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Afonso de Albuquerque

Francisco de Albuquerque era um judeu castelhano, aprisionado pelos portugueses juntamente com Alexandre de Ataíde, já nosso conhecido, ambos expulsos de Castela após o decreto de expulsão dos judeus pelos Reis Católicos, segundo o seu próprio testemunho (Carta a D. Manuel de 12 de Dezembro de 1512). Antes do nome cristão, Francisco de Albuquerque chamar-se-ia Samuel - esta é uma hipótese colocada por Lipiner, em obra já referida neste dicionário (cf. Gaspar da Gama um Converso na Frota de Cabral, p. 218).

Em 1510, por ordem de Afonso de Albuquerque, Simão Martins apreende uma nau vinda de Adem com destino a Calecute. A acreditar nas palavras do autor dos Comentários do Grande Afonso de Albuquerque, nela viajavam cativos “dois Judeus Castelhanos”: “E estes dois Judeus se tornaram cristãos: um deles se chamou Francisco de Albuquerque, e o outro Alexandre de Ataíde. E Afonso de Albuquerque, enquanto viveu, se serviu deles de línguas” (...).

Em carta dirigida a D. Manuel, de 20 de Outubro de 1513, Francisco de Albuquerque dá-nos conta das intenções do então governador da Índia, que provam que Afonso de Albuquerque prometia um tratamento de igualdade aos judeus recém-chegados. Pelo trecho seguinte se pode também ver que Afonso de Albuquerque desejava para o seu serviço de intérprete alguém da craveira de Gaspar da Gama (Gaspar da Índia), a quem concederia ainda maiores privilégios do que aqueles concedidos por D. Francisco de Almeida a Gaspar: “nos prometeu muita mercê e nos fez muito gasalhado, e nos deu por exemplo Gaspar das Índias, e que se o servíamos bem, que Vossa Alteza nos faria muita mercê - mais que a Gaspar”.

Na carta que acabámos de citar, encontram-se ainda os passos mais salientes da vida de Francisco de Albuquerque durante o tempo que permaneceu na Índia ao serviço dos portugueses: a acção na construção das fortalezas de Goa e Malaca, o naufrágio do navio Flor de la Mar – no qual viajava com Afonso de Albuquerque –, os cinco meses que passou preso sob as ordens do governador – desconfiado de que Francisco de Albuquerque o abandonasse –, e os maus tratos por que passou após a derrota na incursão sobre Adem, etc.

Francisco de Albuquerque casou em Goa com mulher indígena, de nome Antónia, tendo na altura o governador oferecido ao casal valiosas prendas, procedimento habitual de Afonso de Albuquerque para com os portugueses que desposavam as chamadas ‘mulheres de Goa’.

E é já no Cairo que António Tenreiro, na sua viagem por terra da Índia a Lisboa, na segunda década de Quinhentos, vai encontrar Francisco de Albuquerque:

E entre outras coisas que me disse, foi rogar-me que se me perguntassem os outros judeus se sabia eu de uns dois judeus que foram cativos na Índia os tempos passados e se fizeram lá cristãos, que dissesse que não sabia disso nada; e porque na verdade este mesmo na Índia se fizera cristão em tempo de Afonso de Albuquerque, que o cativou em uma nau que vinha de Meca e o casou em Goa, onde esteve alguns anos casado e se chamava Francisco de Albuquerque. Eu o tinha muitas vezes visto na Índia e ouvira nomear. Depois pelo dito Afonso de Albuquerque foi enviado a Portugal a el-Rei D. Manuel, e em Lisboa se embarcou nas galeaças de Veneza, escondido se tornou para o Cairo para sua mulher e filhos, que já dantes tinha.

Seguindo a narrativa dos Comentários do Grande Afonso de Albuquerque, voltamos a encontrar Francisco de Albuquerque numa expedição ao estreito de Ormuz, ordenada por Afonso de Albuquerque em 1514 e comandada pelo sobrinho Pero de Albuquerque: “e ao outro dia de manhã mandou (Pero de Albuquerque) a Tristão Déga a terra, e Francisco de Albuquerque, que fora Judeu, por língua, com as cartas que trazia de Afonso de Albuquerque para o Rei (de Ormuz)”. Isto prova como Francisco de Albuquerque não ficou aquém de Francisco de Ataíde (Cf. texto sobre este língua) na ajuda aos portugueses.

Segundo Gaspar Correia, Francisco de Albuquerque nunca terá vindo a Portugal. Esta não é a opinião de António Tenreiro, como acabámos de ver. E também não é esta a opinião do autor dos Comentários do Grande Afonso de Albuquerque, que relata que Francisco de Albuquerque e Alexandre de Ataíde, de facto, vieram a Portugal...


Fontes:

Comentários do Grande Afonso de Albuquerque, vol. I, Parte II, cap. XLIX; vol. II, Parte IV, cap. XXIV (edição de 1973, da INCM, Lisboa);

Cartas de Afonso de Albuquerque, vol. III, p. 357 e vol IV, pp. 14- 15 (edição de 1884-1935, da Academia das Ciências, Lisboa);

António Tenreiro, Itinerário em que se contém como da Índia Veio por Terra a estes Reinos de Portugal, cap. XLI, Lisboa, Estampa, 1980;

Gaspar Correia, Lendas da Índia, vol. II, p.134 (edição de 1975, de Lello & Irmãos, Porto).

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| Número 8 | Abril 2006 |
Editorial
Artigo
Bocage, tradutor
Patrono
S. Jerónimo no Mosteiro do Espinheiro
Dicionário
Francisco, Gaspar, João Fernandes, línguas de Sofala
Francisco de Albuquerque
Citação
Vasco Graça Moura
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