Número 1: A localização
Internacionalização do software: o caso do catalão
Jordi Mas i Hernàndez, coordenador geral da Softcatalà
Introdução
A internacionalização consiste num conjunto de técnicas bastante vinculadas à programação de sistemas informáticos e destinadas a garantir que um programa possa funcionar correctamente em qualquer língua. O processo de internacionalização já tem alguns anos, tornou-se um aspecto chave no desenvolvimento de software e, hoje em dia, podemos dizer que todos os produtos de software de certa importância têm uma pessoa ou uma equipa destinada a esta tarefa.
O processo de internacionalização costuma estar estreitamente relacionado com o processo de localização, entendido como a tradução e a adaptação de um aplicativo a uma língua e ao seu envolvimento cultural.
Neste artigo, concentrar-nos-emos nos aspectos mais práticos e visíveis da internacionalização, deixando de lado os aspectos técnicos relacionados com a programação. Vamos analisar o caso do catalão e comprovar se um software suporta a nossa língua correctamente, embora não entremos nos aspectos específicos de outras línguas não contempladas neste artigo.
O conceito de locale
Um locale é um conjunto de parâmetros e convenções utilizados numa zona geográfica ou cultural determinada e que incluem, entre outros, o formato da data e das horas, o nome da moeda, o separador por dezenas e centenas, entre outros. Todos os aplicativos bem escritos consultam, no seu sistema operativo, os detalhes do seu locale para oferecer a informação de maneira coerente com o envolvimento cultural.
Comprovar ou configurar o seu locale é uma tarefa simples. Num PC com Microsoft Windows, a configuração é realizada através do Painel de controle > Configuração regional, onde é preciso que o catalão apareça como língua activa. É necessário selecionar a distribuição correcta do teclado.
No caso da GNU/Linux, é necessário alterar alguns parâmetros do sistema que dependem dos elementos utilizados, recomendamos o documento [1], que explica como fazê-lo com todos os detalhes.
Análise do produto
O processo inicial da análise de um produto é um processo de vital importância para determinar se um projecto é viável e se pode ser realizada a localização do programa e todos seus componentes associados, e se suporta correctamente o catalão, ou seja, permite comprovar o seu nível de internacionalização.
Se este passo não for feito correctamente, podemos apercebermo-nos de que o projecto não pode ser finalizado, já que um determinado componente não pode ser totalmente traduzido ou não tem a capacidade para representar correctamente as particularidades do catalão.
Conhecer bem o programa
Antes de começar, é importante conhecer bem a versão original do programa, que geralmente está em inglês. É preciso estar familiarizado com o funcionamento do programa, com todas as suas opções, com as suas funções, com as suas características técnicas, etc.
O facto de não se estar familiarizado com o programa não permitirá a detecção de situações peculiares durante a análise da versão traduzida simulada, nem tornará possível comprovar que o suporte internacional seja o correcto.
No caso de não sermos utilizadores habituais do programa, o primeiro passo será conhecê-lo a fundo: procurar as PMF (perguntas mais frequentes), a documentação, pesquisar mais informação na web, perguntar a outros utilizadores do programa, etc.
Comprovar o suporte internacional
Se um programa não suporta ou não permite configurar a utilização dos elementos próprios da nossa língua (como por exemplo o 'ç' ou o 'll'), não tem o nosso formato horário (os americanos usam mês/dia/ano e nós, pelo contrário, dia/mês/ano), não suporta os símbolos para representar a nossa moeda, etc., diz-se que esse programa não suporta o nosso locale. Antes de começar a comprovação do suporte internacional, é preciso ter a certeza de que o PC está no locale catalão.
Para poder determinar se o programa tem um suporte internacional que dê suporte ao catalão, deverão ser verificados os seguintes pontos:
- Qualquer parte do programa onde possam ser introduzidos textos ou nomes deve aceitar os caracteres especiais usados para representar o catalão. Alguns programas têm filtros nos campos de edição que limitam o uso do conjunto de caracteres. O conjunto de caracteres para representar o catalão é: as letras de a a z, além de à é è é ó ú ü ï ç i ll, e os sinais de pontuação necessários. Se o programa realiza a conversão de maiúsculas para minúsculas ou vice-versa, é preciso verificar que os caracteres necessários para representar o catalão (à é è í ó ò ú ü ç ll ï) são convertidos correctamente. Muitos programas convertem o á em A, etc.
- Comprovar se onde o programa mostra a data e as horas, estas são visualizadas usando o formato de horário adequado, dia/mês/ano, e não o formato americano, mês/dia/ano ou qualquer outro. Verificar a mesma coisa para as horas (formato 12/24 horas, indicação de manhã e de tarde). É muito confuso para o utilizador quando um programa está traduzido e apresenta as datas no formato errado.
- Que na visualização de números seja usado o "." como separador para os milhares e "," para os decimais.
- Onde houver informação ordenada alfabeticamente, esta deverá seguir as normas da língua catalã (a ordem deve ser ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVXYZ, primeiro as maiúsculas e depois as minúsculas); quando se modifica um valor dessas listas, deve-se modificar a sua posição conforme o novo alinhamento.
