por Carlos Leone

Lopes de Mendonça

Lopes de Mendonça (1826-1865) foi um homem do seu tempo, naquele sentido pleno em que moldou esse tempo tanto quanto ele o moldou a si. A sua notoriedade literária chegou cedo e disso mesmo dá conta Memórias, surgido em 1855 mas com uma história crítica que o próprio livro reflecte. E descreve, no Prólogo, ao dar conta da opção crítica que presidiu ao livro: trata-se não de uma segunda edição de Ensaios de Crítica e Literatura (1849) mas sim de uma reedição desse primeiro trabalho, «aumentando-o, corrigindo-o, transformando-o, e procurando pô-lo a par deste género de publicações nos outros países.» (p. VII/VIII). Ao optar por esse trabalho de reescrita segundo padrões não paroquiais (europeus, como ficará claro), preterindo a simples segunda edição dos anteriores Ensaios (depois de a primeiro ter sido praticamente esgotada em nove meses), volume que reunira capítulos soltos de crítica publicados no jornal A Revolução de Setembro, Lopes de Mendonça optou por uma crítica modelada segundo a norma moderna, descendente da cultura iluminista já pós-revolucionária. Essa opção fez das suas Memórias o primeiro trabalho consequente de crítica literária em Portugal. Não se trata de aderir sem reservas ao seu estilo, aos seus juízos ou às suas concepções teóricas, apenas de reconhecer nesta obra (e não na anterior, como o próprio autor admitia) o primeiro trabalho de crítica literária moderna realizado em Portugal com uma dimensão capaz de o fazer resistir ao seu tempo.

Apesar de tentar ombrear com os modelos críticos do pós-romantismo europeu, no qual as doutrinas materialistas começavam a adquirir uma influência teórica pouco depois confirmada com o Positivismo, a família natural da crítica de Lopes de Mendonça é a que encontramos no Addison do Spectator, no Shaftesbury de Characteristics of Men, Manners, Opinions, Times, no Montesquieu de Lettres Persannes, no Diderot dos Salons: a crítica literária como crítica social, assente na mundaneidade dos modernos e da sua filosofia anti-Escolástica. Muito anterior à crítica especializada, que só depois de o Romantismo ter diminuído a cultura das Luzes e de o Positivismo instaurar a ambição científica em todos os domínios veio a ser possível, a crítica literária iluminista é um assunto social, de sociedade, não de uma arte ou sequer «de Arte». Longe de se descaracterizar pela repetida incursão politica ou de se desqualificar pelas opiniões pessoais insuficientemente fundamentadas (na crítica de poesia, em particular), a actividade crítica de Lopes de Mendonça ganha nisso mesmo a sua personalidade. Não enquanto crítica especializada ou, romanticamente, portuguesa, mas enquanto discurso crítico moderno, a par do género dessas publicações noutros países europeus. Diferencia-o dos seus antecessores a sua (falhada) ambição sistematizadora, que o leva a refazer o seu próprio trabalho segundo padrões universais, rompendo com a norma localmente instituída e que, antes e depois dele, modula o polemismo português típico. Contra esse polemismo estéril, a tentativa de cientifização da crítica não chega a resultar, mas é próxima da que se tentava pela Europa moderna desde há muito.

Vale a pena prestar atenção a quanto do que vultos maiores da crítica do século XX português (António Sérgio, Eduardo Lourenço), colhendo-as na geração de 70, mantêm de observações de Lopes de Mendonça como as que se encontram no final das secções II e III da Introdução.

Sem estranheza, portanto, aqui encontramos já formatada uma história crítica da literatura moderna em Portugal: a última Arcádia; a Nova Literatura personificada em Garrett (não só a geração romântica mas também a geração seguinte, incluindo jornalismo e teatro); os contemporâneos do dia (1855). E já se vê formado o cânone das Letras portuguesas segundo o critério emancipatório das Luzes: Bocage e Filinto Elísio, culminando em Almeida Garrett e Herculano, aos quais se juntam António de Oliveira Marreca e, a alguma distância, Andrade Corvo. Que Castilho esteja quase ausente é sinal de agudeza crítica quanto ao destino do “ultra-romantismo”.

A investidura da crítica numa função social positiva, propondo um cânone cultural que cabe ao país cultivar e desenvolver, merece nota: «cultural», dizemos, no sentido amplo, pois inclui a arte poética e, além dela, a prosa não apenas de ficção mas também de investigação e, inclusivamente, de acção política; em resumo, o primado da comunicação entre os criados e os seus públicos. «Cultural», ainda, na perspectiva anteriormente subordinada à anterior, especificamente moderna: concatenando as sucessivas gerações e correntes literárias e sociais entre si. «Cultural», por fim, ao unificar essa comunidade de experiências e de épocas em função da referência à vida europeia, sem que a valorização dos autores nacionais careça do depreciar do estrangeiro.

Foi esse espírito que o animou desde a sua precoce estreia literária (Cenas da vida contemporânea, publicado com apenas dezassete anos) até à loucura que o vitimou nos anos imediatamente anteriores à sua morte, quando já era sócio efectivo da Academia das Ciências (desde 1855), catedrático de Literatura Moderna no Curso Superior de Letras (desde 1860). A sua obra crítica, a que o salva do esquecimento, será em breve republicada pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda, que também tem no prelo O Essencial sobre Crítica Literária em Portugal, de nossa autoria, onde o seu trabalho é enquadrado historicamente. Entre a literatura disponível, consulte-se «Mendonça António Pedro Lopes de», por Jacinto do Prado Coelho, em Prado Coelho, J., dir., Dicionário de Literatura, vol. II, pp.631/2, Mário Figueirinhas Editor, Porto, 1997 (4ª ed.).

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