Espelhamentos - Herança Literária de José Régio
Espelhamentos - Herança Literária de José Régio
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Vai o menino só na estrada grande,
Grande e medonha entre pinhais sombrios,
Entre uivos ruivos, roucos e bravios
Arranhando o silêncio que se expande...

A mãe dissera-lhe: – «O menino, ande
«Longe das selvas, dos fundões, dos rios...»
E avós, irmãos, amigos, primos, tios:

Mas o menino foi desobediente.
E andou por vias ínvias ou sem gente,
Pela mão de enigmáticos destinos.

Saltar-lhe-ão lobos vis e cães de el-rei...
– Foi pondo o ouvido em terra, que escutei
Lobos uivar e soluçar meninos.

«Conto».

Estava nos princípios dum longo, longo, sinuoso processo que porventura ainda não terminou, porventura não terminará ou não tem solução, – mas eu acreditava já estar sendo uma definitiva tomada de posições. Começara a ler António Sérgio; e, sem o poder ainda aprofundar, o seu racionalismo ou idealismo impunha-se-me. A sua clareza seduzia-me. Também lia a Vida de Jesus de Rénan. E muitos outros livros e muito diversos, entre quais os Evangelhos, o Velho Testamento, e fragmentos da Imitação de Cristo. [...]
Creio, hoje, ser sobretudo de ordem artística a minha sedução pelo Velho Testamento. Já não direi exactamente o mesmo da influência que sobre mim exerciam – e nunca, realmente, deixaram de exercer – Os Evangelhos e não menos a Imitação de Cristo, livro verdadeiramente admirável, refúgio incomparável de todas as naturezas religiosas, que não hesito em considerar a maior obra mística por mim conhecida.

José Régio, Confissão dum Homem Religioso.

Imitação de Cristo, tradução de José Régio.
Desenho de José Régio: «Cabeça de Cristo».

A evolução literária de José Régio, disciplinada pelas exigências medievais da Lusa Atenas, foi travada perante o sinal da Cruz, ou seja, detida pelo valor do Cristianismo. O tradutor da Imitação de Cristo merece ser considerado como um grande poeta católico, talvez superior a Claudel.

Álvaro Ribeiro, «A minha admiração por José Régio».

Da novela que na adolescência concebera à volta de Maria Madalena, e que acabou por destruir, como o ouvi confirmar, só resta o fragmento, final dum capítulo, que publicou em Tríptico, revista em que nos seus tempos de Coimbra colaborara. No trecho não aparece sequer o mais pequeno vestígio de Jesus, pois o corpo morto do velho, «perfumado de aloés, enfaixado em linhos brancos, de pé no seu largo sepulcro aberto na rocha», não permite qualquer inequívoca identificação. Mas o Rabi da Galileia devia irromper, com que força e cambiantes ignoramos, nessa ficção que acusa, neste naco publicado, nítidas sugestões de leitura da Bíblia, Flaubert e Eça, onde a fantasia do jovem Régio forragearia imagens e informações históricas, a fim de caracterizar ambiente e personagens.

João Francisco Marques,
«Para uma reflexão sobre José Régio, homem religioso».

José Régio, «Maria Madalena».
Óleo de Ventura Porfírio: «José Régio».

Foi precisamente sob a influência do autor de Salammbô que Régio, ainda adolescente, empreendeu «o projecto de um romance que se chamaria Maria de Magdala e Jesus de Nazaré» Isso o obrigou «a minuciosas consultas dos Evangelhos» que, não muito surpreendentemente, o levaram à descrença na divindade de Jesus.

Eugénio Lisboa, José Régio - A Obra e o Homem.

«Oh, Flaubert! grande senhor de quem me sentia uma espécie de parente bastardo e pobre! Flaubert foi uma das minhas paixões juvenis. Mas até meus últimos instantes espero amar, admirar, venerar esse incompreendido Mestre na arte de fazer viver as palavras e os seres (...) É que nesse profundo artista da palavra, no seu tenso e como sufocado esplendor, não eram fúteis jogos de palavras os que já então se me impunham: jogos, sim, e de palavras; mas graves, poderosos, temíveis jogos em que Édipo e a Esfinge se defrontam. Sim, os mundos de sensações, de sentimentos, de sugestões e ressonâncias, que o Mestre sabia condensar numa frase simultaneamente escultural e música».

José Régio, «Introdução a uma obra».

Gustave Flaubert, Salammbó.
Gustave Flaubert, 1821-1881.

Os Poemas de Deus e do Diabo afirmavam uma nova sensibilidade. Eram, por um lado, como que uma síntese de várias correntes: o intimismo do Só e o sarcasmo de Gomes Leal; mesmo a incisiva ironia de Cesário, vinham fundir-se com elementos até aí nunca vistos na poesia portuguesa.

Adolfo Casais Monteiro, «Sobre os Poemas de Deus e do Diabo».

José Régio, Poemas de Deus e do Diabo.
Autógrafo de José Régio ilustrado por António Vaz Pereira. Edição especial de Távola Redonda.
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