Quando, em 1500, Pedro Álvares Cabral descobre o Brasil, a comunicação com os autóctones processa-se por gestos, pois o navegador não trazia intérpretes na sua frota capazes de expressão nas línguas faladas naquele território.
A nossa história aconteceu em 1513 e foi narrada por Damião de Góis, a partir de um facto que ele próprio presenciou, treze anos após a descoberta do Brasil, na sua Crónica em que descreve a descoberta do Brasil e as suas gentes:
São grandes flecheiros, em tanto que em qualquer parte do corpo de um homem, ou animal por pequeno que seja, a que apontam tocam sem quase nunca errarem: e o que eu acerca disto vi direi aqui. No ano de mil e quinhentos e treze, estando El-rei D. Manuel em Santos o Velho, tendo despacho em uma casa de madeira, que então ali estava na ponta do cais, posta sobre a água, Jorge Lopes Bixorda, que naquele tempo tinha o trato do pau brasil que trazem desta terra de Santa Cruz, veio a falar a El-rei, e com ele três homens desta província, assaz bem dispostos que então vieram em uma nau que de lá chegara, os quais vinham vestidos de penas, com as faces, beiços, narizes, orelhas cheios de grossos pendentes, tudo do modo que arriba disse, cada um deles trazia seu arco, e flechas, vinha com eles um homem português que sabia a língua, por quem lhes El-rei fez perguntar algumas cousas, e quando falaram na destreza que têm no tirar, disseram que se Sua Alteza o queria ver que logo lhe o amostrariam, no qual com menos a maré vazava, e vinham pelo rio abaixo alguns pedaços de cortiça tamanhos como a palma de uma mão, ou pouco mais, contra as quais logo armaram os arcos, e quantas delas tiraram, indo pela água abaixo, pregaram em cada uma sua flecha, sem errarem nenhum tiro, o que eu vi, porque estava na mesma casa quando isto aconteceu.
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Evidentemente, por mais interessante que seja o trecho de Damião de Góis, de muitos pontos de vista, o que dele retemos é o intérprete que estabelece a comunicação entre os índios e D. Manuel. Pena é que o autor da Crónica nos não forneça mais dados sobre o intérprete. Casos semelhantes devem ter sido muitos, é certo, nesta época; mas este ficou registado, talvez devido à pessoa de um dos intervenientes, cuja grandeza intelectual não foi suficiente, no entanto, para que o nome do intérprete nos fosse, hoje, revelado. Desconhecido (ou esquecido) do cronista, e também para nós, agora, para sempre (?).
Fonte:
Damião de Góis, Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, Parte I, cap. LVI, (edição de 1949, da Universidade de Coimbra).
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