Dicionário de Tradutores e Intérpretes de Língua Portuguesa
João Garrido

Habitantes da Guiné,
em Die Merfart uñ Erfarung (...) de Baltasar Sprenger, Augsburgo?, 1509.

João Garrido era natural da Guiné e escravo. Tudo o que conhecemos sobre João Garrido consta da carta que lhe concede a alforria. Este documento diz-nos que o escravo João Garrido pertencia ao escudeiro Gonçalo Toscano e que, por ocasião da sua última viagem à Guiné, decidiu permanecer por lá por desejar ser homem livre. Uma vez que a carta indica Gonçalo Toscano como morador da vila de Lagos, é muito provável que João Garrido também aí morasse. Mas não sabemos quando aí chegou. O que é certo é que era cristão, sabia falar português e alguma língua africana, condições indispensáveis para poder embarcar nas caravelas com o propósito de servir de língua. Desconhecemos também o número de viagens que João Garrido terá efectuado na qualidade de língua.

Sendo a carta de alforria datada de 18 de Agosto de 1477, temos que admitir que as viagens de João Garrido à Guiné se realizaram durante o reinado de D. Afonso V. Todavia, nos relatos desses viagens, ou nos relatos das viagens seguintes, o nome de João Garrido não aparece transcrito.

Publica-se, em seguida, a carta que temos vindo a referir, pela qual o Príncipe D. João, futuro D. João II, concede a João Garrido o que solicitara – a alforria –, atendendo aos serviços que este prestara e ainda poderá prestar nos “tratos da Guiné”.  

Fonte: ANTT, Chancelaria da Ordem de S. Tiago, liv. 1º, fl. 64
Carta já publicada por Sousa Viterbo in Notícia de Alguns Arabistas e Intérpretes de Línguas Africanas e Orientais, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1906, pp. 31-33 e por J. Martins da Silva Marques in Descobrimentos Portugueses, Suplemento ao vol. I, Lisboa: Instituto para a Alta Cultura,1942-1944, pp. 173-174. A actualização ortográfica é da nossa responsabilidade.

 

 

Dom João &. A quantos esta nossa carta virem fazemos saber que a nós enviou dizer João Garrido, que ora está em Guiné, que ele fora trazido a estes Reinos pelas caravelas que lá vão resgatar e que o houvera cá por seu escravo Gonçalo Toscano, escudeiro, morador em a nossa vila de Lagos, e que depois ele se tornara cristão e fora algumas vezes por língua à Guiné e da derradeira vez que lá fora ficara lá não por mais tornar-se (original: tornase) mouro nem viver como mouro, mas por desejar de ser forro e não tornasse mais a ser escravo do dito Gonçalo Toscano, e que ele se viria logo a estes Reinos e nos serviria cá e em Guiné como bom e leal sujeito natural deles. E nós considerando como nos podemos muito servir do dito João Garrido em os tratos da Guiné, por ele ser dela natural e como o dito Gonçalo Toscano não tem azo nem poder para o cobrar e haver-se se ele por si não quiser tornar a este Reino e de si como somos inteiramente conformado que ele em alguma maneira se não quer cá tornar sem ser forro e de todo fora do senhorio e obrigação do dito Gonçalo Toscano, e assim não no fazendo nós forro o dito Gonçalo Toscano não ganharia cousa alguma e nós perderíamos serviço e proveito que dele e por ele pudéramos haver, porém determinamos de todavia o fazermos forro e lhe encomendar-nos (sic) que se venha a nós, e por esta carta nós por poder de Rei que em este Reino por comissão e autoridade del-Rei meu senhor temos, entendendo que em isto fazemos serviço ao dito senhor e bem ao público destes Reinos dando para ele bom avisamento aos tratos da Guiné de que a eles vêm tanto proveito, determinamos de ele ser forro e o tirarmos, como de feito tiramos, do senhorio do dito Gonçalo Toscano e queremos que ele se possa vir a estes Reinos e livre e como livre sem reconhecer do dito Gonçalo Toscano por senhor assim em sua pessoa como em nas cousas que por suas trouver, assim ouro como escravos como outras quaisquer cousas de guisa que o dito Gonçalo Toscano ou outro algum as não possam demandar nem haver, por dizerem que o dito João Garrido é seu servo e por conseguinte as ditas cousas suas que ele de lá trouver por dizerem que são suas deles, mas ele as possa ter e tenha e logre por suas como se sempre fora cristão e livre e nunca servo, a ainda nos praz, por lhe fazermos mais mercê e favor que nos não pague quarto nem outro algum direito que por respeito de Guiné nos haja de pagar das ditas cousas que assim trouver mas que tudo logre e tenha em si livremente como dito é. Porém mandamos a todas as justiças... Dada em a cidade de Évora a 18 dias – de Agosto – João Lopes a fez – ano de 1477. E isto contando que ele se venha a estes Reinos em alguma das ditas caravelas que este ano forem de cá à Guiné.  

Carlos Castilho Pais

| Número 1 | Maio 2002 |

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