| Número 10 | Novembro 2006 |
Editorial
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Ana Estrela, Jurista-linguista no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias
Inês Lopes, tradutora da unidade portuguesa na União Europeia
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Colóquio «Tradução: Ensino, Mercado, Prática, Instrumentos»
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1.º Fórum Internacional de Tradução e Interpretação - Compromisso Social
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Além dos órgãos executivo e legislativo (a Comissão Europeia, o Parlamento e o Conselho Europeus), a União Europeia dispõe de dois órgãos de consulta obrigatória – o Comité das Regiões e o Comité Económico e Social. O primeiro reúne mais de 300 representantes eleitos de governos locais e regionais, tendo ocupado o cargo de vice-presidente da instituição, quer Fernando Gomes, enquanto Presidente da Câmara do Porto, quer Alberto João Jardim, líder do Governo da Região Autónoma da Madeira. A sua organização reflecte a organização do Parlamento Europeu com comissões sectoriais e grupos políticos e o seu regime linguístico em reuniões abrange também as línguas regionais espanholas, tais como o Galego, o Catalão e o Basco. O segundo é formado por representantes da sociedade civil, divididos em três grupos paritários, o patronato, os sindicatos e um grupo de interesses diversos, por exemplo, dos consumidores, sendo que um dos seus membros foi destacado pela DECO.

Inês Lopes, tradutora da unidade portuguesa, descreve-nos o funcionamento do serviço da tradução que serve estes dois órgãos e os desafios do seu trabalho.


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“E agora?” Tal como a grande maioria dos recém-licenciados em línguas em Portugal, quando terminei o curso de Línguas e Literaturas Modernas (variante de Francês e Alemão), à minha frente via apenas um grande ponto de interrogação. A certeza era só uma: a de não querer seguir a via de ensino, consciente da minha falta de qualidades necessárias para exercer a nobre profissão de professor. Apesar da licenciatura e dos cursos de línguas que tive oportunidade de frequentar em Portugal e no estrangeiro, sentia uma grande necessidade de aprender mais, de me especializar numa área que me permitisse avançar para o mercado de trabalho com a convicção de que seria uma boa profissional.

Assim, frequentei um curso de especialização em legendagem e logo de seguida embarquei no que acabaria por ser a grande aventura da minha formação profissional – a pós-graduação em Interpretação de Conferências. Chamo-lhe aventura por ter acontecido um pouco por acaso: descobri o curso numa pesquisa na Internet e percebi desde logo que seria um desafio. Não me enganei. Hoje posso afirmar que se trata de uma formação que, em troca de muita dedicação, nos oferece um enriquecimento profissional e pessoal que, lamentavelmente, é difícil encontrar em Portugal. Foi com este curso que comecei a conhecer a fundo a União Europeia (UE) e o funcionamento das suas instituições e políticas e que me apercebi também de que, através dos meus conhecimentos de línguas, poderia dar o meu contributo para o funcionamento desta grande máquina.

Foi com esse objectivo que me candidatei ao estágio de tradução do Parlamento Europeu, o qual me ofereceu três meses de formação na unidade portuguesa, no Luxemburgo. Pouco tempo depois surgiu a oportunidade de trabalhar como tradutora para os serviços conjuntos do Comité Económico e Social Europeu (CESE) e Comité das Regiões (CR), em Bruxelas, onde continuo até hoje.

Apesar de serem duas instituições independentes, o CESE e o CR partilham diversos serviços, entre os quais o serviço de tradução, que conta com 19 unidades linguísticas e um pequeno departamento de maltês. Devido à falta de tradutores, esta língua ainda não tem uma unidade formada, que, para ser considerada como tal deverá ter um chefe de unidade, uma média de 16 tradutores (28, no caso das unidades inglesa, francesa e alemã) e 6 a 9 secretárias assistentes. Além dos colaboradores permanentes, em função das necessidades, os serviços de tradução podem recorrer, sob determinadas condições, à colaboração de tradutores externos.

Em 2005, num total de mais de 320 000 páginas traduzidas pelos serviços de tradução dos Comités, a unidade portuguesa contribuiu com cerca de 18 000. Não seria correcto afirmar que uma unidade tem mais importância que outra: o volume de trabalho está relativamente equilibrado entre as várias “línguas de chegada”. A grande diferença verifica-se nas “línguas de partida”: em 2005, o francês, inglês e alemão foram a língua de produção de 79% dos documentos no Comité (com respectivamente 38%, 31% e 10%).

Ao nível da cobertura linguística, constata-se o mesmo equilíbrio: há uma grande diferença na situação pré e pós-alargamento da UE aos 10 novos Estados-Membros, em Maio de 2004. Antes do alargamento, cada unidade assegurava a tradução “directa” a partir de quase todas as línguas de trabalho; após o alargamento, o número de combinações linguísticas possíveis passou de 110 para 380, o que dificulta consideravelmente esta tarefa. Para tal, instituiu-se o sistema de “línguas-pivot” com base no inglês, francês e alemão: todos os documentos cuja língua original não seja uma destas três serão imediatamente traduzidos para uma dessas línguas, por forma a permitir às unidades optarem por recorrer a essa versão, caso não disponham de meios para a tradução directa a partir da língua original do documento. Prevê-se que em 2009 se recorrerá igualmente ao espanhol, italiano e polaco como línguas pivot. Até lá, a preparação dos tradutores para trabalharem a partir do maior número de línguas possível será uma grande aposta. Actualmente, todas as unidades “antigas” (pré-alargamento de 2004) contam com tradutores que trabalham a partir do português e o mesmo se verifica em algumas das “novas” (pós-alargamento de 2004), como é o caso das unidades eslovaca e eslovena.

A formação profissional é, aliás, uma aposta dos serviços conjuntos do CESE e CR: desde cursos de línguas, informática, gestão (recursos humanos, tempo de trabalho) passando por conferências, as oportunidades são inúmeras e surgem constantemente.

O trabalho nos Comités permite-me uma grande realização profissional, de várias formas. Aqui, no mesmo dia, podemos trabalhar temas tão distintos como a energia geotérmica e a violência doméstica contra mulheres: desta forma o leque de conhecimentos pode ser continuamente alargado, contribuindo para o nosso enriquecimento enquanto profissionais. Esta é sem dúvida a característica do meu trabalho que me proporciona mais satisfação: sentir que posso progredir todos os dias, enriquecer-me, contribuir para o bom funcionamento de um projecto no qual acredito profundamente, num ambiente descontraído mas de grande dedicação e profissionalismo.»

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© Instituto Camões, 2006