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Teatro
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Considerar o teatro português implica examinar duas questões prévias:
1. reflectir quanto à relação entre teatro e literatura (porque tradicionalmente os estudos de teatro fazem parte da literatura, dada a insistência do texto enquanto matéria dramatúrgica preexistente ao espectáculo ou, nos muitos casos em que a representação precede a publicação, dada a sua perenidade material na sequência das várias representações que suporta);
2. ter em conta que muitos historiadores entendem que a actividade teatral não é um vector proeminente na cultura portuguesa (nem no plano do texto, nem no plano do espectáculo).
Capa da edição da obra Frei Luiz de Sousa, de Almeida Garrett, fac-símile da edição da Quinta do Pinheiro Capa de Primeiro Volume de Teatro de José Régio, 1940, desenho de Júlio |
Talvez por isso, as grandes figuras do teatro
português são inaugurais ou programáticas: Gil Vicente,
seu criador no séc. XVI, após o surto de dramatizações litúrgicas que se
verifica na literatura medieval, e Garrett, seu
reformador na proposta romântica, fundando o Teatro Nacional, quer no plano do
espaço apto a acolher as representações e a difundi-las ao grande público,
quer no plano da produção de um «corpus», com Um Auto de Vicente, O
Alfageme de Santarém e, sobretudo, o drama romântico Frei Luís
de Sousa (1843) - peças de carácter histórico, arrancadas à
sensibilidade popular e ao sentimento patriótico, veiculando conflitos
emocionais em situação no quotidiano sócio-histórico português.
Em torno da personalidade de Gil Vicente, outros dramaturgos de veia popular se
notabilizaram no séc. XVI (ex. Chiado e Baltasar Dias), mas
contemporaneamente esboça-se um movimento de retorno ao teatro antigo, de
acordo com a doutrinação renascentista, que faz emergir um outro grupo em
torno do poeta Sá de Miranda, figura fundamental do classicismo
português enquanto introdutor da «medida nova» (metrificação clássica em
decassílabo e géneros cultivados pelos autores da antiguidade) e cultor das
primeiras comédias clássicas, Estrangeiros e Villhalpandos.
A comédia, também praticada por Camões
( ex. Anfitriões, El-rei Seleuco), encontrará no séc.
XVIII um autor de eleição, António José da Silva, o Judeu (ex. Guerras
do Alecrim e Manjerona), além de alguns escritores da «Arcádia Lusitana»,
como Correia Garção (Assembleia ou Partida).
É a António Ferreira que se deve a
obra-prima da tragédia clássica em Portugal, a Castro (c. 1558),
baseada nos amores de D. Inês de Castro com D. Pedro I, contrariados pela razão
política. Castro e Frei Luís de Sousa são os dois textos trágicos
mais importantes do teatro português, pela perfeição de composição e pelo
engendramento sóbrio dos conflitos, partilhados entre a liberdade do
sentimento, as exigências da justiça (política, cívica ou familiar) e a
intensidade do destino que se abate sobre as personagens.
Só no séc. XX encontramos ambientes dramáticos de idêntica contenção e
agudeza em peças de José Régio (Benilde ou a Virgem-Mãe, 1947)
ou, um pouco antes, no teatro de Raul Brandão
(O Gebo e a Sombra, 1923), que se filia na passividade e estatismo da
problemática simbolista, centrada na ressonância da palavra lírica e na sua
indagação de absoluto (António Patrício, D. João e a Máscara,
1924), diferentemente entendido pelo convencionalismo de situações e costumes
que vinha sendo arrastado pela numerosa produção de Marcelino Mesquita (Peraltas
e Sécias, 1899) e Júlio Dantas (A Ceia dos Cardeais, 1902),
ou pelas inovações irregulares e ambíguas, de tipo social e textual, de Alfredo
Cortês (Tá-Mar, 1936).
Os assomos de literatura de intervenção que os anos cinquenta conheceram deram novo vigor ao teatro, sobretudo com Bernardo Santareno (A Promessa, 1957, e O Crime de Aldeia Velha, 1959), Luiz Francisco Rebello (Os Pássaros de Asas Cortadas, 1959, tendo este escritor tido também uma importante actividade como crítico e historiador de teatro) e José Cardoso Pires que, com O Render dos Heróis (1960), representado em época próxima de outra peça de grande impacto público, Felizmente, Há Luar (1961), de Luís de Sttau Monteiro, proporcionaram em meados do século uma intensidade de vibração no teatro português, em termos de conjunção de texto, espectáculo, público e crítica, que não voltou a verificar-se posteriormente.
© Instituto Camões, 2001