Adolfo Coelho
Alexandre Herculano
Almeida Garrett
Antero de Quental
António Nobre
Basílio Teles
Eça de Queirós
Gomes Leal
Jaime Batalha Reis
Lopes de Mendonça
Moniz Barreto
Oliveira Martins
Pinheiro Chagas
Rafael Bordalo Pinheiro
Rebello da Silva
Teófilo Braga
Abel Salazar
Adérito Sedas Nunes
Adolfo Casais Monteiro
Agostinho da Silva
Alexandre O'Neill
António Gedeão
Aquilino Ribeiro
Augusto Abelaira
Bento de Jesus Caraça
Bernardo Marques
Borges de Macedo
Carlos Ramos
David Mourão-Ferreira
Eugénio de Andrade
Fernando Gil
Fernando Lopes-Graça
Fernando Pessoa
Fidelino de Figueiredo
Florbela Espanca
Guilhermina Suggia
Helena Vaz da Silva
Hernâni Cidade
Irene Lisboa
Jacinto do Prado Coelho
Jaime Cortesão
João Gaspar Simões
Joaquim de Carvalho
Jorge de Sena
Jorge Peixinho
José Augusto Seabra
José Cardoso Pires
José Gomes Ferreira
José Rodrigues Miguéis
Leonardo Coimbra
Lindley Cintra
Luís Albuquerque
Luís de Freitas Branco
Manuel Antunes
Manuel Viegas Guerreiro
Maria Archer
Maria de Lourdes Belchior
Maria Lamas
Mário Botas
Mário Eloy
Mário Sottomayor Cardia
Miguel Torga
Orlando Ribeiro
Paulo Quintela
Raul Brandão
Raul Proença
Sílvio Lima
Sophia de Mello Breyner Andresen
Teixeira de Pascoaes
Vergílio Ferreira
Viana da Mota
Vieira da Silva
Vieira de Almeida
Vitorino Magalhães Godinho

por Maria Helena Santana

João Baptista da Silva Leitão [mais tarde de Almeida Garrett], nasceu no Porto, em 1799. Aí passou a primeira infância, num caloroso ambiente burguês que lhe deixaria gratas recordações. Aos 10 anos parte com a família para os Açores, onde inicia a sua formação literária, sob a tutela do tio Frei Alexandre da Sagrada Família, bispo de Angra.

Em 1816 ingressa na Universidade de Coimbra, para seguir estudos de Leis. A vivência académica seria determinante na sua iniciação política e filosófica. Ainda estudante, participa no movimento conspirativo que conduziria à revolução de 1820. Paralelamente despontava, irreverente, a vocação literária: no ano seguinte surgia o seu primeiro livro, O Retrato de Vénus, um ousado poema que lhe mereceu um processo em tribunal.

No período conturbado que se seguiu, o trajecto pessoal do escritor (já casado com uma menina elegante, Luísa Midosi) entrelaça-se com a história política do Liberalismo. A revolução foi um breve momento de entusiasmo liberal, logo desfeito pela chegada ao poder da facção conservadora, que apoiava o Infante D. Miguel. Garrett foi obrigado a deixar o País (entre 1823-26), situação que se repetiria pouco tempo depois (1828-31), na sequência da abdicação de D. Pedro. No entanto, o escritor encontra na circunstância penosa do exílio uma oportunidade intelectualmente vantajosa. A permanência em França e Inglaterra permitiu-lhe conhecer o movimento cultural europeu, na sua dimensão artística e ideológica. A publicação (ainda em Paris) dos poemas Camões e Dona Branca – os primeiros textos românticos portugueses – constitui o resultado mais simbólico e expressivo dessa experiência.

O regresso a Portugal, em 1832, integrando a expedição liberal comandada por D. Pedro, constituiu um momento heróico para o «poeta-soldado», que se incorpora no Batalhão Académico; Garrett foi chamado a participar nas reformas legislativas do novo regime, mas pouco depois afastado do poder, sob pretexto de missões diplomáticas no estrangeiro.  Voltará à cena política em 1836, no contexto da «revolução de Setembro», pela mão de Passos Manuel: faz parte das Cortes Constituintes e ajuda a redigir a Constituição de 1838. Além de deputado, desempenha também um papel relevante no programa de educação cultural setembrista, designadamente na renovação da dramaturgia nacional: empenha-se na criação da Inspecção Geral dos Teatros, do Conservatório de Arte Dramática e do futuro Teatro Nacional; no mesmo espírito funda O Entreacto – Jornal de Teatros e leva à cena, com grande êxito, a peça Um Auto de Gil Vicente.

Durante os anos 40, sob o regime autoritário de Costa Cabral, Garrett destaca-se na oposição; no entanto, o  entusiasmo e o fervor militante vão-se exaurindo, perante a instabilidade política, o materialismo triunfante e o próprio desvirtuamento do ideal liberal. Descontente com o devir da revolução, afasta-se da vida pública em 1847. Desse desencanto patriótico dão significativo testemunho algumas obras publicadas neste período, o mais fecundo da criação literária garrettiana (O Alfageme de Santarém, Frei Luís de Sousa, Viagens na Minha Terra e O Arco de Sant’Ana, por exemplo).

