têre+is   par'tíre+is
  fa'lara+m   ba'tera+m   par'tira+m
 
Imperfeito do Conjuntivo (sufixo de tempo –sse)
fa'lasse ba'tesse par'tisse
  fa'lasse+s   ba'tesse+s   par'tisse+s
  fa'lasse   ba'tesse   par'tisse
  fa'lásse+mos   ba'têsse+mos   par'tísse+mos
  fa'lásse+is   ba'têsse+is   par'tísse+is
  fa'lasse+m   ba'tesse+m   par'tisse+m
 

No que respeita à pronúncia das formas destes três tempos, nota-se que:

• A vogal temática é sempre a acentuada (na segunda conjugação, a vogal temática /e/ realiza-se como [i] no Imperfeito do Indicativo para aprofundar a distância entre a vogal temática e o do sufixo – batia, batias etc.).

• A vogal /a/ dos sufixos –va e –ra torna-se [e] na 2ª pessoa do plural aproximando-se da vogal do sufixo de pessoa – is e forma o ditongo [ej] com semivocalização dessa vogal (faláveis, faláreis). A sequência gráfica <ei> representa essa alteração. Na norma-padrão do Português Europeu, [ej] pronuncia-se sempre como .

• As terminações da 3ª pessoa do plural, graficamente <am> (Imperfeito e Mais –que-Perfeito) e <em> (Imperfeito do Conjuntivo) realizam-se, respectivamente, como e (falavam, batiam, partiam; falaram, bateram, partiram; falassem, batessem, partissem).

• A manutenção do acento na vogal temática cria formas acentuadas na antepenúltima vogal a nível fonético (como por exemplo falávamos e falássemos, batêramos, partíramos)

O tempo mais irregular da conjugação verbal do Português é o Perfeito do Indicativo. Em várias formas a vogal temática realiza-se com alterações em consequência do contexto vocálico, em outras formas funde-se com os sufixos de pessoa.

 
Perfeito do Indicativo
fa'le+i ba'ti+i par'ti+i
  fa'la+ste   ba'te+ste   par'ti+ste
  fa'lo+u   ba'te+u   par'ti+u
  fa'lá+mos   ba'te+mos   par'ti+mos
  fa'la+stes   ba'te+stes   par'ti+stes
  fa'la+ram   ba'te+ram   par'ti+ram
 

Se partirmos dos sufixos de pessoa na apreciação deste tempo verbal verificamos que todos os sufixos são diferentes dos sufixos pessoais dos outros tempos:

• A 1ª e a 3ª pessoas do singular têm os sufixos [i] e [u] que causam alterações na realização da vogal temática:

• /a/ torna-se [e] por influência de [i] em falei e o ditongo formado pronuncia-se como na norma-padrão ;

•  /e/ torna-se [i] na segunda conjugação por influência do [i] e os dois [ii] seguidos fundem-se num só em bati e parti ;

• /a/ torna-se [o] por influência de [u] em falou mas o ditongo final monotongou passando a pronunciar-se como a vogal [o]2.

• A 2ª pessoa do singular tem o sufixo –ste que, por analogia com a 2ª pessoa do singular dos outros tempos verbais terminados em –s (como falas, bates, partias, etc.), é muitas vezes pronunciada como –stes, como *falastes, coincidindo assim com a 2ª pessoa do plural. Quando esta realização pretende ser a 2ª pessoa do singular, ela é considerada errada na norma-padrão.

• A 1ª pessoa do plural deste tempo nos verbos da primeira conjugação mantém a vogal baixa [a] antes de nasal, motivo porque é marcada ortograficamente com diacrítico: falámos .

• A 3ª pessoa do plural termina em –ram, pronunciada , no que difere das correspondentes formas verbais dos outros tempos .

 

Tempos do Futuro

Nos Tempos do Futuro – Futuro do Indicativo e Condicional – o acento incide sempre na primeira vogal do sufixo:

 
Futuro do Indicativo
fala're+i bate're+i parti're+i
  fala'rá+s   bate'rá+s   parti'rá+s
  fala'rá   bate'rá   parti'rá
  fala're+mos   bate're+mos   parti're+mos
  fala're+is   bate're+is   parti're+is
  fala'rã+o   bate'rã+o   parti'rã+o
 
Condicional
fala'ria bate'ria parti'ria
  fala'ria+s   bate'ria+s   parti'ria+s
  fala'ria   bate'ria   parti'ria
  fala'ría+mos   bate'ría+mos   parti'ría+mos
  fala'ríe+is   bate'ríe+is   parti'ríe+is
  fala'ria+m   bate'ria+m   parti'ria+m
 

No Futuro e no Condicional a acentuação incide no sufixo de tempo.

• Os sufixos são acentuados na primeira vogal em todas as formas.

• A sequência gráfica <ei> na 1ª pessoa do singular do Futuro e na 2ª pessoa do plural do Futuro e do Condicional, representa, também aqui, o ditongo (falarei , baterei , partirei, falaríeis bateríeis, partiríeis .

• A 3ª pessoa do plural do Futuro termina em ditongo nasal acentuado, (falarão , baterão, partirão ).

