por Teresa Martins Marques

José Rodrigues Miguéis


Escritor português (Lisboa, 1901 - Nova Iorque, 1980). Licenciado em Direito (Lisboa, 1924) e em Ciências Pedagógicas (Bruxelas, 1933). Foi temporariamente advogado, delegado do Ministério Público e professor do ensino secundário. Atento à imprensa periódica, colaborador d’A República e da Seara Nova, dirige o semanário O Globo (1933) com Bento Caraça e envolve-se em movimentos de intervenção cívica democrática. Vendo o seu nome censurado nos jornais, vai em 1935 para os EUA, onde acabará por se fixar e viver a maior parte da sua vida. A partir de 1942, e durante cerca de dez anos, exerce funções de Assistant Editor das Selecções do Reader’s Digest. Colabora regularmente na imprensa de Lisboa e dedica-se à tradução: Stendhal, Carson McCullers, Erskine Caldwell, F.Scott Fitzgerald.

A obra de José Rodrigues Miguéis configura-se predominantemente ao nível da ficção narrativa e da crónica-ensaio. Coetânea do presencismo e do neo-realismo, é relativamente independente do cânone rígido daqueles movimentos, situando-se numa zona de intersecção entre ambos, gerando sínteses originais. Leitor atento de Camilo e de Eça, revela-se mestre da ironia e do humor, problematizando as contradições sociais, analisando o sujeito individualmente considerado, não raro em situação limite de amargura e de perda, mas também em busca de identidade, oscilando entre o regresso como forma de esperança e a fuga como expressão de desistência, a que não é alheia a herança brandoniana: «As crónicas da República (tudo ali me lembrava Raul Brandão, que por lá passara) eram talhadas em pleno material do mestre da Farsa. A sua sensibilidade luarenta e espectral coincidia visceralmente com o meu modo de ser.» (in «Nota do Autor» à 2ª ed. de Páscoa Feliz, 1958, p.183).

São em número de seis os romances de JRM: Uma Aventura Inquietante (1958), que sob um enredo policial denuncia as arbitrariedades da Justiça, revelando em simultâneo a «gastronostalgia» do expatriado na Bélgica, que só dá valor à Pátria quando se encontra longe dela; A Escola do Paraíso (1960), revelando algumas características do romance de formação, é centrada na infância do herói, decorrida entre o fim da Monarquia e os alvores da República, concedendo particular destaque à figura da mãe e à da cidade-berço; Nikalai! Nikalai! (1971), história pícara que retrata uma comunidade de russos brancos sediada em Bruxelas, após a revolução soviética, e que pretende repor no trono o czar Nikalai; O Milagre segundo Salomé (1975), grande fresco da sociedade lisboeta, da ambiência depressiva que correspondeu à degradação dos sonhos republicanos, que culminaria no golpe de 28 de Maio de 1926; O Pão Não Cai do Céu (1981), a sua obra mais conforme ao cânone neo-realista, onde se destaca a figura do «cigano», herói épico, símbolo unificador da luta pela terra e pela liberdade na planície alentejana; Idealista no Mundo Real (1986) que problematiza as contradições de um jovem magistrado colaborador da Seara Nova em busca da sua identidade ideológica e social. Serão, contudo, a novela e o conto que tornarão JRM referência obrigatória entre os melhores no género: Páscoa Feliz (1932) – Prémio da Casa da Imprensa – revela-se um dos mais penetrantes retratos da desagregação mental do sujeito até ao limite da loucura e do crime, temática que será retomada com menor dramatismo e expressividade na peça de teatro O Passageiro do Expresso (1960).A problemática da dissolução do sujeito, associada a elementos fantásticos, constitui também a linha de força da narrativa «A Mancha não se Apaga» (Onde a Noite se Acaba, 1946).