Em 1851 regressa ao Parlamento, já sob a acalmia política da Regeneração. Recebe nesta derradeira fase da vida alguns gestos oficiais de consagração: é feito visconde, em 1851 e nomeado Par do Reino, no ano seguinte; chega ainda a ocupar um cargo ministerial (Negócios Estrangeiros), de que seria demitido pouco tempo depois.

Morreu em 9 de Dezembro de 1854, depois de uma vida sentimental romanticamente atribulada: um casamento juvenil mal sucedido, com Luísa Midosi; a morte precoce da segunda companheira, Adelaide Pastor, que lhe deixa uma filha ilegítima; e por fim uma paixão adúltera, com a Viscondessa da Luz, celebrada em versos escandalosos.

Amante de prazeres mundanos, galante e apaixonado, foi sempre um conspícuo actor do palco social romântico, sabendo reverter em seu favor a imagem de dandy cosmopolita que sempre cultivou. No auge de uma carreira brilhante e de uma vida intensamente fruída, Almeida Garrett podia justamente orgulhar-se da sua ecléctica presença na cultura portuguesa de Oitocentos; de ser (palavras suas) «… um verdadeiro homem do mundo, que tem vivido nas cortes com os príncipes, no campo com os homens de guerra, no gabinete com os diplomáticos e homens de Estado, no parlamento, nos tribunais, nas academias, com todas as notabilidades de muitos países – e nos salões enfim com as mulheres e com os frívolos do mundo, com as elegâncias e com as fatuidades do século.»

A Obra (sinopse)

Ancorada no tempo histórico do Liberalismo, a obra literária garrettiana não pode conceber-se alheada do contexto político e cultural que a motivou. Da mesma circunstância decorre a orientação ‘iluminista’ e eticamente empenhada que desde início o seu trajecto literário revestiu, por entender que «o poeta é também cidadão».

- A poesia lírica e narrativa dominaria a primeira fase da sua carreira, ainda oscilante entre a lição do neoclassicismo convencional e a nova corrente romântica, de inspiração nacionalista. Depois do controverso Retrato de Vénus (1821) publica, no exílio, os poemas Camões (1825) e Dona Branca (1826)  - textos fundadores do Romantismo português – a que seguiria a colectânea Lírica de João Mínimo (1829). Começou também nesta fase o trabalho de recolha e preparação dos textos do cancioneiro tradicional português, fonte inspiradora dos poemas narrativos Bernal Francês e Adozinda (1828). Só posteriormente viriam a lume os três primeiros volumes do Romanceiro (1843; 1851), ainda hoje em parte inédito.

- A par da produção literária, o jornalismo ocupa neste período um lugar importante na sua escrita. Garrett cedo se apercebeu do imenso poder democratizador da Imprensa nas sociedades modernas (enquanto formadora da opinião) e saberia tirar excelente partido desse veículo privilegiado de socialização do público burguês. Já em 1822 lançara um pequeno jornal mundano – O Toucador (destinado às senhoras). No final dos anos 20 dirigiu dois periódicos de referência, O Português e O Cronista. Mais tarde fundaria O Português Constitucional (1836) e o jornal teatral O Entreacto (1837). Datam também dos tempos do exílio dois importantes ensaios: Da Educação (1829), um tratado de filosofia pedagógica dedicado à futura rainha D. Maria II; e Portugal na Balança da Europa (1830), uma notável reflexão de índole histórico-política.

A fase da maturidade (década de 40, sobretudo) seria particularmete fecunda, do ponto de vista literário. Surgem nesta altura as obras maiores do Autor, abrangendo, com notável versatilidade, a lírica, a narrativa e o drama.

- Garrett atribuía ao Teatro uma alta função civilizadora, e empenhou-se intensamente na sua renovação. Queria uma produção nacional de qualidade, susceptível de elevar o gosto e a cultura do público. A vocação dramatúrgica, revelada na juventude (as tragédias Catão, Lucrécia e Mérope), conhece a partir de 1838 um novo élan, com o êxito de Um Auto de Gil Vicente. Seguir-se-ia um conjunto de peças que modelizam, em diferentes géneros, a sua ecléctica veia teatral: o drama histórico – O Alfageme de Santarém, Frei Luís de Sousa, D. Filipa de Vilhena – e a comédia – Falar verdade a mentir, Profecias do Bandarra, Um Noivado no Dafundo, entre outras. Frei Luís de Sousa (1844) é reconhecidamente a que melhor realiza o seu ideal de sobriedade artística: combinando o pathos da tragédia clássica e a actualidade vivencial do drama familiar, permanece ainda hoje um texto modelar da literatura dramática nacional.

- A poesia lírica, embora continue em certos aspectos datada, conhece também uma renovada inspiração. Das duas colectâneas poéticas desta fase – Flores sem Fruto (1845) e Folhas Caídas (1853), a última é sem dúvida a mais interessante, e onde mais livremente se expande o individualismo romântico. Aos temas mais convencionais – a divisão interior, a dialéctica mundo/espírito, o apelo de um idealismo transcendente (O Amor, A Perfeição, Deus, como absolutos da inquieta alma poética) –, acrescenta-se uma nova e ousada expressão do amor, epitomizada no famoso verso «Não te amo, quero-te!».