Em conclusão: a vogal que recebe o acento nas formas verbais regulares pode ser a última da palavra (falei, bati, parti), a penúltima (falo, bato, falava, etc.) ou a antepenúltima (falávamos, batêssemos, partíssemos) porque não é a sua posição no nível fonético que determina a acentuação mas sim a estrutura morfológica da forma verbal, tal como sucede nos nomes e adjectivos. Em consequência de a acentuação das palavras estar relacionada com a sua constituição morfológica, o Português pode considerar-se o que tradicionalmente se designa como uma língua deacento livre’, por oposição às línguas deacento fixo’ como, por exemplo o Francês, em que as palavras são sempre acentuadas numa determinada sílaba, independentemente do constituinte morfológico a que pertencem.

 

Os verbos irregulares

• Como todas as línguas, o Português tem verbos com irregularidades fonológicas que formam grupos distintos.

Verbos com alternância das consoantes do radical entre o Infinitivo, por um lado, e a 1ª pessoa do singular do Presente do Indicativo e todas as pessoas do Presente do Conjuntivo, por outro.

(verbos dizer, trazer, fazer, ouvir, medir, poder, pedir, perder, valer).

 
Infinitivo Presente do Indicativo Presente do Conjuntivo
dizer [z] digo [g] diga [g]
trazer [z] trago [g] traga [g]
fazer [z] faço [s] faça [s]
ouvir [v] ouço [s] ouça [s]
medir [d] meço [s] meça [s]
poder [d] posso [s] possa [s]
pedir [d] peço [s] peça [s]
perder [d] perco [k] perca [k]
valer [i] valho valha
 

• Verbos sem consoante do radical no Infinitivo alternando com consoante do radical na 1ª pessoa do singular do Presente do Indicativo (excepções: hei e sou) e em todas as do Presente do Conjuntivo

(verbos haver, ter, vir, pôr, ser, ver)

 
Infinitivo Presente do Indicativo Presente do Conjuntivo
haver hei haja
ser sou seja
ver vejo veja
ter tenho tenha
vir venho venha
pôr ponho ponha
 

• Verbos com uma semivogal a seguir à vogal do radical na 1ª pessoa do singular do Presente do Indicativo (excepção: quero) e em todas as do Presente do Conjuntivo.

(verbos caber, saber, cair e querer)

 
  Infinitivo Presente do Indicativo Presente do Conjuntivo
caber caibo caiba
saber sei saiba
cair caio caia
querer quero queira
 

• Verbos com alternância de vogais e consoantes do radical entre Infinitivo/Tempos do Presente, por um lado, e Tempos do Passado (Perfeito do Indicativo, Mais-que-Perfeito do Indicativo, Imperfeito do Conjuntivo e Futuro do Conjuntivo), por outro lado.

• Verbos com alternância da vogal e/ou da consoante do radical – comparação entre Infinitivo e 1ª pessoa do singular

(verbos querer, ter, pôr, trazer, dizer, caber haver, saber, poder)

 
Infinitivo / Tempos do Presente Tempos do Passado
querer / quero quis / quisera / quisesse / quiser
fazer / faço fiz / fizera / fizesse / fizer
ter / tenho tive / tivera / tivesse / tiver
pôr / ponho pus / pusera / pusesse / puser
dizer / digo disse / dissera / dissesse / disser
trazer / trago trouxe / trouxera / trouxesse / trouxer
caber / caibo coube / coubera / coubesse / couber
haver / hei houve / houvera / houvesse / houver
saber / sei soube / soubera / soubesse / souber
poder / posso pude / pudera / pudesse / puder
 

Restrições relacionadas com o acento

A relação estabelecida entre o acento e os constituintes morfológicos das palavras tem também reflexos nas características métricas da língua que são parte determinante da estrutura rítmica. Vejamos os seguintes aspectos:

• Não ocorrem em Português ditongos em sílabas pós-tónicas, excepto em alguns nomes e adjectivos que são excepções à regra geral de acento (como órfão , viagem , nos plurais de palavras também excepcionais (como fúteis , automóveis , frágeis ) e nas terceiras pessoas do plural dos verbos (como em falaram ou pairam ).

• Se a sílaba tónica contiver um ditongo (como em pairam) as restrições são ainda mais fortes, e as únicas ocorrências possíveis de ditongos pós-tónicos são formas verbais da terceira pessoa do plural (exactamente como pairam).

• Existe ainda, em Português, uma outra restrição na penúltima sílaba das palavras denominadas ‘esdrúxulas’ (como dúvida, público, ágape ou falávamos). Nestas palavras a penúltima sílaba da palavra, não pode conter um ditongo, não pode ter uma vogal nasal nem pode terminar em consoante. Palavras como *dúveida por exemplo, com um ditongo na penúltima sílaba e o acento na antepenúltima, nunca poderiam existir no Português

Todas estas restrições decorrem do limite permitido até à fronteira da palavra, em número e “peso” das sílabas incluindo a tónica. Assim, como em Português as palavras não podem ter acento para trás da terceira sílaba a contar do fim (o que se denomina a “janela das três sílabas”), elas também não podem ter duas sílabas pós-tónicas pesadas, ou seja, com um ditongo ou vogal nasal, ou terminadas em consoante. Essa característica concorre para a delimitação das palavras e para o ritmo particular de uma língua, neste caso, o Português.

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