 De Léah e Outras Histórias (1958) - Prémio Camilo Castelo Branco – destacam-se as narrativas «Léah» e «Saudades para a Dona Genciana» . A primeira, oscilando entre a carta e o diário, constitui-se como solilóquio confitente de um medroso e tímido narrador evocando a mulher amada e perdida; a segunda, considerada a obra-prima da ficção migueisiana, construída sobre uma dupla sinédoque: Dona Genciana representando o espaço humano da Avenida (Almirante Reis), e esta, por sua vez, representando a cidade de Lisboa, vista disforicamente no passado  e euforicamente no presente da rememoração, depreciadas ambas pela vivência e também ambas glorificadas pela memória, testemunhas de um espaço-tempo relíquia, que a saudade faz re(vi)ver.

A condição do imigrante constitui-se como eixo temático dominante nos contos de Gente da Terceira Classe (1962). A experiência autobiográfica, força motriz da obra migueisiana  no seu conjunto, assume-se explicitamente em Um Homem Sorri à Morte – Com Meia Cara (1959) onde o sofrimento perante a ameaça do fim se transmuta pela coragem e pela vontade, em vitória da vida e da esperança.

A produção genericamente considerada crónica foi reunida em três vols.: É Proibido Apontar – Reflexões de um Burguês I (1964), O Espelho Poliédrico (1973), As Harmonias do Canelão – Reflexões de um Burguês II (1974).

Pass(ç)os Confusos (1982) reedita o livro de contos Comércio com o Inimigo (1973) bem como um conjunto de narrativas anteriormente publicadas na imprensa. Aforismos & Desaforismos de Aparício (1996, ed. OnésimoT. Almeida) reúne textos publicados no Diário Popular sob o título de Tablóides, subordinados a temáticas diversas na área político-cultural, de que se destacam os conceitos de liberdade e de arte, bem como o papel dos intelectuais nas sociedades modernas, acusando dramatismo e angústia, fruto do exílio e da solidão.

BIBLIOGRAFIA: AA. VV. José Rodrigues Miguéis: Catálogo da Exposição Comemorativa do Centenário do Nascimento, Lx., 2001;Onésimo T. Almeida (ed.) José Rodrigues Miguéis: Lisbon in Manhattan (Providence, 1984); Onésimo T. Almeida & Manuela Rego (eds.), José Rodrigues Miguéis: Uma Vida em Papéis Repartida, Lx., 2001; Margarida Barahona, introd. a Contos de José Rodrigues Miguéis, Lx, 1981; João José Cochofel, «O Último Romance de Miguéis», in Críticas e Crónicas, Lx., 1982; José Martins Garcia, «Um Paraíso Sempre Ameaçado», introd. a A Escola do Paraíso, Lx.,1986; John A. Kerr Jr., Miguéis –To the Seventh Decade, University of Mississipi, Romance Monographs 29, 1977; Maria Lúcia Lepecki, «Rodrigues Miguéis: o Código e a Chave» in Meridianos do Texto, Lx., 1979; Óscar Lopes, «O Pessoal e o Social na Obra de  Miguéis», in Cinco Personalidades Literárias, Porto, 1961; Eduardo Lourenço, «As Marcas do Exílio no Discurso de Rodrigues Miguéis», in O Canto do Signo, Lx., 1994; Teresa Martins Marques, O Imaginário de Lisboa na Ficção Narrativa de José Rodrigues Miguéis, Lx., 1994; David Mourão-Ferreira, «Avatares do Narrador na Ficção de Miguéis», in Sob o Mesmo Tecto, Lx.,1989; Mário Neves, José Rodrigues Miguéis – Vida e Obra, Lx., 1990; Ernesto Rodrigues,«Uma Atmosfera Revolucionária: O Pão não Cai do Céu», in Mágico Folhetim—Literatura e Jornalismo em Portugal, Lx.,1998; Mário Sacramento, «A Problemática do Eu em José Rodrigues Miguéis», in Ensaios de Domingo, Coimbra, 1959.

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