- As unidades de medida devem ser as de uso normal no país, como o sistema métrico decimal (por exemplo, as distâncias devem vir representadas em centímetros e não em polegadas). É aceitável, e até recomendável, que o utilizador possa alterar as unidades de medida, contudo, a versão catalã deve utilizar por omissão o sistema métrico decimal. O programa deve permitir esta alteração.
- Se o programa usa valores, por omissão ou que, por exemplo, tenham alguma característica geográfica ou pessoal, como nomes de cidades, países, pessoas, etc., esta informação também deverá ser localizada com nomes mais próximos de nós.
- Na janela de introdução de dados, se for preciso colocar o nome do país, será preciso colocar o nosso, e não os Estados Unidos ou qualquer outro.
- A possibilidade de localização dos elementos gráficos do programa, como por exemplo logomarcas e componentes gráficos. Se um programa mistura textos e gráficos, é muito difícil, ou quase impossível, localizar estes elementos sem dispor do formato original do pacote de design gráfico.
Quando um programa cumpre todos estes requisitos, pode-se dizer que suporta correctamente o catalão, embora não esteja em catalão.
Comprovar a localização: simulação da tradução
A tradução simulada ou pseudotradução é uma técnica bastante usada para determinar o grau de localização e o suporte internacional de uma aplicação. O processo consiste em substituir os textos em inglês por textos escolhidos de forma aleatória com caracteres específicos da língua que simulamos.
Uma aplicação que permite realizar este tipo de análise é o Alchemy Catalyst [2], um produto originalmente desenvolvido no Corel como ferramenta interna para realizar a tradução dos seus produtos e que depois passou a ser comercializada.
Uma versão pseudotraduzida de um produto permite identificar quais as partes do programa que podem ser traduzidas e quais não podem. Também permite detectar os problemas que teríamos durante a tradução mesmo antes de começar a trabalhar.
Uma vez que toda a tradução do programa tenha sido simulada, deveremos procurar:
- Texto fixo. É o texto que não pode ser traduzido. Numa aplicação normal só se pode traduzir o texto que está nos recursos. A simulação modifica todos os recursos adicionando um texto no início e no final. Os textos que não estiverem modificados não formam parte dos recursos e, com certeza, poderão ser traduzidos sem nenhuma modificação do programa por parte do autor. Deve investigar-se de onde procedem estes textos e quais os passos a seguir para os traduzir.
Cadeias funcionais. São cadeias que estão nos recursos e que não devem ser modificadas, já que alterariam a funcionalidade do programa. Por exemplo, os códigos de registo no sistema, os parâmetros que fazem referência a outros programas, ou os nomes de secções de arquivos INI.
Limites de memórias intermédias (buffers). É comum que os programas suportem uma cadeia de recursos e depois façam operações com ela. Por exemplo, adicionar o nome do arquivo onde se produziu o erro. Alguns aplicativos têm medidas predeterminadas de memória intermédia e por vezes podem ser pequenas demais para a cadeia traduzida. Igualmente, é preciso ver os possíveis lugares onde a estrutura da frase é válida em inglês mas não seria válida em catalão.
Recursos não padronizados. Alguns aplicativos usam recursos que não são padronizados pelo sistema operativo, como por exemplo os formulários do Delphi ou do Visual Basic. Estes recursos devem ser identificados, já que devemos procurar as ferramentas adequadas para poder traduzi-los e comprovar que tal pode ser feito correctamente.
Gráficos com texto. Podem encontrar-se gráficos com texto (barras de ferramentas), que devem ser modificados para traduzir o texto. Os aplicativos com um bom design obtêm o texto que se sobrepõe aos gráficos das cadeias que podemos traduzir.
Teclas fixas de acesso rápido. O processo de simulação modificará todas as teclas de acesso rápido do programa, já que na versão traduzida isso deverá ser feito na maioria dos casos. Alguns programas permitem alterar a representação visual destas teclas de acesso rápido, mas não a sua funcionalidade, ou seja, pode haver um menu na versão inglesa para o qual se deve usar a tecla C para ter acesso, mas em catalão deverá ser usada outra, por exemplo a tecla E. Uma vez modificado, o programa mostra o E no nível funcional.
Quando tivermos a certeza de que a maioria dos problemas tem solução, começaremos o processo de tradução. Contudo, ainda haverá mais problemas durante as restantes partes do processo.
Conclusão
Embora nunca realizem o processo de internacionalização, os tradutores sabem avaliar se os aplicativos suportam o catalão, e o nosso envolvimento cultural é sempre importante para poder determinar problemas que possam aparecer num aplicativo traduzido e como conhecimento complementar para trabalhar na área da localização.
Referências on-line
[1] http://linux.softcatala.org/projectes/doc/Catala/Catalan-HOWTO.html
[2] http://www.alchemysoftware.ie/
Referências impressas
Kano, Nadine (1995). Developing International Software for Windows 95 and Windows NT (Microsoft Programming Series). Microsoft Press.
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