- Apesar de escassa, a obra romanesca de Garrett tem um rasgo inconfundível de originalidade. Viagens na Minha Terra (1843/1846) pode considerar-se a primeira narrativa moderna portuguesa: utilizando um estilo desenvolto e informal, em diálogo permanente com o leitor, o autor realiza, à maneira de Stern, uma obra-prima de ironia intelectual; sob o pretexto de uma crónica de viagem (que também é), oferece-nos uma ampla e lúcida representação do tempo histórico e social do Liberalismo. Idêntica estrutura digressiva e aparentemente desconexa caracteriza o romance histórico O Arco de Sant’Ana (1845/ 1851), um texto polémico e repassado de humor, cuja acção se reporta a uma revolta popular contra o bispo do Porto, no século XIV. Ficaria inacabado um terceiro romance, Helena, bem como diversos esboços narrativos deixados inéditos.

Encontra-se ainda dispersa e carecendo de estudos temáticos uma vasta produção fragmentária, de natureza literária, ensaística e jornalística (em particular no domínio da crónica política, cultural e mundana), bem como diversos discursos e textos de circunstância.


Bibliografia activa

As Obras de Almeida Garrett encontram-se actualmente disponíveis em várias edições, designadamente as da Editorial Estampa e do Círculo de Leitores. Está também em curso, na Imprensa Nacional, a edição crítica das Obras Completas, dirigida por Ofélia Paiva Monteiro.


Edições on-line:

- Projecto Vercial (formato pdf): http://web.ipn.pt/literatura//garrettt.htm

- Página web da Biblioteca Nacional (Biblioteca virtual de autores portugueses):
http://purl.pt/index/Geral/aut/PT/21170.html

- Página web da Assembleia da República (discursos parlamentares):
http://debates.parlamento.pt/monarquia.asp


Bibliografia passiva (selectiva) 

Almeida Garrett: um romântico, um moderno (Monteiro, Ofélia; Santana, M. Helena, org.), 2 vols. Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2003.

AMORIM, Gomes de, Garrett. Memórias Biográficas. 3 vols., Lisboa, Imprensa Nacional, 1881-1883.

BRAGA, Teófilo, Pref. a, Obras Completas de Almeida Garrett. 2 vols, Porto, Lello & Irmão, 1963.

Camões. Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 4 (dedicado a Garrett), Jan.-Março 1999.  

Colóquio/Letras, nº 153-154 (dedicado a Garrett), Julho-Dez. 1999.

DIAS, Augusto da Costa, «Estilística e Dialéctica», pref. a Viagens na Minha Terra, 2ª ed., Lisboa, Estampa, 1983.

Id., Fontes Inéditas do Romanceiro Português. Os Papelinhos de Garrett. Sintra, Câmara Municipal de Sintra, 1988.

FRANÇA, José-Augusto, «Garrett ou a ilusão desejada», in O Romantismo em Portugal. Estudo de Factos Socioculturais. 2ª ed., Lisboa, Livros Horizonte, 1993.

LAWTON, R.A., Almeida Garrett. L’Intime Contrainte. Paris, Didier, 1966.

Leituras. Revista da Biblioteca Nacional, nº 4 (dedicado a Garrett), 1999.

LIMA, Henrique Ferreira, Inventário do Espólio Literário de A. Garrett, Coimbra, 1948.

MACHADO, Fernando, Almeida Garrett e a Introdução do Pensamento Educacional de Rousseau em Portugal, Porto, ASA, 1993.

MONTEIRO, Ofélia Paiva, A Formação de Almeida Garrett. Experiência e Criação. 2 vols., Coimbra, Centro de Estudos Românicos, 1971.

Id., «Algumas reflexões sobre a novelística de Garrett», in Colóquio/Letras, nº 30, Março 1976, pp. 13-29.

Id., «’Ostinato rigore’: a Edição Crítica das Obras de Almeida Garrett (Propósitos e Questões)», in Crítica Textual e Edições Críticas. Coimbra, Centro de Literatura Portuguesa, 2005.

Id., O Essencial sobre Almeida Garrett, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2001.

RAITT, Lia Noémia Correia, Garrett and the English Muse. London, Tamesis Books, 1983.

REIS, Carlos; PIRES, M. Natividade, «A. Garrett e a fundação do Romantismo Português», in História Crítica da Literatura Portuguesa, Vol. V, Lisboa, Editorial Verbo, 1993.

ROCHA, Andrée Crabbé, O Teatro de Garrett. Coimbra, Coimbra Editora, 1954.

SARAIVA, António José, «A evolução do teatro de Garrett», «A expressão lírica do amor nas Folhas Caídas»,«Garrett e o Romantismo», in Para a História da Cultura em Portugal, vol. II, Lisboa, Publ. Europa-América, 3ª ed, 1972.

SANTOS, Maria de Lurdes Lima dos, Intelectuais Portugueses na 1ª metade de Oitocentos. Lisboa, Presença, 1988.


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